É praticamente impossível não associar a relação dos italianos com seus carros clássicos com as palavras “paixão”, “alma” e estas coisas todas — difícil achar alguém que discorde que, na hora de juntar mecânica, visual e prazer ao volante, a Itália produz algumas das melhores combinações do planeta. Não é à toa que as macchine estão muito bem representadas nas maiores coleções de automóveis do mundo, famosas ou não.
Luciano Rupolo, por exemplo, não é um dos colecionadores mais famosos do planeta; você ouviu falar de Jay Leno, Ralf Lauren, Jim Glickenhaus e até dos carros de Juha Kankkunen, um dos “finlandeses voadores” do WRC, mas nunca desse cara. Por isso não se sinta desinformado por não conhecer Rupolo.
Agora, um detalhe: Rupolo é francês — nasceu em 1943, neto de italianos que foram os primeiros imigrantes da península na França. Aos cinco anos ele se mudou para a Itália com o avô, que não queria morrer longe de sua terra natal, e nunca mais saiu de lá. Na verdade, os homens de sua família sempre foram fanáticos por carros e assim, seu pai abriu uma oficina e restauradora quando a família voltou para a Itália.
Luciano cresceu ajudando o pai, tornando-se mecânico em tempo integral e piloto nas horas vagas — depois de comprar seu primeiro carro, um Giannini 750 Barchetta “Mardal”, que ganhou do pai ainda aos 17 anos, quando não tinha nem carteira de habilitação. Nada que o tenha impedido de dirigir o carro como um lunático pelas estradas sinuosas da Itália. “Eram outros tempos”, ele conta. “Qualquer um podia ser um delinquente juvenil naquela época e ninguém iria se importar”.
Seus anos de “jovem delinquente”, porém, lhe deram habilidade ao volante o suficiente para, na década de 70, competir em corridas importantes no circuito europeu de turismo – sete vezes no Giro d’Italia, 15 vezes na Mille Miglia e uma vez na Targa Florio. Que currículo!
Apesar dos anos de pista, a maior paixão de Rupolo é mesmo colecionar carros antigos — e dá para ver que ele é um cara com gosto bastante eclético, com uma garagem que tem espaço para um Chevrolet Corvette C2 ao lado de clássicos italianos como a Ferrari 240 GT/E, cupê 2+2 feito sobre a mesma base da 250 GTO; um Alfa Romeo 2600 e até seu primeiro carro, que ele descobriu anos mais tarde ter sido de Umberto Marzotto, membro de uma importante família da indústria italiana no início do século. No vídeo abaixo, um perfil feito pela webzine italiana Locals, Luciano conta algumas de suas histórias — e ele tem muitas.
É aqui que as coisas começam a ficar interessantes de verdade. Apesar dos 70 anos de idade, Luciano ainda gosta muito de acelerar e o faz com frequência. Logo no início do vídeo, o vemos se divertindo ao volante de um de seus carros favoritos: um Iso Grifo Competizione, também conhecido — erroneamente, como ele faz questão de apontar — como Bizzarrini 5300 Strada.
Luciano conta que comprou o carro em estado deplorável — praticamente só a carcaça e o motor, que nem era o V8 de 5,3 litros original — e conseguiu a consultoria do próprio Giotto Bizzarrini para restaurá-lo, em um processo que levou longos dez anos. “Giotto Bizzarrini tem uma personalidade inconstante, a cada dia queria mudar uma coisa. Este carro deu muito trabalho, mas tenho muito orgulho dele”.
Sobre o nome verdadeiro do carro, a história é a seguinte: Giotto Bizzarrini foi um dos engenheiros por trás da Ferrari 250 GTO, mas precisou deixar a companhia de Maranello em meados dos anos 60. Pouco depois, se associou à fabricante de motos Iso (que também criou o Isetta) e os ajudou a projetar o Iso Grifo. Os protótipos construídos por Bizzarrini na Iso formaram a base para o Iso Grifo — que, com carroceria desenhada por Giorgetto Giugiaro, do estúdio Bertone, foi produzido até 1974.
Contudo, Giotto Bizzarrini não se deu muito bem com a Iso e deixou a companhia em pouco tempo, levando consigo algumas carrocerias de protótipos do Iso Grifo. Ele fundou sua própria companhia, que levou seu sobrenome, e produziu o carro como 5300 Competizione até 1969. Existem cerca de 100 unidades, e o carro de Luciano não é uma delas, e sim um dos protótipos feitos para a Iso.
A outra história que Luciano conta é ainda mais impressionante: ele diz ser dono do mais antigo Porsche 356 do mundo — um dos cupês “Gmünd” fabricados na Áustria em 1948, de chassi nº 004. Ele encontrou o carro enferrujado em uma fazenda há cerca de duas décadas e, depois de insistir muito para que o dono o vendesse, acabou conseguindo levá-lo para casa. “O dono da fazenda disse que não poderia me dar o carro porque outra pessoa o havia abandonado ali”, conta Luciano. “Então, depois que insisti muito, ele me chamou e disse que inventaria uma história sobre um roubo e me daria o carro. Dei 250 mil Liras por ele.”
O carro ficou em um canto da oficina de Luciano por dez anos, até que Wolfgang Porsche — irmão mais novo de Alexander “Butzi” Porsche, criador do 911 — o fez uma visita e ofereceu-se para comprar o carro. Luciano disse “fique com seu dinheiro, e eu fico com seu carro”. Infelizmente o colecionador italiano precisou vender o carro para um colecionador anônimo na suíça que, segundo boatos, também é dono do 356 nº 003. A propósito, Luciano garante que o Porsche 356 nº 004 é, na verdade, mais antigo, pois foi registrado primeiro.
De qualquer forma, o vídeo é espetacular e, sem dúvida, Luciano Rupolo é um colecionador e tanto — que ainda é capaz de dar zerinhos como um garotão, como demonstra por volta do minuto 9:50 do vídeo. Ele pode não ser famoso mundialmente e nem ter a coleção mais completa que já vimos, mas uma coisa é indiscutível: eis um cara que curte carros para valer, e cuida deles como merecem.