Quando pensamos no Ford GT40 e em sua invejável história nas pistas, especialmente nas 24 Horas de Le Mans, é a imagem de um carro de corrida que vem à mente. No entanto, na década de 1960, a Ford criou uma versão exclusiva para as ruas, com alguns detalhes diferentes que dão outra cara para o carro e o transformam em um dos superesportivos mais fantásticos que já existiram: o GT40 MkIII. E nós vamos dizer por quê, com a ajuda destas fotos.
Trata-se do primeiro protótipo do Ford GT40 MkIII, o chassi XP130/1. Sua história é a seguinte: enquanto o GT40 de corrida brigava por vitórias no Campeonato Mundial de Endurance, a Ford decidiu transformá-lo em um carro de rua, a fim de tentar recuperar ao menos parte do investimento no carro de corrida.
GT40 MkI de rua. E nem é o carro mais impressionante deste post!
Mas este carro não era o MkIII. Era uma versão de rua do Ford GT40 MkI, que ainda tinha motor V8 small block de 289 pol³, fabricada pela Ford Advanced Vehicles, divisão britânica da marca criada especialmente para produzir o GT40. Ele tinha volante do lado direito (e câmbio à direita, também), interior um pouco menos depenado e pintura sem patrocinadores. No mais, ainda era um carro de competição, com extintor de incêndio, bancos desconfortáveis e manômetros que só eram necessários em condições de uso extremas… como uma corrida de 24 Horas.
O interior do GT40 “de rua”
Segundo a maioria das fontes, cerca de 84 carros foram feitos nesta configuração – todos com volante do lado direito, até mesmo os exemplares destinados aos EUA.
Depois de terminar o desenvolvimento do GT40 MkII (com motor de big block de sete litros), a Ford Advanced Vehicles foi vendida a John Wyer, designer e engenheiro que trabalhou no projeto inicial e foi um dos maiores responsáveis por transformar o GT40 em um campeão das pistas. O motivo: a Ford pretendia diminuir o envolvimento dos britânicos no carro de corrida, tornando o GT40 um carro mais americano.
John Wyer não se abalou. Pelo contrário: ele aproveitou a oportunidade para transformar o GT40 em um carro de rua e fazer do seu jeito.
Para começar, ele deu ao carro uma nova carroceria, projetada para facilitar a homologação do esportivo para as ruas e torná-lo mais prático (até onde um esportivo derivado de um carro de corrida pode sê-lo). A dianteira tinha faróis que ficavam mais longe do chão e eram circulares, cobertas por uma lente de acrílico transparente. Havia faróis auxiliares onde o carro de corrida tinha entradas de ar, e pequenos para-choques cromados que, em inglês, se chamam bumperettes.
A traseira era mais longa, mas não por questões de aerodinâmica, e sim para permitir que o GT40 MkIII acomodasse alguma bagagem. O “porta-malas” era, na verdade, uma caixa de metal que ficava atrás do motor, sob a tampa traseira, e seu tamanho deveria ser suficiente para levar uma valise não muito grande e um casaco.
As tiras de couro que suspendem a tampa traseira enquanto aberta são um toque muito elegante, e um elo direto com o automobilismo das décadas de 1950 e 1960 – elas aparecem muito servindo como travas de capô nos carros de corrida da época. Aliás, os detalhes cromados e as rodas raiadas do tipo knock off (você usava um martelo de chumbo forrado com couro para remover as porcas, como explicamos neste post) dão ao GT40 um visual bem mais classudo, que não deve em absolutamente nada ao Lamborghini Miura, por exemplo, em termos de design. E o Miura é considerado por muita gente o carro mais bonito de todos os tempos.
É claro que, ao abrir a tampa do motor, você também se deparava com… o motor. Para o MkIII, Wyer optou por um V8 small block de 289 pol³ (4,7 litros). Algumas fontes dizem que era uma versão amansada do motor do GT40 MkI, capaz de entregar cerca de 340 cv. Outras dizem que se trata exatamente do mesmo V8 encontrado no Mustang Shelby GT350, capaz de entregar 310 cv. Em todo caso, o GT40 MkIII era capaz de chegar aos 100 km/h em cerca de 5,5 segundos, e tinha velocidade máxima de 265 km/h.
Repare que o coletor de escape também é mais simples, com dutos cromados brotando das laterais do motor (em parte, por causa do “porta-malas” dividindo espaço com o V8). Não é como o bundle of snakes pintado de branco usado no MkI, mas é belíssimo.
Repare que a coluna “C” é vazada, levando ar fresco para os carburadores. O mesmo pode ser visto no novo GT de forma muito mais extrema, e por uma razão diferente (como explicamos aqui)
Abra a porta e dê uma boa olhada no interior do carro. Note como ficou muito mais “habitável”, com acabamento bem mais caprichado de couro e um painel de instrumentos mais refinado e melhor acabado. E repare como a alavanca de câmbio agora fica no túnel central, e que o volante está do lado esquerdo. Além do protótipo, foram fabricados sete exemplares do GT40 MkIII em 1967 e 1968, sendo que quatro deles têm volante à esquerda.
Claro, o carro não foi projetado do zero para ser usado nas ruas, ou mesmo para ter duas pessoas a bordo. Por isso, os dois bancos (que parecem bem mais confortáveis) ficam muito próximos. O mesmo ocorre, aliás, no novo Ford GT: por questões aerodinâmicas, a cabine tem formato de gota e o espaço interno é bem reduzido.
Para melhorar o conforto, o MkIII também teve a geometria da suspensão revista, ganhando amortecedores com maior curso e menos carga e, por consequência, ficando um pouco mais macia. Os pneus, no caso deste carro, são um jogo de Goodyear Blue Streak. É bem provável que não sejam de época, e sim reproduções feitas sob licença.
O pneu Blue Streak no compartimento dianteiro, que também abriga o radiador (atrás da placa) – olhe por baixo do capô e repare nos dutos de escoamento
Nos EUA, quem fabrica estes pneus é a Kelsey Tire, que usou um pneu NOS (new-old-stock, termo usado para componentes de época que foram preservados sem uso até hoje) como referência para reproduzir com perfeição o aspecto geral, as medidas e as riscas do original. São pneus diagonais não-aprovados pelo Departamento de Transporte dos EUA, mas podem ser comercializados e instalados em réplicas e clássicos nos EUA. O fabricante frisa que são pneus impróprios para uso em rodovias, por não atenderem aos padrões modernos de segurança, porém estão entre os mais indicados para quem quer preservar o visual period correct em um carro como este.
Foi esta a preocupação da britânica JD Classics, oficina e concessionária britânica especializada em carros antigos de alto nível. O MkIII foi restaurado por eles há alguns anos, buscando o maior nível de originalidade possível, e até desfilou no Concours d’Elegance Pebble Beach do ano passado.
Ele não está à venda e provavelmente jamais estará, mas ao menos temos estas fotos para admirar. Todas elas têm pelo menos 2.000 pixels de largura, e deverão dar ótimos wallpapers. Já é alguma coisa, não?