Só existe uma preparação capaz de reduzir o consumo de combustível e de aumentar radicalmente o desempenho de aceleração, de frenagem e de capacidade de contornar curvas, tudo ao mesmo tempo: aliviar o peso, ou tecnicamente, a massa. Chamaremos de peso por convenção, já que, dentre outras razões, parece pouco provável que haja um track day ou prova de arrancada fora do planeta nas próximas décadas…
Com menos inércia – a oposição que um corpo impõe à mudança em seu estado de movimento –, propriedade física intimamente relacionada à massa, o veículo requer menos energia para sair do lugar, muda de direção mais facilmente e fica mais eficaz energeticamente. Chamar de segredo da vitória é bobagem: é pré-requisito e é o campo no qual mais se investiu no automobilismo antes da era aerodinâmica da Fórmula 1, que também só foi possível graças aos avanços na dieta e resistência dos materiais.
No topo disso, lidando com um veículo mais leve, os componentes mecânicos, estruturais, de freio e de suspensão não precisam ser tão parrudos para obter a mesma eficiência e geram menos calor, resultando em uma espiral que deixa a balança ainda mais favorável: tudo pode ser menor e mais leve – radiador, bandejas, mangas de eixo, discos de freio, amortecedores, etc. Para o piloto de track day, a maior diferença vai ser sentida na eficácia e longevidade dos freios, bem como a atitude mais instantânea do veículo na entrada das curvas.
Os automóveis de produção precisam atender a uma série de requisitos de conforto e conveniência que acrescentam dezenas e dezenas de quilos e, no topo disso, há uma série de concessões em termos de superdimensionamento de componentes e barateamento de produção – pois materiais resistentes e de baixo peso, como alumínio e fibra de carbono, custam caro. Isso é uma verdadeira folha de papel em branco para o entusiasta que quer extrair mais desempenho do carro, pois há muito que pode ser feito em termos de dieta automotiva – tanto que a própria indústria emprega várias destas soluções para criar versões peso-pena de seus esportivos mais radicais. Leia nossa reportagem “light weight specials”, na qual mostramos os mais famosos destes modelos, clicando aqui.
Nesta pequena série, dividimos os principais procedimentos em dois níveis: “street” e “because race car”. A primeira, que trazemos agora, expõe algumas das técnicas mais usadas em carros de rua e a maior parte delas são legais e reversíveis. Não pense que é bobagem: somando tudo, você consegue arrancar fora mais de 150 kg do seu carro! O segundo nível é mais hardcore e, embora seja usado por muitos entusiastas de sangue quente, são modificações mais recomendáveis para veículos de competição, seja porque são alterações caras, agressivamente ilegais para rua, irreversíveis ou porque chegam a um nível de detalhismo por grama que não faz muito sentido para as ruas. Vamos lá?
Remoção temporária de estepe, macaco, banco traseiro, tapetes e tampão: em hot laps e track days, arrancar fora ao menos o estepe, macaco, chave de boca, tampão de papelão e outras ferramentas, é modificação quase mandatória. Em dois minutos você se livra de algo entre 15 e 30 kg, dependendo principalmente do tamanho e modelo do estepe e do macaco. Se você tiver a paciência, as ferramentas e o veículo ajudar ao não trazer complexidades, dá pra se livrar de algo entre 10 e 25 kg removendo o banco traseiro e seus equipamentos.
Se o seu carro é um hatch e o tampão (ele, sozinho, pode pesar entre 2 e 3 kg) está com dois subwoofers daqueles (cada um pode pesar até 3 kg), desplugue os falantes e deixe o tampão conversando com a parede do box um pouquinho. Tapetes, especialmente aqueles mais luxuosos, cujo jogo pode pesar 7 kg? Largue-os pegando um pouco de ar fresco. Não se esqueça de outras quinquilharias espalhadas no interior, como manual, garrafa d’água, lanterna, caixa de ferramentas – inclusive por uma questão de segurança no caso de acidentes.
No melhor dos cenários, você fez um alívio de entre 50 e 60 kg em uma questão de minutos, de forma totalmente reversível. Note que quase todas estas modificações aliviam a massa sobre o eixo traseiro, que já costuma ter menos massa concentrada. Sim, isso pode trazer um pouco de sub-esterço a mais, mas lembre-se de que há menos inércia também. É praticamente impossível de o cronômetro não te recompensar e os freios irão te agradecer. Você pode compensar um pouco desta tendência na calibragem dos pneus ou na geometria de suspensão.
Menos gasolina no tanque: andar sempre de tanque cheio é conveniente, ainda mais em uma situação de pista, na qual o consumo de um carro que faz 15 km/l pode despencar para lá de 5 km/l. Mas um tanque de 80 litros carrega algo próximo a 60 kg de gasolina ou 65 kg de etanol. Corte isso pela metade e você tem um alívio instantâneo de 30 kg. Só tome cuidado para não ter falta de combustível momentânea com a aceleração lateral das curvas mais radicais. Em carros originais, o combustível migra temporariamente para a lateral do tanque e o pescador da bomba acaba puxando apenas gases. Sem combustível na câmara, a mistura ar-combustível se desequilibra momentaneamente e a temperatura da cabeça dos pistões (o combustível borrifado é essencial para o seu arrefecimento) vai para o espaço, o que pode ser fatal especialmente em veículos turbinados.
Por isso, independentemente de quantidade de combustível que você carrega no tanque, o surge tank, também conhecido popularmente como catch tank, é fundamental. Motores mais modernos não são afetados por essa questão pois controlam o ponto de ignição imediatamente nestas situações críticas. O carro fica manco, mas o motor é preservado.
Bateria peso-pena: baterias de íon-lítio (solução exótica e mais cara, oferecida como opcional por fabricantes como a Porsche) ou de células secas com placas de 100% de chumbo (como as da Odyssey) podem cortar fora entre 10 e 15 kg da balança. Relocá-la para o porta-malas ainda ajuda a distribuir o peso – apenas capriche na instalação e no calibre dos cabos. O posicionamento mais típico é na diagonal oposta à do motorista, o mais próximo possível do banco traseiro e, consequentemente, do centro de gravidade; ajudando também no comprimento dos cabos e no isolamento contra impactos.
Componentes do motor e transmissão: substituir os pesados coletores de escape fundidos de fábrica por um sistema de coletores dimensionados tubulares não apenas melhora o fluxo como alivia o peso no nariz do veículo, especialmente em motores mais antigos. No caso destes, a troca de componentes de ferro fundido e outras ligas pesadas por modelos de alumínio, como coletor de admissão, cabeçote, volante, bomba d’água e radiador, pode resultar em uma redução de 20 a 40 kg. Para carros de tração traseira, existem eixos-cardã de alumínio ou fibra de carbono, que podem cortar algo na casa dos 4 kg.
Atente-se ao fato de que a massa do volante é importante para que o carro não morra com facilidade em saídas de rampas, por exemplo. Preparação do conjunto mecânico é um projeto que precisa ser dimensionado como um todo – aqui estamos nos atendo somente à questão da massa dos componentes.
Rodas de performance: rodas de liga originais de fábrica precisam atender a especificações de impactos extremos, o que resulta em paredes superdimensionadas grossas e pesadas. Um jogo de rodas orientadas à pura performance, como as da OZ Racing, Enkei, Volk e Forgeline (dentre muitas outras marcas), podem pesar entre 30% e 50% menos que as OEM: na hora de somar tudo, não é difícil perder mais de 20 kg somente em rodas – com o detalhe de que estamos falando em inércia rotativa, que funciona como uma alavanca exponencial que dificulta o trabalho dos freios e da transmissão. Então estamos falando de um duplo benefício: redução de massa total e mais poder de aceleração, de frenagem e um conjunto rotativo com melhor capacidade para copiar irregularidades do piso.
A maior parte dos pneus das categorias extrema e ultra alta performance está disponível nos aros 17 e 18 e é este o fator que acabará determinando a sua escolha. No mundo ideal, com amplo cardápio de pisantes, você escolheria o menor diâmetro possível que vestisse o conjunto de pinças e discos de freio, evitando excessos de massa e de inércia rotativa. Mas o fato é que o menu de escolhas para pneus de aro 14 e 16 é pobre e quase todo composto da categoria verde ou de uso geral.
Em carros mais antigos, trocar o sistema de freios por um de performance, de marcas como Baer e Wilwood, traz redução de peso – não raramente na casa dos 20 kg – mesmo que o conjunto apresente um diâmetro maior, pois os cubos e os sistemas a tambor (na traseira) originais são realmente pesados. Embora discos de freio perfurados sejam mais leves (é para isso que aqueles furos existem), nós não recomendamos o seu uso em carros de rua: cada vértice formado por cada furo é um ponto de acúmulo de tensão em um componente que sofre cargas extremas. Em resumo, a vida útil de um disco perfurado é muito mais curta, pois sua fadiga se apresenta na forma de trincas. Not good.
Cortar luxos: aqui começamos a entrar na zona que altera o conforto do veículo, fazendo a ponte para o próximo post do assunto. Um sistema de ar condicionado é composto de um monte de mangueiras e tubos, compressor, polia e suporte, condensador, reservatório, caixa evaporadora e, claro, fios e cabos. Somando tudo, é bastante comum estarmos falando de uma soma na casa dos 20 kg em um veículo moderno. Outra modificação comum em carros mais apimentados é a troca do sistema de direção hidráulica pela sem assistência: sem a bomba, polia e seu suporte, fluido, correia menor e uma caixa mais compacta, não é raro a redução de peso ficar entre 5 e 7 kg. No caso do ar condicionado e da direção hidráulica, também estamos falando de um motor que funciona mais livre e mais potente, sem o peso energético do acionamento destes componentes.
Dispensar o sistema de som também não é coisa incomum – bem como o dilema, pois muitos entusiastas também são audiófilos e, embora a música mecânica seja essencial, uma trilha sonora certa no lugar certo pode sim elevar a experiência para outro nível. Aqui fica muito difícil de se estimar o alívio devido às infinitas possibilidades de quantidades e dimensões de falantes, presença de amplificadores, módulos, baterias, cabos, isolamentos acústicos, caixas acústicas e acabamentos customizados, mas, indo pelo básico, estamos falando de ao menos 20 kg a menos.
Quando o cara enfia o pé na jaca de uma vez, também costuma arrancar todo o carpete com isolamento termoacústico (para carros modernos, algo entre 3 e 5 kg), painéis de porta (geralmente na casa dos 3 kg cada na dianteira e a metade disso na traseira, sem contar possíveis alto-falantes), console central (quando possível) e forração e acabamentos do teto. Dependendo do carro, estamos falando de uma soma resultante de entre 15 e 20 kg. Substituir os bancos dianteiros por modelos de competição do tipo concha (com suporte, cada um fica na casa dos 15 kg) traz algo na casa dos 30 kg de redução em relação ao par de bancos dianteiros originais com ajustes manuais, diferença que pode subir pra mais de 40 kg se estivermos falando de bancos mais luxuosos, aquecíveis e com ajustes elétricos.
Isso vale até mesmo para superesportivos, que já trazem bancos bem leves. No fórum GT-R Life, um usuário substituiu o par de bancos originais (soma total 53,9 kg) por um bar de Bride Stradia reclináveis de fibra de carbono e kevlar (31,7 kg o par, contando suportes). São mais de 22 kg de alívio!
É importante lembrar que, embora estejamos falando de uma média aferida em vários carros e bastante plausível em perspectiva universal, estes pesos podem variar bastante em casos específicos. Ou seja, sim, dá pra perder quase 200 kg com os alívios que citamos neste post porque os números não foram chutados, mas os interprete como aproximações. A melhor forma para você saber o quanto de peso você realmente vai perder na dieta de cada componente é pesquisar por “weight savings” ou “weight reduction” acompanhado do nome do seu carro e o componente que você está pesquisando (exemplo: air conditioning, door panel, power steering, etc), pois muitos entusiastas já fizeram estas dietas automotivas e postaram os pesos dos componentes em fóruns de todo o mundo.
Falando em dietas…
Você também, cara: quanto menor, menos potente e torcudo o seu carro, maior a representatividade da sua massa corpórea na soma total – mais você vai interferir no desempenho do veículo. Uma boa dieta acompanhada de exercícios físicos praticados com regularidade não trazem só melhoria pela redução de cinco, 10 ou 20 kg: um cardiovascular muito bem afiado te faz um piloto melhor porque a fadiga física e mental é muito menor.
Todos os track days do Brasil exigem ao menos o uso de capacete e luva – num futuro não muito distante, espere pelo uso obrigatório da indumentária completa – e vidros fechados são essenciais para você não formar uma bolha de arrasto que vai te comer décimos preciosos, especialmente em pistas com retas longas. Ar-condicionado desligado te rende algo na casa dos 4 cv a mais. Quando você junta tudo, mais as forças G (e a consequente força física que seu corpo faz para ficar encaixado no lugar, especialmente com bancos comuns) e o stress mental, fica fácil de entender porque todo mundo fica encharcado e ruborizado ao sair de uma sessão de pista de apenas quinze minutos. Quanto mais saudável você está, independentemente do seu peso, melhor consegue raciocinar sobre o que está fazendo na pista, evitando a pilotagem automática por reflexos que acontece quando estamos começando a ficar exaustos.
Na próxima parte desta pequena série, falaremos sobre métodos um pouco mais radicais de alívio de peso!