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Car Culture Sessão da manhã

Esse cara cuida sozinho de todos os Jaguar XJ220 que existem no mundo (ou quase isto)

Se há um supercarro injustiçado na história dos supercarros, ele o é o Jaguar XJ220. Seu visual é matador, seu motor é um V6 biturbo vindo de um carro de rali do Grupo B e ele até foi o carro mais rápido do planeta por algum tempo; mas ele foi um fracasso de vendas e só deu prejuízo à Jaguar.

Nada disso, porém, impediu que o XJ220 se tornasse uma lenda — a ponto de um homem dedicar sua vida a cuidar dos 275 carros que foram vendidos. Este homem é o britânico Don Law, que provavelmente conhece o XJ220 melhor que qualquer outra pessoa.

Law está envolvido com manutenção e preparação de carros de corrida clássicos desde 1986, quando abriu a Don Law Racing. Antes disso ele só pilotava, e foi por não encontrar ninguém que oferecesse um serviço à altura de suas expectativas que ele decidiu fazer as coisas do seu jeito. Não demorou para que sua fama lhe rendesse numerosos e fiéis clientes. O mais importante deles foi a própria Jaguar. Mas como?

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Conceito do XJ220

Por mais incrível que o XJ220 seja, ele sempre foi uma batata quente nas mãos da Jag. O supercarro começou a ser concebido no fim dos anos 1980 com o objetivo de resgatar a glória da Jaguar nas 24 Horas de Le Mans.

Nos anos 1950, a equipe de fábrica conseguiu faturar cinco vitórias com o C-Type e o D-Type e, apesar de ter conseguido mais duas vitórias na época — em 1988 com o XJR-9, e em 1990 com o XJR-12 — ainda não era o suficiente para que a Jaguar conseguisse melhorar sua imagem junto ao público.

E isto era essencial: poucos anos antes, em 1984, a Jaguar deixou o grupo British-Leyland, que não tinha uma reputação muito boa. Dizia-se que os carros eram fracos, ultrapassados e pouco confiáveis — e uma fama assim era a última coisa de que a Jaguar precisava como uma fabricante independente em situação financeira delicada,

A solução encontrada foi criar um supercarro que pudesse ser usado nas ruas e ainda servir como base para um carro de corrida vencedor nas provas de endurance. Para desenvolvê-lo, o chefe do departamento de engenharia da Jag na época, Jim Randle, juntou uma equipe de 12 engenheiros que se dispuseram a trabalhar no novo projeto nas horas vagas, incluindo fins de semana. Por isso, a equipe ficou conhecida como “Saturday Club”.

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As formas do carro foram desenhadas por Keith Helfet, e o conceito foi apresentado no Salão do Automóvel britânico em 1988. A ideia inicial era lançar um carro com motor V12 de sete litros derivado daquele usado nos protótipos Le Mans — e tração integral. Com suspensão independente por braços sobrepostos nos quatro cantos e barras estabilizadoras, mais um interior consideravelmente luxuoso e bem equipado, o XJ220 deveria ser absurdamente rápido na pista, mas confortável o bastante para usar no dia a dia.

A ideia era boa, o carro causou uma boa impressão e, logo depois de apresentado, o XJ220 conseguiu 1.500 interessados, que depositaram £ 50 mil para garantir seu exemplar quando a produção começasse. Acontece que quando isto finalmente aconteceu, em 1992, apenas 275 carros foram entregues.

Isto aconteceu porque, no meio do desenvolvimento do projeto, a Jaguar viu que um motor V12 aspirado consumiria combustível demais, e que desenvolver e fabricar um novo sistema de tração integral sem gastar demais seria inviável. Assim, o modelo final era equipado com um V6 de 3,5 litros cuja origem estava nos ralis: o Austin Metro 6R4, que competiu no Grupo B, usava uma versão de três litros naturalmente aspirada que rendia algo entre 250 e 410 cv, dependendo da calibragem.

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Motor do XJ220, devidamente modificado pela Don Law Racing. Foto: Crank and Piston

A Jaguar comprou os direitos sobre o motor e realizou algumas modificações. A mais importante delas foi a instalação de dois turbocompressores, que elevavam a potência para 550 cv. Com uma caixa manual de cinco marchas, o XJ220 conseguia chegar aos 100 km/h em 3,6 segundos com máxima de 342 km/h.

Foi o bastante para se tornar o carro mais rápido do mundo por alguns meses, mas não foi o bastante para conquistar àqueles que foram seduzidos pelo motor V12. Por isso tanta gente desistiu da compra, e o XJ220 acabou se tornando um fracasso comercial.

Como se não bastasse, logo em 1992 foi lançado o McLaren F1, que tornou-se o centro das atenções com seu V12 aspirado de 6,1 litros e 627 cv, sua velocidade máxima de 373 km/h e sua configuração de três lugares, e colocou uma pá de cal sobre qualquer esperança que a Jaguar de tinha de recuperar a reputação do XJ220.

Nos anos seguintes, a Jaguar perdeu o interesse no carro, não oferecendo nem mesmo serviços básicos de manutenção. E é aí que entra Don Law.

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Foto: Crank and Piston

Em 1996, a oficina de Don Law recebeu seu primeiro XJ220 para um conserto. Sendo entusiasta da marca britânica, ele já tinha certo conhecimento acerca do carro e a fama de seus serviços logo se espalhou entre outros proprietários do modelo. Por isso, ano seguinte, outros dois carros apareceram e seus donos queriam prepará-los para correr no circuito de provas históricas do Reino Unido.

Com o sucesso dos carros nas pistas, a Jaguar tomou conhecimento da oficina de Don e, ainda naquele ano, ofereceu-lhe uma proposta: a Don Law Racing se tornaria uma autorizada Jaguar, especializada na manutenção dos cerca de 275 XJ220 que foram vendidos nos anos 90.

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Era algo necessário: naquela época, a Jaguar simplesmente não tinha condições (e nem interesse) para cuidar de um carro que não havia sido um sucesso – pelo contrário, o XJ220 só deu prejuízo. Assim, era mais interessante terceirizar o trabalho – e, para facilitar as coisas, a companhia vendeu todo seu estoque de peças e ferramentas, bem como os projetos originais, blueprints e até o molde original de madeira usado na moldagem dos painéis da carroceria.

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Foto: Crank and Piston

Era tudo o que Don precisava para se tornar o maior especialista em XJ220 do planeta. Para melhorar as coisas, a Don Law Racing também começou a realizar serviços de manutenção nos protótipos Le Mans da Jaguar, e seu filho, Justin Law, corria com eles em eventos históricos como o Goodwood Festival of Speed.

Sua conquista mais recente foi o recorde na subida de montanha do evento: o Jaguar XJR8/9, com seu V12 de sete litros e 720 cv, percorreu o trecho em 45,95 segundos – mais rápido que Sébastien Loeb no Peugeot 208 T16 Pikes Peak.

Mas, voltando ao XJ220, foi questão de tempo até Don perceber que podia melhorar os carros, além de cuidar deles. Assim, ele desenvolveu uma série de procedimentos para trazer o desempenho do supercarro a padrões atuais, com base em suas experiências e no feedback dos clientes.

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Os carros recebem novos freios – os originais, desenvolvidos nos anos 1980, já eram subdimensionados para o carro na época –, modificações nos sistemas de escape, novos turbocompressores e uma reprogramação no módulo de controle do motor, além de acertos exclusivos no sistema de suspensão.

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O interior do XJ220, que já era dos mais luxuosos entre os supercarros na época, ganha um sistema de navegação; e o carro ainda é equipado com sensores de estacionamento, faróis mais potentes e até um porta-malas 260% maior. E, para se ter uma ideia do nível de exclusividade da oficina de Don Law, até mesmo os protótipos de pré-produção já passaram por ele. Dá para dizer que, se um XJ220 está rodando hoje, é por causa deste cara.

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Nas mãos de Don Law e de seu filho, a potência do motor do XJ220 dá um salto para 680 cv – o suficiente para chegar aos 100 km/h em 3,2 segundos e máxima de… 373 km/h, como o McLaren F1.

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Como já dissemos lá no começo, o Jaguar XJ220 é, sem dúvida, um dos supercarros mais injustiçados do planeta. Felizmente existe a Don Law Racing, que faz um belo trabalho preservando a memória deste ícone – e o tornando ainda mais merecedor de reconhecimento.