Nos últimos anos o mercado automotivo brasileiro teve mais de um líder de vendas em uma única década primeira vez desde os anos 1980. Acredite se quiser: desde 1956, quando o primeiro carro nacional foi lançado, isso só aconteceu nas décadas de 1980 e nesta década de 2010. Primeiro o Fusca dominou as décadas de 1960 e 1970 ininterruptamente. Depois, nos anos 1990 e 2000, foi seu sucessor, o Gol, quem ocupou o topo do mercado sem deixar a bola cair um único ano.
A história mudou em 2014, quando a Volkswagen deixou de vender o Gol G4 e o modelo passou a contar apenas com sua atual geração. Com um modelo a menos ajudando na contagem, o Palio, e suas duas gerações que conviviam no mercado, acabaram tomando a liderança. O reinado do Fiat, contudo, durou apenas um ano: em 2015 ele foi ultrapassado pelo Chevrolet Onix, que manteve a posição em 2016 e tem tudo para repetir a história do Monza nos anos 1980 neste ano, se continuar vendendo como está até dezembro.
Curiosamente estes tempos de hoje guardam algumas semelhanças com os anos 1980: uma reviravolta econômica no meio da década, novos tempos na indústria automotiva e novos segmentos preenchidos no mercado automotivo.
Naquela década o Fusca, campeão absoluto de vendas nos 20 anos anteriores, estava chegando ao final de sua primeira vida, já passando o bastão para o Gol, que ainda não tinha todas as qualidades que o consagraram, mas já dava sinais de que tinha potencial campeão. Também foi a década dos carros mundiais, uma tendência inaugurada pelo Chevette, mas consolidada a partir de 1982 com a chegada do Monza, seguido pelo Escort e, logo depois, pelo Uno. Curiosamente, ao mesmo tempo em que estes modelos mais modernos chegavam ao mercado, boa parcela dos consumidores ainda optava por modelos mais estabelecidos e de concepção mais antiga, como o Corcel, o Opala, o 147 e o Passat.
Essa miscelânea de gerações, novas tendências e velhos hábitos foi, sem dúvida, o fator fundamental para a maior alternância de modelos na liderança do mercado até hoje, e pode ser observada claramente no ranking dos 15 carros mais vendidos dos anos 1980, que iremos relembrar a seguir.
Chevrolet Chevette – 655.217 unidades
O primeiro carro mundial da GM entrou na década de 1980 de cara nova, o que garantiu uma boa colocação nos três primeiros anos, perdendo apenas para o Fusca e para o Passat. Em 1983 ele foi completamente remodelado com um estilo bem mais moderno, que o aproximou do Monza. Com a divisão dos clientes da Volkswagen entre Gol e Fusca, o Chevette vendeu 85.984 unidades naquele ano e se tornou o primeiro modelo a quebrar a hegemonia do Fusca na liderança do mercado. No restante da década ele viveu de sua boa fama conquistada por suas qualidades e versões mais luxuosas.
Volkswagen Gol – 645.111 unidades
O sucessor do Fusca chegou com o mesmo motor do sedã dos anos 1930, algo que até destoava de sua bonita carroceria moderna, com traços inspirados no esportivo Scirocco. Embora seu desempenho e seu motor não fossem lá uma qualidade do Gol, o maior espaço interno e sua concepção moderna foram suficientes para tirar cada vez mais compradores do Fusca até que, em 1983, ele finalmente ultrapassou seu antecessor e também o irmão Passat. O fato de ser o Volkswagen mais vendido do Brasil não foi suficiente para conquistar a liderança de mercado. Isso só aconteceu em 1987, quando a fabricante matou o Fusca e deu início à aposentadoria do Passat. Antes de isso acontecer, contudo, foi um sujeito engravatado de origem europeia quem dominou o mercado brasileiro.
Chevrolet Monza – 507.678 unidades
Sim. Foi o Monza quem antecedeu o Gol na liderança do mercado. Ele chegou em 1982 com um novo motor 1.6 e carroceria hatchback de duas portas exclusiva do Brasil, inspirada no Opel Monza europeu (que era um carro bem maior), mas deslanchou mesmo a partir de 1983 quando se tornou um sedã e ganhou novos motores de 1,8 litro. Com opções de duas ou quatro portas, um projeto moderno e um nível de acabamento raramente visto por aqui, ele faturou a liderança do mercado em 1984, 1985 e 1986. Foi a única ocasião em que um modelo não-popular foi o mais vendido do Brasil.
Volkswagen Fusca – 480.931 unidades
O velho Fusquinha perdeu a liderança de mercado em 1982, mas se dependesse apenas de seus fiéis seguidores ele continuaria lá até hoje. Prova disso é que, mesmo com as vendas em queda a partir de 1980 e com o encerramento da produção em 1986, ele ainda foi o quarto carro mais vendido dos anos 1980, superando modelos que foram vendidos durante a década inteira, como a Belina, o Opala e a Kombi.
Ford Escort – 369.504 unidades
Ele chegou em 1983, um ano depois do Monza e representou um salto evolutivo imenso em relação ao Corcel. Pudera: o Escort era idêntico ao modelo vendido na Europa (exceto pelos motores de origem francesa), era moderno, bem acabado e tinha até uma versão esportiva e outra conversível – algo que não se via em um carro nacional desde o fim do Karmann-Ghia. Logo de cara o Escort superou o Corcel, e suas vendas só aumentaram nos anos seguintes.
Volkswagen Passat – 340.406 unidades
O Passat também começou a década com um visual novo para os novos tempos, e era a única alternativa moderna ao Fusca na Volkswagen — ainda que bem mais caro que o besouro. Mas aí veio o Gol, oferecendo a mesma modernidade por um preço mais em conta. Tanto que foi preciso apenas dois anos para que o Gol superasse o Passat em volume de vendas. Em 1984 ele passou a dividir a clientela com sua nova geração, vendida aqui como Santana. No ano seguinte o Gol passou a usar o mesmo motor 1.6 e a diferença de vendas entre ambos aumentou a cada ano até que, em 1988, o Passat foi tirado de linha, abrindo espaço tanto para as versões mais luxuosas do Gol, quanto para o Santana.
Volkswagen Voyage – 338.987 unidades
O sedã do Gol chegou um ano depois do hatch, mas diferentemente de seu irmão, ele foi lançado logo com o motor “a água” do Passat. Como sua produção foi iniciada na metade de 1981, as vendas naquele ano foram relativamente tímidas – apenas 18.710 unidades, o que o colocou atrás até mesmo da picape Chevrolet C-10. Em 1982, contudo, ele arrebentou: vendeu mais que Passat e Fusca e mostrou que o pacote formado pelo visual moderno e motor a água eram a receita certa para aquela família.
Fiat 147 – 281.028 unidades
Em 1980 o Fiat 147 também ganhou uma cara nova que, somada à sua concepção moderna, bom aproveitamento do espaço interno e economia de combustível garantiram ao pequeno Fiat a quarta posição no mercado naquele ano. Nos três anos seguintes suas vendas caíram quase pela metade, mas ele permaneceu firme entre os cinco mais vendidos até a chegada do Uno em 1984. Dali em diante as vendas foram reduzindo progressivamente até 1987, quando somente 490 unidades foram vendidas.
Ford Del Rey – 259.039 unidades
O Del Rey chegou em 1981 com a missão de ser uma variante mais luxuosa do Corcel. Na prática era um Corcel com visual diferente, duas portas a mais, e uma lista de equipamentos mais refinada — ela incluía câmbio automático, rodas de liga leve, ar-condicionado, vidros elétricos e teto-solar. Ao longo da década o Del Rey jamais chegou perto da liderança, mas também nunca deixou de figurar entre os dez mais vendidos. Também jamais ameaçou o Monza, mas praticamente dividiu a vice-liderança dos sedãs com o Santana de 1985 em diante.
Volkswagen Kombi – 220.398 unidades
Nos anos 1980 a Kombi já não era mais comprada por taxistas e famílias numerosas, mas ainda era a única opção de van do mercado brasileiro. De conventos a escolas, agências de turismo e clubes — quem precisasse de um veículo para transportar mais de cinco passageiros ou grandes volumes, mas não queria uma picape ou um microônibus tinha na Kombi a escolha certa. E essa conta não inclui o modelo picape.
Ford Corcel – 219.562 unidades
Renovado em 1978, o Corcel não tinha grandes novidades para os anos 1980 exceto o motor 1.6 e suas versões a álcool. Antes do Escort era ele a opção para quem queria um Ford relativamente barato e simples. A partir de 1984 suas vendas começaram a cair vertiginosamente dado que ele deixara de fazer sentido com a chegada de Escort e Del Rey. Mesmo assim, seus quatro primeiros anos foram tão bons que ele conseguiu ser o 11º carro mais vendido de seu tempo.
Ford Belina – 213.210 unidades
A perua do Corcel teve uma história diferente: foi vendida durante toda a década pois a Ford a transformou na perua do Del Rey em 1986 — sem contar que também era oferecida como Scala em 1983 e 1984. Espaçosa, confortável e econômica, ela vendeu quase dez vezes mais que a Marajó em 1980 e superou novamente sua rival direta em 1981. No ano seguinte a “Gol Parati” deu as caras, mas abocanhou os compradores da perua Chevrolet; como o Del Rey a Belina se manteve estável até o fim da década.
Fiat Uno – 203.497 unidades
A botinha ortopédica deu as caras em 1984 como alternativa ao Gol, porém com um aproveitamento do espaço interno muito superior ao Volkswagen. Motor transversal, linhas retas e um estepe deitado sobre o motor garantiam que pessoas com 1,80 m pudessem viajar confortavelmente no banco traseiro, e suas malas não precisavam dividir espaço com um pneu sobressalente. Assim o Uno conquistou um público cativo nos seis anos daquela década, vendendo o suficiente para superar modelos mais estabelecidos como o Chevrolet Opala.
Volkswagen Parati – 196.727 unidades
A perua do Gol chegou na metade de 1982 batizada “Voyage Parati” e, mesmo com seis meses a menos de vendas, ela praticamente empatou em vendas com a Chevrolet Marajó. Em 1983 e 1984 ela dividiu o mercado com a Belina, deixando a Marajó para trás. No ano seguinte ela tomou a dianteira e ali ficou até o final da década.
Chevrolet Opala – 195.219 unidades
O Opala também chegou a 1980 de cara nova e mudou novamente em 1987. Por baixo do visual modernizado, contudo, ele ainda era o mesmo carro de 1968, mas aparentemente isso não era problema para os endinheirados que podiam bancar o modelo mais luxuoso da época (especialmente depois de 1986, quando o Alfa Romeo 2300 saiu de linha).
Nota: os números de venda utilizam dados divulgados pela Anfavea e pela revista Quatro Rodas em seus respectivos anos. Por esse motivo, a ausência de uma fonte unificada de dados, pode haver variações no total de veículos vendidos ao longo da década registrado por outras fontes. Também é importante notar que o número de produção anual não tem relação direta com número de modelos vendidos por ano, uma vez que há produção para exportação e também adequação da produção à demanda.