No final de 2017 falamos sobre os planos de privatização de Interlagos, as modificações pretendidas pelo governo municipal e esclarecemos alguns pontos que a prefeitura acabou misturando, além de questionar detalhes que não foram esclarecidos pela prefeitura, como por exemplo, a receita e as despesas anuais específicas do autódromo.
Recapitulando o caso, a prefeitura pretende vender Interlagos, em vez de realizar uma concessão pública. Ambas são soluções para desonerar o Estado, porém a primeira não garante que o autódromo seja preservado, enquanto a segunda precisa manter a atividade-fim. Como exemplos de concessões públicas temos as rodovias “privatizadas”, que na verdade são concedidas por um período pré-estabelecido em contrato; e o serviço de fornecimento de eletricidade. A empresa concessionária precisa seguir uma série de diretrizes e manter a atividade-fim, sob o risco de perder a concessão. Já a “privatização” é o leilão de um patrimônio público que terá sua propriedade transferida para o setor privado. Uma vez vendido, o novo comprador pode fazer o que bem entender com o patrimônio. Isso significa que, se vendido, o terreno de Interlagos poderá ser modificado de acordo com os interesses de seus novos proprietários.
No mundo ideal, um autódromo privatizado seria uma espécie de parque motorizado, como Nürburgring, onde os visitantes pagam e têm direito a dar um número pré-determinado de voltas. Porém o investimento inicial exigiria um prazo de amortização tão longo a ponto de ser inviável. Daí, para atrair o interesse de potenciais compradores, a prefeitura decidiu reservar uma parte do terreno a obras imobiliárias, que aumentariam o potencial de retorno do investimento. Acontece que isso implica em modificar o autódromo como ele é hoje e também a demolição do kartódromo.
“Do jeito que está, não dá pra vender”
Isso porque as obras imobiliárias previstas para Interlagos pela prefeitura ocuparão 14% dos 960.000 m² do autódromo. Com isso, pela atual lei de zoneamento, será possível construir até 480.000 m² — cerca de 3,5 vezes a área do terreno — distribuídos em três áreas diferentes do terreno. A maior delas é justamente o kartódromo Ayrton Senna, onde a prefeitura planeja um bairro com 25 prédios e até 5.000 famílias. Além disso, as outras duas áreas deverão receber um centro comercial no espaço livre em meio ao traçado, e um complexo empresarial na área vizinha ao lago.
A gestão Dória ainda tenta tornar o projeto mais palatável com uma lei que exige a preservação do esporte motorizado no terreno, porém o texto é tão superficial que abre margem para interpretações que podem reduzir Interlagos a um kartódromo ou uma reta de arrancada.
Projeção: Estadão
Como se não bastasse, o vereador Milton Leite, presidente da câmara municipal e autor do projeto que prevê a intervenção urbana na região de Interlagos — o Arco Jurubatuba — criticou o projeto do prefeito nesta última semana em entrevista ao Estadão, dizendo que “do jeito que está, não vale a pena vender”.
À primeira vista parece uma declaração positiva, mas a intenção de Leite é aumentar ainda mais a área construída no autódromo. Para ele essa área proposta pela prefeitura, de 135.000 m² “é pouco para uma área de quase 1 milhão de m²”, e o autódromo tem potencial para “pelo menos 4.000.000 m²”.
“Nós temos de derrubar as bareiras que temos dentro do autódromo, rever arquibancada, rever tudo. É um projeto que, da forma como está, é insuficiente. Temos que buscar mecanismos legais, alterar as disposições que permitam ali, pelo menos, 4 milhões de m². Caso contrário, não é negócio vender. Vamos melhorar isso para melhorar a venda”, disse ao Estadão.
“Tenho que duplicar a marginal para atender a demanda a esse novo empreendimento que nascerá em Interlagos e não temos dinheiro. Temos de melhorar o acesso viário atrás do autódromo e não temos dinheiro. Temos que dispor de infraestrutura pública com mais escolas e hospitais e, com esse recurso que vem [com a proposta de Doria] não é possível. Da forma como está, nós aumentaremos a conta do contribuinte muito mais”, disse ao jornal.
Conta mal explicada
Segundo a prefeitura, o autódromo dá prejuízo para os cofres público, porém a prefeitura incluiu na conta as despesas geradas pelo Grande Prêmio de F1, que é um evento negociado entre a prefeitura e os organizadores do GP. A instalação das estruturas provisórias e reformas exigidas pela organização do GP custam R$ 50 milhões que são pagos pela prefeitura, porém sem o GP do Brasil, estes R$ 50 milhões seriam economizados, uma vez que, também segundo a prefeitura, o custo anual com pessoal e manutenção do autódromo é de R$ 5 milhões. A prefeitura não divulga a receita anual de Interlagos, somente da SP Turis como um todo.