O BMW M1 é um carro curioso. Ele foi por quase 40 anos o único BMW de motor central-traseiro produzido em série, usando um seis-em-linha de 3,5 litros com corpos de borboleta individuais e 278 cv montado na longitudinal. Criado para homologação no Grupo 5 da FIA, seu desenvolvimento demorou tanto que, quando ficou pronto, a categoria já tinha outro regulamento, e ele acabou disputando discretamente o Grupo 4.
Por isto, a BMW decidiu criar uma competição monomarca especificamente para ele – o M1 Procar Championship, que só foi disputado por dois anos, em 1979 e 1980. Assim, ele também nunca teve um rival de verdade nas pistas, e muito menos nas ruas — tanto por seu layout distinto, quanto por sua produção limitada de 453 unidades.
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Apesar de tudo isto, o M1 se tornou um carro emblemático. Seu exotismo, a bela carroceria projetada por Giorgetto Giugiaro, e o desempenho do motor seis-cilindros – que, turbinado, podia chegar aos 800 cv nos Procar – garantiram que ele se tornasse um ícone da Baviera, e virasse um dos modelos mais admirados e desejados pelos fãs da BMW.
Mas há outros elementos notáveis na história do BMW M1. Como este carro, que pertenceu ao piloto sueco Harald Ertl e foi modificado para quebrar um recorde de velocidade que já não pode mais ser verificado. Agora, depois de mais de duas décadas desaparecido, o carro foi leiloado pela agência britânica Coys, exatamente como foi encontrado. Com isto, sua história acabou sendo desenterrada. E é das boas.
O nome de Harald Ertl pode não ser lembrado imediatamente por seu cérebro, mas ele foi um herói. Em 1976, seu segundo ano na Fórmula 1, Ertl foi um dos pilotos que pararam no meio da corrida para ajudar Niki Lauda retirar Niki Lauda de sua Ferrari em chamas, no Grande Prêmio da Alemanha, em Nürburgring. Ertl pilotava pela Hesketh, a equipe britânica de playboys que revelou ao mundo James Hunt, o playboy-mor da F1.
Ertl começou sua carreira na década de 1960 como jornalista automotivo. Foi em 1969, com a compra de um Fórmua Vee, monoposto com motor VW arrefecido a ar, que Ertl fez sua estreia como piloto, migrando nos anos seguintes para a Fórmula 3, a Fórmula 2 e as corridas de turismo, chegando à Fórmula 1 em 1975. Ele alternou entre as diferentes categorias ao longo de toda a década de 70. Nas provas de turismo, Ertl competiu primeiro com um Alfa Romeo GTAm, e depois com um BMW 3.0 CSL preparado pela Alpina – seu primeiro contato com a fabricante bávara. Seu melhor resultado foi um título no DRM (Deutsche Rennsport Meisterschaft) em 1978, com um BMW Série 3 do Grupo 5. Fora salvar a vida de Niki Lauda, Ertl não obteve muito sucesso na Fórmula 1, e jamais pontuou.
Na virada da década de 80, já um tanto desiludido com as corridas, Ertl decidiu perseguir outro tipo de competição: os recordes de velocidade. Para isto, ele comprou um BMW M1 1979 praticamente zero-quilômetro de seu primeiro dono, em 1981, e partiu em busca de patrocinadores para ajudá-lo a modificar o carro. Um dos primeiros foi a British Petroleum, mais conhecida como BP, que na época estava procurando formas de divulgar seu novo produto, o Autogas – nome comercial para o GLP (gás liquefeito de petróleo) destinado ao uso automobilístico. É o mesmo gás que usamos em fogões, aquecedores e outros equipamentos térmicos.
A BP acabou financiando boa parte do projeto de Ertl, que levou o BMW M1 para uma oficina alemã chamada Gustav Hoecker Sportwagen-Service GmbH. Lá, o carro recebeu dois turbocompressores KKK K26 e outras modificações – o bastante para levar a potência do motor a cerca de 410 cv.
A carroceria também foi modificada, com uma porção traseira totalmente nova, mais longa, além de três enormes dutos NACA – dois nas laterais, para aumentar o fluxo de ar no cofre do motor, e outro no lugar do vigia tarseiro. A ideia era aumentar a eficiência aerodinâmica do carro, para o que também contribuíam o bico feito sob medida, mais longo e baixo, e o spoiler traseiro integrado à tampa do motor.
Dizem que foram feitos outros dois carros com modificações semelhantes na carroceria — um deles foi destruído há mais de três décadas, e o paradeiro do outro é desconhecido. Isto posto, apenas o BMW M1 que aparece nestas fotos recebeu os dois turbos. Os outros dois teriam sido feitos para fins de promoção.
A missão era simples: levar o carro até o circuito alemão de Ehra-Lessien, com sua reta de nove quilômetros, e passar dos 300 km/h com ele – um recorde absoluto para carros movidos a GLP.
A boa notícia é que Ertl conseguiu: no dia 17 de outubro de 1981 ele chegou aos 301,4 km/h com seu BMW M1. A má notícia: não há registros oficiais deste recorde, apenas relatos e algumas poucas fotos feitas na ocasião. A pior parte, porém, vem agora: Ertl morreu no ano seguinte, em 7 de abril de 1982, em um acidente de avião, a caminho da casa de férias de sua família. Ele tinha 33 anos de idade.
Depois disto, entre 1984 e 1993, o M1 de Ertl trocou de dono várias vezes e esteve na Alemanha, na Holanda, no Japão e no Reino Unido. Foi o britânico descendente de indianos Pummy Bhatia, dono de uma clínica médica e de uma farmácia em Londres quem comprou o carro em 1993, depois de namorá-lo por meses a caminho do trabalho – ele passava em frente à concessionária onde estava o M1 quase todos os dias.
Morando com a mulher e o filho Pritham em um apartamento, ele não tinha onde guardar mais um carro. O BMW ficou estacionado na rua. Em compensação, Pummy mantinha o carro em boas condições e saía com ele para dar uma volta sempre que possível.
Infelizmente ele mal teve tempo de curtir o carro, pois morreu em 1995. Seu filho, Pritham – que tinha três anos de idade na época – e sua esposa, Shaheen, foram os responsáveis pelo carro até agora. Pritham, que hoje é músico, até gostaria de restaurar o carro e vê-lo rodar, mas tal projeto está além de suas possibilidades financeiras no momento. Por isso, o M1 de Harald Ertl acabou nas mãos da Coys, que o leiloou na edição 2019 do Techno Classica, em Essen, na Alemanha, durante o último fim de semana.
O M1 foi arrematado por € 160.000, o que dá quase R$ 700.000 em conversão direta. Ele foi leiloado como estava – sujo, com marcas do tempo e com o motor parcialmente desmontado. Esperamos que seu novo dono tenha disposição para encarar uma restauração completa, porque este carro merece.