Reclamar da Fórmula 1 atual virou o esporte favorito de muitos fãs das antigas e… bem, não dá para discordar completamente. Por mais que a gente entenda a preocupação com segurança e o esforço para reduzir a emissão de poluentes pelos motores; e até admire a tecnologia por trás de toda aquela aerodinâmica, não tem como não sentir saudade de como era antigamente — ou, no caso dos mais novos, lamentar o fato de ainda não ter nascido para ver, por exemplo, a F1 na virada da década de 1980.
E não estamos falando apenas dos pilotos lendários na pista — Gilles Villeneuve na Ferrari, Nelson Piquet na Brabham, Emerson Fittipaldi pilotando por sua própria equipe… todos em carros que, para a maioria dos fãs de automobilismo, tinham visual e ronco muito mais interessantes do que o que se vê e ouve hoje em dia.
No entanto, há outra coisa digna de nostalgia, mesmo por quem jamais viu acontecer: as corridas do BMW M1 Procar Championship, categoria monomarca que servia para aquecer a audiência (e o asfalto) antes das corridas de Fórmula 1 em 1979 e 1980. Coloque fones de ouvido, aumente o volume e aprecie vídeo de corrida como deve ser: sem música, sem edição, sem perfumaria — só o ronco dos seis-em-linha e pura ação na pista!
Estamos diante de uma das categorias monomarca mais incríveis de todos os tempos que, infelizmente, teve uma vida muito curta. Talvez você até já conheça esta história, mas vale revisitar: foi em 1978, quando a BMW estava desenvolvendo seu primeiro esportivo de motor central traseiro, o M1.
A ideia era criar um especial de homologação para competir em corridas de longa duração na Europa, como o World Sportscar Championship, e o carro teria sangue italiano: a carroceria foi projetada por Giorgetto Giugiaro, enquanto o acerto dinâmico ficaria a cargo de ninguém menos que a Lamborghini, que na época era referência com o emblemático Countach.
A inspiração de Giugiaro foi o conceito BMW Turbo, apresentado em 1972 para celebrar a Olimpíada de Verão daquele ano, em Munique. O design ficou a cargo de Paul Bracq, e a construção usava como base a plataforma do BMW 2002 adaptada para receber um motor central-traseiro — que, como o nome do conceito indica, era um quatro-cilindros turbo de dois litros e 280 cv. E era um conceito funcional, capaz de chegar aos 100 km/h em 6,6 segundos, com máxima de 250 km/h.
Ainda que não tivesse um visual tão futurista assim e nem portas asa-de-gaivota, o BMW M1 traz clara a influência do conceito nas proporções e em diversos elementos estéticos. E o conceito também inspirou outros dois BMW icônicos: o grand tourer Série 8 e o roadster Z1.
Mas a gente já está divagando, vamos nos ater ao M1. O esportivo tinha um seis-em-linha montado atrás dos bancos, em posição longitudinal — o M88, mesmo coração que estava no Série 6 E24 e no BMW M5 E28. Com 3,5 litros de deslocamento, comando duplo no cabeçote e corpos de borboleta individuais, o motor roncava bonito e desenvolvia 277 cv a 6.500 rpm e 33,6 mkgf de torque, e era acoplado a uma caixa manual de cinco marchas. Era o bastante para chegar aos 100 km/h em 5,4 segundos; aos 160 km/h em 13,4 segundos; e aos 210 km/h em apenas 26,3 segundos, com máxima de 260 km/h.
Ele tinha até um porta-malas atrás do motor!
Foram construídos, entre 1978 e 1981, 453 exemplares do M1. Para a homologação, eram necessários 400 exemplares pelo regulamento da FIA para o Grupo 4 de turismo. Ou seja, tudo certo, não?
Não, porque em 1978 a organização mudou as regras para o Grupo 4 e, de repente, o BMW M1 — que já estava pronto e em processo de ser transformado em carro de corrida — não era mais apto a competir. Modificar o projeto àquela altura seria perder tempo e dinheiro, e atrasaria muito a estreia do M1 nas pistas. Por sorte, um cara chamado Jochen Neersparsch apareceu para salvar o dia.
Jochen era o chefe da divisão Motorsport da BMW, e não queria que seu trabalho fosse todo jogado fora. Assim, ele teve uma ideia: por que não colocar todos estes carros para competir juntos, antes das corridas de Fórmula 1? Assim, além de garantir o entretenimento do público e a exposição do M1, a BMW poderia usar a experiência nas pistas para aperfeiçoar o carro de corrida. Todo mundo ganhava!
E os carros, meu amigo, eram monstros. Você não conhece a verdadeira capacidade de um seis-cilindros em linha até saber que, preparados para competir na Procar, os motores dos M1 alcançavam até 470 cv — isto antes da adoção dos turbos, que levavam a força do motor para perto dos 900 cv (!!!). De qualquer forma, sem turbocompressor, a potência era bastante para chegar aos 100 km/h em 4,3 segundos, com máxima de 311 km/h.
Os carros também tinham suspensão completamente modificada, novos aparatos aerodinâmicos na carroceria e peso aliviado — se o M1 pesava 1.300 kg, a versão de competição tinha 1.020 kg na balança. E, claro, o espetáculo era garantido. A gente vai colocar mais um vídeo aqui só para provar que não estamos exagerando.
O M1 aí em cima foi usado por Niki Lauda na Procar. Aliás, este era outro grande barato da categoria: os pilotos. Eles vinham das mais altas categorias do automobilismo, como a Fórmula 1 e o Campeonato Europeu de Endurance: Hans-Joachim Stuck, Clay Regazzoni, Jacques Laffite e até o nosso Nelson Piquet competiam na Procar.
Aliás, Nelson Piquet foi um dos grandes nomes da Procar — venceu duas corridas em 1979 (ano em que Lauda foi campeão) e três em 1980, ficando com o título. Olha só como foi sua vitória em Donington Park, antes do GP da Grã-Bretanha, em 1979:
Depois da temporada de 1980, a BMW decidiu se inscrever na Fórmula 1. A intenção era estrear em 1982, e a BMW Motorsport ficou encarregada do programa. Assim, por “conflitos de agenda”, não houve Procar em 1981. Por sorte, àquela altura os carros já se enquadravam no regulamento do Grupo 4 da FIA e, naquele ano Nelson Piquet e Hans-Joachim Stuck venceram os 1.000 Km de Nürburgring — parte do Mundial de Carros Esporte, o WSC — ao volante do M1. É o carro do vídeo abaixo, gravado no Nürburgring Nordschleife com Klaus Graf ao volante.