Nos últimos cinco dias meu daily driver foi um SUV com motor 2.0 turbo de 300 cv e 1.800 kg. Rodei mais ou menos 500 quilômetros em percurso combinado (cidade, estrada e um pouco de off-road) e consegui uma média de 9 km/l — um número positivo, considerando o peso e a potência do carro.
Especialmente porque no final de 2018 também passei uns dias com um SUV 1.5 turbo de 190 cv e, rodando quase 800 km com ele, mal consegui superar os 10 km/l em percurso rodoviário, ainda que ele fosse razoavelmente leve para um SUV (1.600 kg). Como é possível que um motor menor e menos potente tenha uma diferença tão pequena de consumo médio em relação um motor maior e mais potente?
Mais eficiente… em alguns casos
Nos últimos anos, as normas de emissões e consumo impostas por governos de todo o mundo — em especial da Califórnia e da União Européia — levaram os fabricantes a abandonar seus motores aspirados e com deslocamento elevado, para adotar motores com menos cilindros, menor deslocamento e turbocompressão para obter números de potência equivalentes ou maiores.
Isso levou a uma evolução da tecnologia que trouxe resultados impressionantes. O motor 2.0 turbo do Mercedes-AMG A45, por exemplo, chegou à potência específica de 190,5 cv/l. A Koenigsegg, apesar de estar em uma categoria muito restrita em todos os sentidos, chegou aos 320 cv/litro com o V8 5.0 biturbo do Jesko.
E como o downsizing não se refere apenas a produção de potência, mas também economia de combustível (que estão diretamente relacionadas), essa evolução também resultou em uma redução média de 20% no consumo.
Acontece que os dados de consumo são obtidos por meio de testes padronizados que não simulam as condições de uso real, mas o potencial do motor em condições ideais. No mundo real, as variadas condições de uso podem mostrar números bem diferentes. Foi o que aconteceu comigo.
Segundo o programa de etiquetagem do Inmetro, o SUV 2.0 de 300 cv pode rodar 9 km/l em rodoviário, enquanto o 1.5 de 190 cv é capaz de 11,9 km/l. A tabela da agência de proteção ambiental dos EUA (EPA) não fica muito longe disso: o modelo 2.0 turbo de 300 cv roda até 9,79 km/l em ciclo combinado, o modelo 1.5 turbo de 190 cv pode chegar aos 12,3 km/l — cerca de 20% a mais. Por que o consumo real foi tão diferente?
Indo direto ao ponto (e pulando a explicação técnica): porque os motores de menor deslocamento têm maior demanda de torque, o que os aproxima de plena carga mais vezes — eles trabalham mais tempo com a pressão máxima, o que significa que o turbo trabalha “cheio” em uma faixa maior de rotações. Especialmente em um SUV de 1.600 kg.
Quando o motor turbo trabalha com sua carga plena há dois fatores que aumentam o consumo de combustível: a massa do ar admitido na câmara de combustão e sua temperatura durante a compressão do pistão.
Como sabemos, a compressão aumenta a densidade do ar, que exige um volume maior de combustível para atingir a relação estequiométrica ideal, o que aumenta o consumo em longo prazo. Quanto maior a pressão do turbo, maior será a densidade do ar admitido, mais combustível terá que ser injetado. Como o 1.5 tem um volume menor, a densidade dele será superior.
Esse aumento da massa de ar na câmara de combustão resulta em uma temperatura final mais elevada na compressão, o que pode levar à detonação da mistura ar-combustível — ela irá detonar antes do disparo da centelha pelo sistema de ignição, causando a temida “batida de pino”, que por sua vez aumenta significativamente a temperatura da câmara.
Mistura rica
A prevenção é feita de duas formas. Uma delas é alterando o ponto de ignição para atrasar a queima, reduzindo a pressão no cilindro e impedindo que a mistura detone. Só que isso causa perda de desempenho porque a queima acontecerá fora ponto de vantagem mecânica (leia mais aqui), reduzindo a eficiência da alavanca na produção de potência.
Outra forma é controlar a temperatura da massa de ar aumentando o volume de combustível injetado (enriquecendo a mistura ar-combustível) para resfriá-lo. Parece um contra-senso injetar mais combustível para resfriar a mistura, mas como a temperatura do combustível é mais baixa que a do ar comprimido, aumentar o volume injetado acaba resfriando a mistura — e aumentando o consumo em longo prazo.
Além disso, a injeção de combustível para resfriamento tem como efeito colateral o aumento de hidrocarbonetos não queimados, prejudicando seus níveis de emissões se comparados com um motor de maior deslocamento. Até pouco tempo atrás, os fabricantes programavam o gerenciamento do motor para controlar as emissões em situações análogas aos padrões dos testes, enquanto no mundo real os carros tinham um nível de emissões pior do que o avaliado em bancada.
Por conta disto, desde 2017 a União Europeia adotou os “testes do mundo real”, nos quais instala o equipamento de medição na traseira do carro e simula sua utilização em ruas e estradas. Foi nessa época que os fabricantes começaram a aumentar o deslocamento de seus motores downsized e surgiu o conceito de “rightsizing” — o deslocamento adequado para cada aplicação.