O romantismo do automobilismo dos anos 50 e 60 é traduzido nas linhas de seus carros. Em uma época onde chegar na frente era uma prioridade muito maior que a segurança dos pilotos e mortes eram uma certeza sombria, os carros eram feitos puramente para andar rápido e encantar os olhos, com linhas elegantes, leveza em todos os detalhes e nada de penduricalhos aerodinâmicos para gerar downforce.
É um tempo cada vez mais distante e que definitivamente não volta mais. Acontece que, em todo o mundo, há entusiastas dedicados a manter vivas as memórias daquela época. Caras como Nestor Salerno, argentino que há trinta anos restaura clássicos que aceleraram nas pistas há cinco ou seis décadas e hoje, são vistos em museus ou provas históricas.
O envolvimento de Nestor com os antigos carros de corrida, porém, vem de muito antes de 1985, quando ele comprou a oficina — incluindo o espaço e todo o ferramental.
Foto: Arnaldo Keller
A oficina foi fundada em 1969 por outro argentino, chamado Edgard Boschi. Desde o início a ideia era produzir carros esportivos europeus feitos para puristas. E não tem como ser mais purista do que isto: Boschi fabricava, sob licença, réplicas do Lotus Seven — o frugal roadster britânico que foi lançado em 1957 mas é produzido até hoje, sob a alcunha de Caterham Seven. Sob o nome de Lotus Argentina S.A., a empresa fabricou ao longo dos anos algo entre 40 e 50 unidades daquela que é considerada, até hoje, a única série original do Lotus Seven feita fora do Reino Unido.
Lotus Seven argentinos, 1970
Depois da morte de Boschi, a Lotus Argentina deu uma pausa em suas atividades. Quem a trouxe de volta foi Salerno, que comprou tudo em 1985. Acontece que ele não era um cara qualquer, cheio da grana, que caiu de pára-quedas nesta história: seu envolvimento com o automobilismo já durava décadas.
Como conta Arnaldo Keller neste excelente post do Autoentusiastas, Salerno nasceu em 1933 e começou, em 1956, a disputar corridas de moto com uma Puch de 125 cm³ fabricada na Áustria. Foram muitos tombos e acidentes no primeiro ano de disputas — até que seu pai o convenceu a abandonar as duas rodas. O argumento foi forte: uma Ferrari 212, com motor V12 de 2,6 litros e carroceria fabricada pela Motto, na medida para disputar provas de longa duração. Nestor foi facilmente convencido.
Possivelmente, uma 212 Barchetta parecida com esta
No ano seguinte, Nestor participou dos 1000 KM de Buenos Aires, disputado em um circuito de mais de 10 km pelas ruas da capital argentina. Foi um marco em sua vida, pois ele e sua Ferrari dividiram o grid com pilotos de renome mundial na Fórmula 1 — na época, os pilotos de F1 também participavam do Mundial de Endurance —, como Graham Hill, Stirling Moss e seu maior ídolo, Juan Manuel Fangio, que na época corria pela Maserati.
Na década de 60 Salerno mudou-se para a Europa, onde passou a disputar corridas na Fórmula 3 ao volante de um Brabham BT14. Depois de se acidentar no circuito de Monza, porém, o argentino decidiu voltar para casa. De volta à Argentina, Salerno disputou mais duas provas antes de abandonar as pistas de vez, motivado por um segundo acidente e, pouco tempo depois, por seu casamento.
Foi pouco depois que, em 1985, ele comprou a fábrica da Lotus Argentina, e continuou pelos anos seguintes a fabricar o Seven sob licença. Sua paixão pelos carros de competição clássicos, porém, tornou natural que ele migrasse para a fabricação artesanal de réplicas — a princípio, usando fibra de vidro e depois, com carrocerias de alumínio. Foi a partir dali que sua fama começou a se espalhar.
Depois de deixar as pistas, Salerno passou a dedicar-se à restauração das máquinas que, antes, acelerava. O nome da companhia é ASA Aluminium Body e, em essência, é este seu ramo: a fabricação de componentes e carrocerias de alumínio de carros de corrida dos anos 30, 40 e 50, seja para a restauração de um clássico ou a construção de um novo, do zero. Esta é a parte mais incrível de seu trabalho.
Foto: Arnaldo Keller
Nestor e sua equipe trabalham à moda antiga: sem equipamentos automatizados ou linhas de produção. É tudo artesanal, permitindo um nível de atenção aos detalhes muito maior e dando aos carros que saem da oficina o direito de serem chamados de obras de arte.
O método de construção é como antigamente: a carroceria é feita com alumínio moldado sobre uma fina estrutura tubular e garante resistência e leveza. Mecanicamente, os carros construídos por Nestor — que podem ser réplicas fiéis como a Testarossa do vídeo acima, ou criações originais, encomendadas pelo cliente. E interessados nos carros feitos pelo argentino aparecem entusiastas do mundo todo, que costumam fornecer a mecânica e o carro que será usado como base. Normalmente, são modelos relativamente mais comuns da Alfa Romeo, da Ferrari e da Maserati, os favoritos de quem encomenda as réplicas. Provavelmente, também do próprio Nestor.
O artesão garante que ele e sua equipe são capazes de entregar o carro exatamente do jeito que o cliente quiser — seja 100% fiel às linhas originais ou não, usando apenas fotos como referência. Ele também dá a opção de seguir fielmente a mecânica da época, incluindo motor carburado, freios a tambor e rodas raiadas; ou um carro modernizado, com freios a disco, rodas de liga e injeção eletrônica.
E ele consegue cumprir a promessa. Na verdade, suas criações são tão boas que o Museo del automovil Juan Manuel Fangio, que fica na cidade de Balcarce, onde nasceu o piloto, já contratou Nestor algumas vezes. Na primeira, para construir uma réplica do Maserati 300 S de Fangio — o museu forneceu até mesmo a mecânica do carro e o projeto original para referência. Depois deste, outros modelos históricos tiveram sua restauração encomendada pelo museu — como a Ferrari F166 com que Fangio disputou diversos GPs na Europa.
Com tamanhas credenciais, quando custa um carro fabricado por Nestor? Depende dos detalhes, mas o preço costuma ficar entre US$ 100 mil e US$ 150 mil quando a mecânica é fornecida pela oficina. Aproximadamente, algo entre R$ 320 mil e R$ 480 mil. Se vale a pena? Quem já esteve ao volante diz que sim. E muito.