Para mim, ao menos é automático: se entro em um carro, minha primeira ação é afivelar o cinto de segurança – e eu sempre instruo todos os passageiros a fazer o mesmo quando sou eu o motorista. Ou mesmo quando quem vai dirigir é outra pessoa. Este hábito me foi ensinado desde que me entendo por gente, e eu nunca fiz diferente. Não consigo deixar de me incomodar quando vejo alguém colocando o cinto de segurança com o carro já em movimento – e colocando-se em risco, mesmo que por alguns poucos instantes, de sofrer um acidente com o corpo totalmente solto dentro do carro. Sério, não façam isso.
Especialmente porque, em 2019, completam-se 60 anos desde que começou a ser usado o cinto de segurança moderno, de três pontos, que hoje em dia é item obrigatório em 100% dos carros fabricados no mundo. É até estranho pensar que, antes deles, os carros sequer eram obrigados a vir de fábrica equipados com cintos de segurança.
É importante frisar que a Volvo não inventou os cintos. O crédito por eles é atribuído a um homem chamado George Cayley, engenheiro britânico que desenvolveu os cintos de segurança para uso em seu planador, ainda em meados do século 19. Seu uso em automóveis ocorreu de forma extremamente esporádica até o fim da década de 1940, quando fabricantes norte-americanas como a Nash e a Ford começaram a oferecer cintos de segurança como opcionais. Eles ainda eram simples, de dois pontos, geralmente do tipo abdominal.
A função do cinto de segurança é segurar o corpo de uma pessoa em caso de colisão. É uma lei básica da física: um corpo em movimento tende a permanecer em movimento. Assim, quando o carro sofre uma desaceleração repentina, seja por uma frenagem brusca ou uma colisão, a inércia trata de arremessar as pessoas contra o painel, pelo para-brisa, em direção a qualquer obstáculo que esteja no caminho. O dever do cinto de segurança é evitar que isto ocorra.
Com os cintos abdominais o corpo já não fica solto, mas os ocupantes ainda estão sujeitos a sofrer danos na cabeça e no pescoço com a violência do impacto. Além disso, como concentrava-se sobre uma área menor do corpo, o cinto abdominal também tinha mais chances de machucar os tecidos moles do abdome. E era este o problema que a Volvo queria resolver.
Para isto, a fabricante sueca – que é uma das referências da indústria em segurança – convocou o engenheiro Nils Bohlin. Nascido em 1920 na cidade de Härnösand, ele formou-se em 1939. Três anos depois, em 1942, ele começou a trabalhar na divisão aeronáutica da Saab, onde permaneceu até 1957. Entre suas criações no período estão os assentos ejetáveis. Em 1958, Bohlin foi contratado pela Volvo como engenheiro-chefe do departamento de segurança da fabricante. E uma de suas primeiras tarefas foi desenvolver uma alternativa melhor aos cintos abdominais.
Na época, já existiam cintos de segurança diagonais. No entanto, eles também tinham uma desvantagem: em determinadas situações, o passageiro podia escorregar por baixo do cinto, agravando sua situação em caso de acidente – ainda mais porque, diferentemente de hoje, os automóveis não possuíam zonas de deformação programada, e seus interiores eram cheios de metal descoberto e peças pontiagudas que se tornavam letais em um acidente.
Verdade seja dita: já havia um tipo de cinto, que ficou conhecido como “Y”. Sua proposta era juntar os cintos diagonal e abdominal em uma única peça, mas ele tinha problemas: as tiras do cinto encontravam-se sobre a barriga do passageiro, aumentando a possibilidade de ferimentos internos nas vísceras. Além disso, sua operação não era das mais simples.
A Volvo reconhecia, porém, que aquela solução estava no caminho certo, e encarregou Bohlin de aperfeiçoá-la. O engenheiro, então, percebeu que era importante apoiar o cinto nas partes mais resistentes do corpo – os ombros, a caixa torácica e o osso pélvico. Para tornar a operação mais simples e intuitiva, Bohlin desenvolveu um cinto em formato de V que permitia que, usando apenas uma mão, o passageiro pudesse alcançar o cinto de segurança, puxá-lo por sobre seu corpo, e afivelá-lo em um encaixe ao lado do banco.
Após um período de testes, a ideia foi aprovada e colocada à venda já em 1959. Os primeiros carros a vir de fábrica com cintos de segurança de três pontos foram o compacto P120, sedã de duas ou quatro portas; e o PV544, sedã dois-volumes maior e mais luxuoso. Isto posto, ambos ainda usavam os cintos de três pontos apenas nos bancos dianteiro, enquanto os bancos de trás ainda tinham cintos abdominais. Além disso, estes modelos só receberam cintos de três pontos nos países escandinavos – no restante da Europa, os carros da Volvo continuaram usando cintos abdominais.
Isto posto, a partir daquele momento, a Volvo dedicou-se a provar para a indústria que havia bom motivos para a adoção dos cintos de três-pontos, talvez até mesmo uma eventual padronização. Para isto, a fabricante realizou um estudo muito abrangente, coletando dados de todos os acidentes de trânsito ocorridos na Suécia ao longo de um ano. Resultado: em 28.000 colisões registradas, os cintos de segurança de três pontos de fato evitaram fatalidades, além de reduzir a incidência de ferimentos graves de 50 a 60%. Eram dados incontestáveis.
O passo seguinte foi tornar aberta a patente dos cintos de três pontos criados por Nils. Desta forma, além de adotar a inovação da Volvo em seus próprios modelos, as demais fabricantes de automóveis poderiam dar a sua contribuição para melhorar sua eficácia.
Foi graças a esta atitude da Volvo que os cintos de três pontos foram adotados em massa, passando a equipar também os bancos traseiros de seus carros no final da década de 1960 e, nos anos seguintes, tornando-se a norma na indústria automotiva. E foi também graças a isto que eles continuaram evoluindo, ganhando recursos como carretéis de inércia, que travam o cinto quando o carro é submetido a uma força de desaceleração repentina; pré-tensionadores, que “puxam” os cintos em caso de colisão iminente e deixam o passageiro mais seguro; e, mais recentemente, airbags, que aumentam a área de contato do cinto com o corpo do ocupante, melhoram a distribuição de energia e tornam a experiência de um acidente menos dolorosa.
Nils continuou trabalhando com a Volvo até sua aposentadoria, em 1985, e suas contribuições com a segurança automotiva continuaram. Na década de 1970, por exemplo, ele coemeçou o desenvolvimento do sistema de proteção contra impactos laterais, que consistia em barras diagonais na parte interna das portas, além de estruturas em forma de favo de mel que absorviam a energia dos impactos e impediam que esta energia chegasse aos passageiros. O sistema, no entanto, só foi adotado em 1991.
O engenheiro Nils Bohlins morreu em 2002, aos 82 anos, após sofrer um AVC. No mesmo ano, ele ganhou uma indicação póstuma ao Hall da Fama Nacional dos Inventores dos Estados Unidos.