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Car Culture

De onde veio e como funciona a suspensão a ar?

Se eu falar em suspensão a ar, a primeira imagem em que muita gente irá pensar é em um carro pregado no chão, com as rodas enfiadas nos para-lamas, quicando em linha reta em baixa velocidade. Outros certamente pensarão em um Land Rover com aquela postura de buldogue sentado, largado em um canto de estacionamento ou debaixo de uma árvore suburbana.

Os busólogos, claro, lembram da suspensão a ar do Flecha Azul da Viação Cometa, entre outros que também tinham esse tipo de suspensão. Mas poucos associam o conforto dos sedãs de luxo modernos às suspensões a ar — talvez porque elas sejam embelezadas com codinomes mais comerciais, como Magic Body Control ou siglas sonoras como PASM, AAS ou ABC.

Essa versatilidade da suspensão a ar foi algo que me intrigou desde a primeira vez em que vi um Chevette derrubado na rua onde eu morava, há uns 15 anos. Afinal, os ônibus tinham suspensão a ar para conforto, os Land Rover tinham suspensão a ar para ajustar a altura de rodagem, e aquele Chevette tinha suspensão a ar para conseguir aquele stance socado sem comprometer o uso geral quando não estivesse estacionado. Se ela estava nos ônibus, ela não era coisa nova. Se ela estava no Chevette, ela não era coisa cara. Então… por que cazzo ela não era mais popularizada?

Cometa Flecha Azul: a história do ônibus mais icônico do Brasil

À primeira vista eu achava que era por causa da aparente fragilidade da suspensão. Os Land Rovers arriados colocaram essa imagem na minha cabeça e eu pensava que, talvez, elas não fossem adequadas para uso geral. Mas aí, pesquisando sobre, eu topei com a história da suspensão a ar e descobri que houve até mesmo uma equipe da Nascar que usava bolsas de ar infladas no lugar das molas helicoidais da suspensão. Se serve para a Nascar, certamente serve para um carro comum, não?

E indo mais além, descobri a origem do negócio e que ele já era um conceito antigo quando a Cometa decidiu usá-lo nos seus ônibus rodoviários. Pois é…

A suspensão a ar foi inventada no início do século XX, quando o local da fábrica da Mercedes, em Suttgart, ainda era um campinho de futebol e Ferdinand Porsche ainda estava apostando em carros híbridos a bateria. Ela foi patenteada em 1901 pelo americano William W. Humphreys, que chamou o sistema de “Mola Pneumática para Veículos”. Na prática, eram duas mangueiras comas pontas seladas e com uma válvula para calibragem.

A patente de Humphreys

Elas eram instaladas entre os eixos e as molas transversais, e funcionavam mais como um amortecedor de cabine como conhecemos nos caminhões modernos. Como não havia aplicação prática, na época, a invenção de Humphreys não foi adiante.

Mais tarde, em 1909, os britânicos da Cowey Motor Works idealizaram um sistema que usava um cilindro com um diafragma feito de borracha, que era inflado usando uma bomba manual. Como a tecnologia da época ainda era rudimentar, o sistema acabava perdendo pressão e precisava ser calibrado com frequência.

A primeira suspensão a ar confiável a ponto de ter uma utilização prática foi desenvolvida pela Firestone para o último protótipo Stout Scarab Experimental, apresentado em 1946, que também foi o primeiro carro com carroceria de fibra de vidro no mundo. O princípio era o mesmo dos sistemas modernos: quatro bolsas de ar no lugar das molas convencionais. A pressão era controlada por quatro pequenos compressores ligados a cada uma das bolsas.

O Stout Scarab nunca foi produzido daquela forma, mas o sistema de suspensão a ar acabou adotado em veículos comerciais pouco tempo depois — era uma boa solução para nivelar a altura de rodagem de um veículo pesado, como um caminhão carregado ou para proporcionar conforto de rodagem nos ônibus — daí a utilização nos Flecha Azul, por exemplo.

Depois do advento da suspensão hidropneumática, em 1954 com o Citroën DS, algumas fabricantes começaram a enxergar na suspensão a ar um equivalente mais barato ao sistema francês. A General Motors, que havia sido uma das primeiras a empregar a suspensão a ar em veículos comerciais, também passou a oferecê-la como item de série no Cadillac Eldorado Broughham em 1957.

Publicações da época diziam que a suspensão a ar era mais macia do que a convencional com molas, mas não muito. Além disso, observavam que o tempo de reação era maior em manobras repentinas, o que poderia representar um risco à segurança. Talvez por isso os carros com suspensão a ar foram descontinuados, e esse tipo de suspensão só voltaria a ser oferecida em um carro americano em 1984, com o lançamento do Lincoln Continental Mark VII.

“Sua nova suspensão a ar controlada eletronicamente fornece uma combinação consistente de conforto de rodagem e precisão de controle”, dizia o anúncio

Já na Europa — que comprava Citroën como se não houvesse amanhã —, a suspensão a ar teve melhor aceitação. A Mercedes foi a marca que mais investiu no sistema, adotando uma bolsa de ar em cada eixo do 300SE W112 a partir de 1962 e, mais adiante, no 600 Grosser que foi produzido até 1984. Depois disso, a Mercedes passou a usar suspensões hidropneumáticas novamente até a chegada do Classe S W220 em 2000.

A popularização da suspensão ar, contudo, aconteceu de verdade entre os hot rodders dos EUA — sempre eles, não? Foi mais ou menos na época do Stout Scarab que um americano chamado Claud Perberton começou a desenvolver a ideia de uma mola pneumática para ser instalada dentro da mola helicoidal original dos carros ou utilitários para aumentar a capacidade de carga. A empresa de Perberton foi batizada Air Lift, e entrou no mercado em 1949. Mas em vez de entregadores e frotistas, quem o procurou foram os… hot rodders!

A história parece uma lenda urbana: um grupo de corredores de Darlington, Carolina do Sul, começou a comprar as molas pneumáticas para instalar nos carros usados para transportar moonshine, a bebida destilada ilegal que os americanos fabricavam artesanalmente durante os tempos de lei seca e proibição de certos teores alcoólicos. A ideia era evidente: com o reforço pneumático, os carros não ficavam arriados ao transportar os engradados de bebida.

Como os moonshiners eram também corredores dos primórdios da Nascar, muitos carros foram para a pista com as molas pneumáticas e perceberam que poderiam ajustar a carga da suspensão individualmente para cada roda — algo que funciona muito bem em um circuito oval com curvas para um lado só. A demanda dos corredores da Nascar levou a Air Lift a investir mais no segmento, e ela própria começou a desenvolver carros para correr e para ações de exibição da tecnologia.

Pela primeira vez na história os pilotos tinham a possibilidade de ajustar a carga da suspensão na hora da corrida — ou até mesmo durante a prova, caso isso fosse feito em um pit stop. E o negócio não parou por ali: o ajuste de carga da suspensão também era algo desejado pela turma da arrancada, que poderia controlar a compressão e distensão da suspensão, otimizando a tração no arrancadão. Além dos drag racers, a Air Lift também acabou conquistando o pessoal dos ralis no deserto, como o famoso Baja 1000, tornando-se extremamente popular no mercado de acessórios e equipamentos aftermarket e preparação.

Até mesmo o Batmóvel original usava suspensão a ar, acredite. George Barris, que construiu o Batmóvel original sobre o Lincoln Futura, solicitou à Air Lift um conjunto especial de supensão a ar para gravar cenas de saltos ou para estabilizar a carroceria do carro em tomadas externas.

Apesar do sucesso com os preparadores, a Air Lift mantinha também a demanda dos frotistas e transportadores de carga, além de fabricantes de tratores e até mesmo de máquinas automáticas como vending machines e pinballs, onde as bolsas atuavam como niveladoras.

Foi assim, e por esta razão, que a suspensão a ar se tornou mais popular entre os carros modificados e utilitários do que nos carros de luxo. Somente depois da chegada dos amortecedores magnetorreológicos e outros tipos de suspensão ativa que as bolsas de ar voltaram a ser usadas como componente das suspensões de carros premium — elas normalmente atuam em conjunto com os amortecedores ajustáveis, em vez de controlar a rolagem e os movimentos de baixa frequência da carroceria sozinhas.

 

Como elas funcionam, afinal?

O funcionamento das suspensões a ar é dos mais simples possíveis. Os sistemas modernos são compostos por bolsas de ar que substituem as molas helicoidais tradicionais, válvulas de controle, um conjunto de mangueiras e um compressor.

O compressor, como você pode deduzir facilmente, é o responsável por inflar o sistema. O gerenciamento é todo feito pela ECU do carro com base no modo de condução selecionado. Dependendo do modo, o compressor aumenta a pressão na bolsa para tornar a suspensão mais alta e/ou mais firme, enquanto. Em um modo “comfort”, por exemplo, a ECU atua sobre a válvula de controle para diminuir a pressão nas bolsas e reduzir a firmeza das molas.

Como as bolsas têm controle individual, elas também podem adotar pressões individuais para cada roda, o que pode ser desejável em situações off-road, por exemplo.

As molas podem ser concêntricas aos amortecedores – como os coilovers…

Nos sistemas de controle de rolagem da carroceria, há um outro elemento em cena: os sensores de esterçamento do volante e posição do acelerador, bem como giroscópios e até mesmo o próprio sensor de pressão das válvulas das bolsas de ar. Nesse caso, a ECU cruza os parâmetros informados por estes sensores para saber se o carro está contornando uma curva e qual a velocidade em que está fazendo isso, e, com base nestes parâmetros, define a pressão individual de cada bolsa para conter a rolagem da carroceria.

… ou paralelas, montadas separadas dos amortecedores

Note que isso já era possível na época do Batmóvel, mas sem os controles eletrônicos, não havia como fazer a variação automática em tempo real e em movimento.

Também foi por isso que os sistemas hidropneumáticos eram mais populares nos carros produzidos em série — os princípios da dinâmica dos fluidos e vasos comunicantes permitia um controle automático passivo, baseado no próprio sistema em vez de exigir um controle externo. Mas isso é papo para outra matéria…


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