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Car Culture

De Alfa Romeo 156 a Volkswagen Up: a história e os carros do designer Walter De Silva

Há alguns dias a Volkswagen comunicou que Walter de Silva, chefe do departamento de design da companhia e responsável por todas as marcas do grupo, vai deixar sua posição no fim de novembro. Será o fim de uma era que começou há dezessete anos, quando de Silva começou a trabalhar para a Volks, e foi sem dúvida uma das mais importantes de sua carreira.

Só que ela começou bem antes. Nascido em Lecco, na Itália, em 1951, Walter Maria de Silva começou a trabalhar como designer em 1972, com apenas 21 anos, no Centro Stile Fiat em Turim. Ele ficou lá por seis anos antes de migrar, em 1978, para famoso Instituto I.DE.A de Design — que, nos anos 1980 e 1990, assinou modelos como os Fiat Tipo e Tempra, o Alfa Romeo 155 e o Lancia Delta.

 

Alfa Romeo 156

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Walter de Silva continuou no instituto I.DE.A até o ano de 1986, quando foi contratado pela Alfa Romeo, onde permaneceu até 1999. Na Alfa, ele foi o responsável por uma grande mudança na linguagem de design da marca: as formas retilíneas que dominaram os modelos da década de 90, como o clássico 164 e o próprio 155, começaram a dar lugar a linhas mais sensuais e arredondadas. O primeiro carro a apresentar estas características foi o o hatch 145, lançado em 1994 — e seu sucessor, o 147, também foi projetado por de Silva.

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Deu para notar que, apesar de ser uma das figuras mais importantes dentro da Volkswagen nos últimos anos, Walter de Silva tem uma carreira irremediavelmente ligada às marcas italianas. Na verdade, seu último projeto na Alfa Romeo é considerado até hoje um dos automóveis mais bonitos de todos os tempos. É com ele que vamos começar a relembrar os carros mais marcantes da carreira de Walter de Silva.

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O contraste entre o Alfa Romeo 155 e seu sucessor, o 156, é gritante. O primeiro, como já dissemos, era um carro muito bonito, mas parecia ter sido desenhado com uma régua pelo Instituto I.DE.A. O 156, por sua vez, despejava esportividade com sua dianteira baixa, seu perfil aerodinâmico e sua bela traseira alta, curta e decorada por duas lanternas compridas e estreitas. Outro detalhe característico era a impressão de que o carro tinha apenas duas portas, pois as maçanetas traseiras ficavam camufladas na coluna “C”.

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O Alfa Romeo 156 era vendido com motores de quatro cilindros 1.6, 1.8 e 2.0 Twin Spark (com duas velas de ignição por cilindro, melhorando a eficiência da queima). No entanto, a versão mais cobiçada era a GTA, equipada com o maior motor produzido pela Alfa Romeo na época: o V6 Bussone, de 3,2 litros e 30,6 mkgf de torque. Além de levar o sedã (ou perua) até os 100 km/h em 6,3 segundos com máxima de 250 km/h, o V6 tinha um ronco fabuloso.

No entanto, o detalhe que mais nos interessa agora é o seguinte: em 2002, o Alfa 156 passou por um facelift desenhado por Giorgetto Giuguiaro (que desenhou o sucessor do 156, o belíssimo Alfa 159, em 2008). No entanto, a versão GTA continuou com o visual antigo, muito mais querido pelos fãs do modelo. Na verdade, o Alfa 156 é tão representativo que a própria VW fez menção a ele na nota oficial sobre a saída de De Silva.

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Dat ass

E a gente pode concluir que, de fato, a Volkswagen lamenta sua saída do grupo. O Alfa Romeo 156 conseguiu destaque o bastante para que a VW se convencesse de que o cuore sportivo era exatamente o que faltava em seu portifólio — uma forma de unir a precisão alemã à paixão italiana. No entanto, a Fiat sequer considerava uma negociação na época. E, para dizer a verdade, até recentemente a Volks ainda insistia — os últimos boatos de sondagens alemãs nas fábricas da Alfa Romeo são de 2013.

Na época, a Fiat foi categórica e disse: “preocupem-se com a Seat”. Ferdinand Piëch, executivo-chefe da Volkswagen, decidiu então que, se não podia comprar a Alfa Romeo, compraria ao menos seu designer — e assim, em 1999, Walter de Silva assumiu uma cadeira justamente na Seat, divisão espanhola da Volkswagen.

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Sua missão na nova casa era injetar mais esportividade aos carros da Seat. Assim, seus primeiros trabalhos foram dois conceitos: o Seat Salsa, em 2000, e o Seat Tango, de 2011. Dá para ver a influência de ambos nos modelos da Seat lançados em meados dos anos 2000, como o León de segunda geração e o Ibiza de terceira geração.

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Seat Leon. Não parece mesmo um Alfa Romeo?

De fato, a Seat cresceu bastante depois disto e, aos poucos, conquistou uma bela reputação entre os entusiastas europeus — que hoje está mais forte do que nunca, graças a hot hatches bem velozes como o León Cupra 280, que até pouco tempo atrás detinha o recorde de Nürburgring Nordschleife para carros de tração dianteira.

 

Audi A5

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O bom trabalho de De Silva na Seat acabou lhe rendendo uma promoção: Em 2002, ele passou a ser chefe de design do extinto grupo Audi, subdivisão da Volkswagen que englobava Audi, Seat e Lamborghini. Seu primeiro trabalho no novo cargo foi o Audi A6 de terceira geração, lançado em 2004.

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Com linhas muito mais arrojadas, a estreia da grade “bocão” (que se tornou marca registrada dos Audi desde então) e linhas angulares dividindo espaço com curvas sutis, o A6 C6 inaugurou uma nova identidade visual para a Audi, que foi incorporada a toda sua linha a partir dali — sempre com a supervisão de De Silva.

No entanto, o carro que merece um lugar na lista é outro: o Audi A5 — que Walter de Silva já disse ser seu trabalho favorito.

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O A5 é produzido desde 2007 e, desde então, ainda não ganhou uma nova geração — o que só ajuda a entender porque de Silva gosta tanto dele. Tanto a versão de duas portas quanto o modelo de quatro portas (chamado pela Audi de Sportback) têm aprovação unânime de público e crítica — a silhueta é extremamente agradável, as proporções são harmônicas e a agressividade aparece na medida exata.

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Obviamente que sua versão mais interessante é a RS5, lançada em 2010 e equipada com o V8 FSI de 4,2 litros da Audi, capaz de entregar 450 cv e chegar aos 100 km/h em 4,4 segundos, com máxima de 280 km/h.

 

Audi R8

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Tudo isto dito, é impossível não mencionar também o R8, que marcou a estreia da Audi no segmento dos superesportivos. Quer dizer, de sua versão de produção.

A primeira visão que o mundo teve do R8 veio em 2003, na forma do conceito Le Mans Quattro, projetado por Frank Lamberty e Julian Hoenig. O conceito que foi levado para o Salão de Genebra para comemorar as três vitórias consecutivas da Audi em Le Mans (2000, 2001 e 2002) já tinha linhas muito parecidas com as que estrearam no modelo de produção, em 2007, mas indiscutivelmente ainda tinha cara de conceito. O responsável pela transformação foi… Walter de Silva.

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O designer fez um belo trabalho ao tornar o visual do Le Mans Quattro mais realista e contemporâneo sem matar totalmente sua área futurista. Em uma entrevista concedida ao site Car Body Design em 2007, pouco tempo antes do lançamento do R8, de Silva disse que a intenção era “criar um esportivo poderoso, porém de elegância excepcional.

O conceito apresentado em 2003 era a base perfeita. A agressividade natural vinha da silhueta típica dos automóveis de motor central traseiro, e era amplificada pelas enormes entradas e saídas de ar na dianteira e na traseira, além da “lâmina” à frente das rodas traseiras, que auxiliavam no arrefecimento do V10 de 5,2 litros emprestado do Lamborghini Gallardo (que também fornecia a plataforma).

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A elegância fica por conta do perfil suave e da ausência de aparatos aerodinâmicos destacados — os elementos que ajudam na estabilidade e no downforce são sutilmente integrados à carroceria, enquanto os dutos no assoalho e difusores fazem o papel da asa traseira.

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Na verdade, o design do Audi R8 é tão marcante que sua segunda geração, que já foi apresentada mas ainda não chegou as ruas, manteve boa parte da identidade do modelo anterior. No entanto, recebeu linhas mais angulosas e agressivas, principalmente no formato dos faróis e da grade — tendência que, vejam só, já havia começado a aparecer, ainda que discretamente, na segunda geração do Audi TT, que também foi projetada por Walter de Silva.

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Volkswagen Scirocco

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O que nos traz, por fim, à chegada de Walter de Silva ao posto de designer-chefe do Grupo Volkswagen, em 2007. E ele chegou metendo os pés na porta: seu primeiro projeto foi o Golf Mk6 — que foi em essência uma reestilização da quinta geração, aclamada por sua dinâmica, porém criticada pelo visual da carroceria e pelo acabamento simplista do interior.

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A sexta geração do Golf foi a primeira a empregar a presente identidade visual dos modelos da Volkswagen, que é quase minimalista e presente em praticamente todos os modelos vendidos atualmente pela marca. Se hoje ela já perdeu um pouco da graça, não se pode dizer o mesmo do carro que a introduziu, em 2008: o Volkswagen Scirocco.

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A primeira geração do Scirocco foi apresentada em 1974, quando de Silva ainda era um jovem designer iniciante na Fiat. Ele era um hatchback de dois lugares baseado no Golf de primeira geração, porém com uma proposta mais esportiva — algo que, segundo consta, levou a Volkswagen do Brasil a inspirar-se nele em vez do Golf para projetar o Gol BX.

O Scirocco é uma espécie de lenda local para os entusiastas europeus, mas não fez muito sucesso em outros mercados e suas duas gerações anteriores, que usavam a mesma plataforma. E ainda são meio desconhecidas para muita gente aqui no Brasil. Por isso a VW demorou tanto tempo para retomar a linhagem — o Scirocco Mk3 só apareceu no Salão de Paris de 2006, quando foi apresentado o conceito IROC.

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A base era o Golf de quinta geração e o motor, um TSI dois litros com turbo e 200 cv. Boa parte das características foram levadas para o modelo de produção — a grade minimalista entre dois faróis amendoados, a linha de cintura ascendente, o para-brisa bastante inclinado e a bela traseira, tudo estava no carro que começou a ser fabricado em 2008.

O grande trunfo do Scirocco era juntar a boa dinâmica do Golf a uma embalagem mais apelativa. E tudo fica ainda melhor se estivermos falando do Scirocco R, que usa uma versão de 268 cv do motor 2.0 TSI.

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Agora, até dá para entender o fato de o Scirocco não ser um carro muito comum — mais ou menos como o A5, ele é um carro de nicho. No entanto, influências de seu design podem ser vistas em praticamente todos os Volkswagen lançados desde então, do Polo ao Passat. Não é para menos: quando não foram projetados pelo próprio de Silva (caso do Volkswagen Polo, do cupê CC e do SUV Touareg, por exemplo), ao menos os modelos foram criados com sua supervisão.

 

Volkswagen Up

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O nosso Volkswagen Gol de terceira geração (ou quinta, se você considerar o G2 e o G3 como gerações), lançado em 2008, teve a dianteira reestilizada quatro anos depois, em 2012 — e foi um dos últimos modelos a receber a assinatura criada por Walter de Silva. No entanto, àquela altura, a family face já não era exatamente novidade, e mesmo alguns fãs da marca começaram a manifestar certo tédio com ela.

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Assim, não demorou para que o próprio De Silva rompesse com a identidade visual com aquele que acabou se tornando o último carro projetado por ele na Volks: o compacto Up. O primeiro conceito, que já adiantava boa parte das linhas do carro mas apresentava proporções bem mais ousadas, quase caricatas, data de 2007.

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A versão de produção foi lançada na Europa em 2011, substituindo o Volkswagen Fox — que, veja só, era exportado daqui desde 2005. Se o hatch brasileiro não fez muito sucesso no Velho Mundo por causa do acabamento simplório demais, o mesmo não pode ser dito do Up, que agradou no design, no aproveitamento de espaço e na qualidade de construção por fora e por dentro. E ainda agradou em cheio ao trazer alguma variedade no design, com sua tampa traseira de vidro, faróis maiores, uma grade “falsa”, de um único filete, na dianteira e um grande emblema da VW no meio.

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O Up foi lançado no Brasil em 2014, e tinha a missão de substituir o Gol G4 como modelo de entrada da Volks no Brasil. No entanto, o moderno projeto europeu acabou elevando seu custo final. Para isto, também contribuíram as diversas modificações para adequar um subcompacto europeu ao segmento dos populares brasileiros — que incluíram um aumento no entre-eixos que acabou diluindo um pouco o arrojo do desenho original de de Silva.

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E ele também perdeu a tampa de vidro

De qualquer forma, o Up também foi aclamado no Brasil por introduzir o novo motor de 1.0 de três cilindros e 80 cv e por seu comportamento dinâmico — além, é claro, da ainda mais recente versão turbinada, que é capaz de produzir 105 cv e entrega desempenho bem empolgante, mesmo não sendo exatamente um esportivo. Leia o review do Speed Up aqui!

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Dá para dizer, sem dúvida, que mesmo neste momento delicado para a Volkswagen, sua trajetória foi encerrada em grande estilo. A fabricante nega explicitamente que o recente escândalo do “Dieselgate” tenha influenciado a decisão do designer, e frisa que ele continuará prestando serviços de consultoria para a Volkswagen.

No entanto, acreditamos ter evidências suficientes aqui para dizer que, definitivamente, a Volks não será mais a mesma sem Walter de Silva.