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Car Culture

Como (re)fazer hoje um Porsche 930 com motor de F1 dos anos 80?

Nem todo mundo lembra disso o tempo todo, mas a Porsche já forneceu motores para a Fórmula 1. E não foi para qualquer equipe — quem usava os motores Porsche era ninguém menos que a McLaren que, na época, teve parte de seu controle acionário comprado pela TAG — Technologies d’Avant Garde, empresa que presta serviços de gestão para companhias aéreas .

Mas se você acha que isto significa que a Porsche colocava seus icônicos motores flat-6 nos carros de Fórmula 1, saiba que, infelizmente, isso não aconteceu. Há um bom motivo para que os boxer Porsche não tenham sido usados na F1: largos demais, eles exigiriam que os carros fossem redesenhados com prejuízo à aerodinâmica. Além disso, os V6 turbo eram a norma na época — motores compactos, leves e giradores, capazes de render mais de 1.000 cv em acerto de classificação.

Mas antes, você deve saber que a Porsche não era exatamente novata na Fórmula 1 — já na década de 1920, Ferdinand Porsche ajudou a projetar as Flechas de Prata da Mercedes-Benz e da Auto Union, companhia que, anos mais tarde, daria origem à Audi (dá para ver que é tudo entrelaçado, não?). Depois, na década de 1960, o monoposto Porsche 804, movido por um flat-8 de 1,5 litro e cerca de 180 cv.

Com o 804, a Porsche conseguiu suas duas únicas vitórias na F1 como construtora: no GP da França e no GP de Solitude, na Alemanha (esta, nem parte do campeonato fazia), ambas com Dan Gurney ao volante. Depois disso, a Porsche abandonou a Fórmula 1 devido ao alto custo da categoria, mas também por não ter interesse em uma categoria tão distante dos carros de rua.

Nada disso impediu que, exatamente 21 anos depois, a Porsche voltasse à maior categoria do automobilismo mundial. Não foi um movimento muito planejado — aconteceu quando a TAG ainda patrocinava a Williams, que estava em uma bela fase no início dos anos 80, com dois títulos de construtores em 1980 e 1981, e Keke Rosberg sagrando-se campeão em 1982.

Em 1983, Ron Dennis marcou uma reunião com o chefe da TAG, Mansour Ojjeh, e ofereceu-lhe uma parceria que, além de tornar sua empresa a patrocinadora titular da McLaren (como era na Williams, que afinal se chamava TAG-Williams na época), ainda lhe cederia parte das ações. Ojjeh aceitou sem pestanejar e naquele ano, ainda como patrocinador da Williams, bancou o desenvolvimento de um novo motor para os monopostos da McLaren. Não é preciso dizer que a parceria com a Williams acabou depois dessa, não é?

A empresa contratada, como você já deve ter deduzido, foi a Porsche. E, como já falamos, um boxer não serviria para a Fórmula 1, e por isso foi estabelecido que o novo motor seria um V6 com 90° entre os cilindros.

Foi um motor um tanto trabalhoso de se projetar. O primeiro carro a usar o motor em testes, ainda no fim da temporada de 1983, foi uma versão bastente modificada do MP4/1, que usava um V8 Cosworth de aspiração natural. John Barnard, o projetista, teve que adaptar tudo, e o motor ainda não estava totalmente pronto — mas Niki dda queria testar o carro logo e por isso e por isso ficou apressando as coisas. No fim, o MP4/1E era mais uma mula de testes do que um bólido de Fórmula 1 feito para competir. Isto, somado ao fato de que o próprio motor ainda não estava 100%, acabou não vencendo nada.

A glória viria a partir de 1984. Como todos sabem, Niki Lauda acabou vencendo o campeonato e a McLaren-TAG ficou com o título de construtores. No ano seguinte, a mesma coisa — desta vez, com Prost no lugar de Lauda. Em 1986, ainda que McLaren tenha perdido o título para a Williams, Prost conquistou seu segundo título em sequência pela McLaren.

É impressionante, porque o motor TAG-Porsche não era dos mais potentes do grid mas, por outro lado, o caía como uma luva no carro projetado especialmente para ele, o MP4/2. Na verdade, a combinação era tão boa que o conjunto, que em seu auge entregava 850 cv, foi usado até 1987 sem grandes alterações. E pensar que a Porsche teve medo de estampar os motores com os dizeres “Made by Porsche” por medo de a empreitada ser um fracasso e prejudicar as vendas dos carros da companhia.

Acontece que o fruto mais impressionante desta época — que durou até 1988, quando a McLaren trouxe Ayrton Senna da Lotus e firmou uma parceria ainda mais vitoriosa com a Honda — não é o carro de Fórmula 1. É algo ainda mais interessante, que passa a maior parte do tempo guardado no centro de desenvolvimento tecnológico da McLaren em Woking, Reino Unido: um 911 equipado com o V6 desenvolvido pela Porsche para a equipe britânica de Fórmula 1.

De acordo com um artigo no site Drive Cultque foi tirado do ar e só pode ser visualizado pelo Internet Archive — a existência deste carro era considerada uma lenda automobilística até 2012, quando o Centro Tecnológico da McLaren abriu suas portas para uma visita especial.

Com carroceria impecavelmente branca, o carro parece só um Porsche 930 dos anos 1980 em condição impecável, mas é um verdadeiro monstro. Martin Spain, o autor do artigo, clicou algumas fotos do carro (mesmo sem permissão dos guias) e, talvez sem saber, criou um dos primeiros registros visuais da existência deste carro.

Por fora, denunciam sua natureza insana um jogo de rodas Ruf de cinco raios (sim, aquela Ruf) e a placa que diz “TAG turbo”. Por dentro, um botão de partida verde no console central (não há imagens do interior) e, no cofre, um par de enormes intercoolers esconde a pequena maravilha de 1,5 litro e algo entre 700 e 850 cv — que podem fazer deste um dos Porsche 911 mais rápidos do planeta, ainda que não haja qualquer menção ao desempenho do carro.

Nos últimos anos o carro ganhou alguma exposição por parte da McLaren e da própria Porsche, e foi possível entender sua origem: ele foi usado pelos alemães como mula de testes do motor V6 de Fórmula 1 e, talvez por ter sido a TAG quem bancou o desenvolvimento, ele acabou indo parar na coleção de Mansour Ojjeh, principal acionista da McLaren e responsável por torná-la a gigante que ela se tornou a partir dos anos 1980, quando se uniu à Project 4 de Ron Dennis (daí o “MP4” nos nomes dos carros da equipe — McLaren Project 4). Aqui é importante lembrar que Ojjeh também tinha um dos únicos Porsche 935 de rua exatamente por sua relação com a Porsche nessa época.

Agora, tudo isso é apenas a introdução e contextualização do ponto central desta matéria: o Lanzante TAG-Turbo.

Você conhece a Lanzante, certo? Se não conhece (deveria, pois já falamos muito deles), eles são uma preparadora britânica que correu e venceu a 24 Horas de Le Mans de 1995 com um McLaren F1, são uma das raras empresas além da McLaren autorizadas a fazer manutenções nos F1 de rua, e também foram eles quem transformaram o P1 GTR em um carro “road legal”. A relação com a McLaren é estreita ao ponto de seu proprietário Dean Lanzante chegar a Zak Brown (o chefe da McLaren) e propor a compra do Porsche 930 TAG.

O único Porsche 935 de rua – para Mansour Ojjeh

É claro que Zak Brown declinou a proposta de Lanzante, mas dali nasceu o atual projeto de Dean e sua equipe/preparadora. Ele descobriu que a McLaren ainda tem guardados vários motores TAG Turbo V6 dos anos 1980 e viu ali uma oportunidade de ter um 930 Turbo, já que o original não está a venda. A essa altura você já deve ter lembrado daquele famoso ditado: se você não pode comprar, faça você mesmo.

Lanzante contou à revista Autocar que fazer dois ou três carros seria muito caro. Para diluir os custos, seria preciso fazer mais exemplares. Inicialmente ele pensou em 25 carros, que é uma referência ao número de corridas que a McLaren venceu com o motor, mas não há motores suficientes para isso, de acordo com o plano de Lanzante. Com os motores limitando o número de exemplares, Dean decidiu fazer 11 carros — cada um referenciando as duplas de pilotos que correram com este motor nas temporadas de 1983 a 1987. O número ímpar, o 11º, se deve ao fato de John Watson ter substituído Niki Lauda em 1985.

O aspecto mais interessante do conceito adotado por Lanzante nestes carros é que não se tratam de restomods ou modificações ao estilo da Singer e outras preparadoras de Porsche. A ideia aqui é fazer uma série de carros que poderiam ter sido feitos em 1983, por isso, a Lanzante limitou as opções de cores e revestimentos aos que eram oferecidos pelo catálogo original da Porsche na época. Por outro lado, o 930 TAG Turbo era um 930 regular da época, por isso mesmo sendo um protótipo de testes, ele tem teto solar, ajuste elétrico dos retrovisores e volante original. Ou seja: é possível fazer um carro versátil e confortável, mesmo para os padrões de hoje, com o motor TAG Turbo sem escapar das condições impostas por Lanzante.

Cada um dos 11 motores está sendo modificado pela Cosworth para ficar mais civilizado e confiável para as ruas e estradas — afinal, o 930 tem um motor de Fórmula 1 exatamente como ele era instalado nos monopostos. Por isso, ele não tem 4 bar de pressão máxima como o modelo da Porsche, e foi limitado a 3 bar com potência de 503 cv.

A Lanzante ainda fez uma “série especial” de três carros, inspirados pelo atual proprietário do McLaren MP4/2 de Alain Prost, que pediu mais potência em seu TAG Turbo. Estes três carros são uma homenagem aos três anos em que a McLaren venceu com o motor TAG (os títulos de pilotos e construtores de 1984 e 1985 e o título de Prost em 1986). Eles têm potência aumentada para 625 cv e peso reduzido em 400 kg (sim: quatrocentos quilogramas; não tem um zero sobrando aí não), chegando aos 920 kg seco.

Além disso, eles serão pintados de acordo com o capacete dos pilotos: o primeiro inspirado por Alain Prost, e o segundo por Niki Lauda. Os cintos de segurança têm a marca Hugo Boss estampada, como nos carros da F1, e o volante é revestido de camurça sintética em vez de Alcantara, enquanto a alavanca de câmbio tem o mesmo design da alavanca dos MP4 de F1.

Até mesmo as rodas foram reproduzidas — a Dymag fará as cópias com o padrão de furação da roda de Fórmula 1. As únicas concessões à modernidade feita pela Lanzante são o controle de tração — afinal, imagine um Porsche manual de 920 kg e 625 cv nas ruas — e o sistema multimídia da Porsche Classic, que usa o estilo do rádio da época com as entranhas modernas e uma tela tátil.

Os exemplares “Championship” são somados aos 11 exemplares regulares para um total de 14 Lanzante TAG Turbo e cada um dos carros tem um motor reserva como parte da garantia — o que significa que há, ao menos 28 motores destes. Apesar disso, a Lanzante não planeja replicar o motor para reposição.

Ele explicou que até poderia refazer os moldes para fundição e que teria muitos compradores para este motor, mas o conceito do carro é oferecer algo mais especial que isso. “É dirigir um carro bonito, e um carro embalado por um motor que foi usado por um piloto de Fórmula 1 em um fim de semana de corrida. É algo especial. É por isso que as pessoas compraram este carro. Quantas pessoas podem comprar um McLaren MP4? Eu poderia refazer, mas não teria a mesma alma. O fato de ser um motor original, de termos escaneado o carro original da McLaren.  Não faria sentido algum fazer mais destes”, concluiu.