O retorno da Bugatti, nos anos 2000, nos trouxe o insano Veyron – o carro que, com seus mais de 1.000 cv e capacidade de ultrapassar os 400 km/h, levantou a barra para os superesportivos que viriam nos anos seguintes. Nem todos eles apostaram em um motor W16 de oito litros com quatro turbos, evidentemente. Mas, de certa forma, o Bugatti Veyron estimulou as outras fabricantes a embarcar em uma saudável guerra de potência e performance.
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Avançando um pouco no tempo, em 2018 foi a vez do Bugatti Chiron – o sucessor do Veyron, que previsivelmente falhou em causar o mesmo impacto. Já ouviu falar na “crise do segundo álbum”? É quando uma banda ou artista lança um trabalho tão bom e influente que, na hora de fazer seu sucessor, é difícil não ser criticado – por melhor que aquele álbum seja. Goste ou não do Veyron, ele foi um carro impressionante do ponto de vista técnico, e um carro extremamente influente. Desde o começo, todos sabíamos que seria difícil para a Bugatti fazer um sucessor que tivesse o mesmo impacto. Praticamente impossível – ainda que o fato de um Chiron ter chegado aos 500 km/h há alguns meses tenha sido impressionante de todo modo.
Com o Chiron, a Bugatti adotou uma abordagem evolucionária, aperfeiçoando o conjunto mecânico já bem resolvido do Veyron, mantendo as proporções de “besourão” e dando a ele uma nova identidade visual, mais sofisticada e adequada aos anos 2020.
E é isto que me entristece um pouco: há algumas semanas, a Bugatti revelou um conceito “perdido” que poderia ter sido um sopro de ar fresco para a marca e, ao mesmo tempo, seria um throwback mais fiel às raízes da empresa como fabricante de luxo. Seu nome? Bugatti Atlantic. E ele era lindo, simplesmente lindo.
O carro ficou escondido no QG da Bugatti por pelo menos cinco anos – ele foi cancelado em 2015, quando o protótipo já estava pronto. Só no mês passado é que o pessoal do Autoblog conseguiu dar uma conferida de perto no carro, e também colher algumas informações. E, mais recentemente, a youtuber Supercar Blondie também teve acesso ao protótipo e conseguiu até mesmo conversar com o projetista, Frank Heyl – que, na época, fez parte da equipe que criou o design do Atlantic e, mais tarde, tornou-se chefe do departamento e o principal nome por trás do Chiron.
A semelhança com o que veio a se tornar o Chiron é notável. Repare, por exemplo, no formato dos faróis e, principalmente, a letra “C” formada pela volta nas laterais da carroceria. Isto posto, as proporções são completamente diferentes: o Atlantic é dono de um perfil muito mais grand tourer, com capô longo e um caimento bem fastback no teto. Olhando para ele, vêm a mente modelos como o Mercedes-AMG GT ou o Jaguar F-Type Coupe. Graças às proporções, o Atlantic também parece consideravelmente menor que o Chiron, mas na verdade ambos são quase do mesmo tamanho.
O nome do carro, como os leitores mais entendidos devem ter sacado, é uma referência ao Bugatti Type 57SC Atlantic, que teve só quatro unidades fabricadas pela Bugatti entre 1936 e 1938 – e um dos carros mais caros e valiosos do planeta, com preço estimado em mais de US$ 35 milhões (equivalente a R$ 175 milhões na cotação atual).
Ele usava a mesma base dos outros Type 57, com um oito-cilindros em linha de 3,3 litros e 175 cv, mas sua belíssima carroceria projetada por Jean Bugatti era o grande diferencial. Ela era feita de Elektron, uma liga de magnésio altamente inflamável que impediu o uso de soldas na fabricação – em vez disso, os painéis forma unidos com rebites, o que originou a característica “barbatana” que percorria todo o comprimento do carro.
O Atlantic moderno foi pintado de preto, em referência ao mais famoso dos Atlantic originais, e também ganhou uma barbatana – ainda que, em seu caso, ela seja puramente estética, já que o carro é feito sobre um monocoque de fibra de carbono. O formato da grade dianteira é outra referência ao clássico, embora seja mais baixa por exigência da legislação europeia, que estabelece que o capô não pode ser visível do banco do motorista.
Na traseira, o Atlantic tem uma tampa de hatchback automática que, ao abrir, revela um porta-malas raso, porém espaçoso, no qual ficam guardadas quatro malas feitas sob medida. As portas são do tipo borboleta, algo que não é visto no Veyron e nem no Chiron. O interior, por outro lado, é bem parecido com o que se vê no hipercarro em design e acabamento.
A diferença mais importante seria mesmo a mecânica – o capô abrigaria um V8 biturbo, posicionado atrás do eixo dianteiro e ligado a um transeixo na traseira, de modo a manter a distribuição de massas em 50/50, frente/traseira. A ideia seria colocar o Atlantic abaixo do Chiron em termos de preço e, para isto, a Bugatti utilizaria componentes “de prateleira” do grupo. Para o motor, havia algumas opções interessantes – como o V8 de quatro litros da Audi, que na RS6 Avant, por exemplo, entrega seus 600 cv e 81,5 kgfm de torque. Um detalhe interessante: o carro foi pensado também para um powertrain elétrico – de acordo com Frank Heyl, a ideia era que o cliente optasse por combustão ou eletricidade no momento da compra. No caso do Atlantic elétrico, a ideia era usar quatro motores, um para cada roda, e colocar as baterias no assoalho.
O protótipo estava muito próximo da linha de produção, e até tinha a numeração do chassi, 001, gravada no volante. Mas acabou abortado em meio ao escândalo das fraudes de emissões do Grupo VW – e a Volkswagen reavaliou todos os seus lançamentos, incluindo o cancelamento do Bugatti Atlantic.
Recentemente têm surgido rumores sobre um possível modelo “de entrada” da Bugatti – não um carro barato, obviamente, mas um automóvel com a mesma missão do Atlantic. A fabricante já confirmou que ser uma marca de um carro só está fora dos planos – então, podemos ao menos torcer para que a ideia de um grand tourer elegante como o Atlantic ainda esteja em pé.