Quando se pensa a respeito e se deixa de lado o “clubismo”, o fato de o novo Toyota Supra (que já está no forno há anos e não fica pronto logo) ter sido desenvolvido em parceria com a BMW faz sentido. A companhia bávara é uma das únicas fabricantes de automóveis que ainda investem em motores de seis cilindros em linha biturbo para seus carros de alto desempenho. E, quando se propôs a fazer um novo Supra, a Toyota sabia que tinha a obrigação moral de dar a ele um motor de seis cilindros em linha biturbo. Os fãs mais radicais das duas marcas provavelmente nunca vão enxergar desta forma, mas do ponto de vista técnico e financeiro era a solução óbvia.
É só ligar os pontos: a Toyota já fez uma parceria “polêmica” ao chamar a Subaru para que as duas marcas desenvolvessem juntas o GT86/BRZ, que tem um boxer de dois litros debaixo do capô. Em tempos de globalização e alianças improváveis, ver japoneses e alemães trabalhando juntos para reduzir custos e compartilhar tecnologias não causa tanta estranheza, embora ainda revolte muita gente – em especial os fãs do Supra, que não poupam “carinhos” à Toyota nas redes sociais, criticando a aliança com a BMW.
Feliz é quem não se importa com isto a ponto de perder a paciência. Como um entusiasta norte-americano chamado Andre, de Nova Jersey, que é membro do fórum ZPost, dedicado aos modelos Z da BMW. Desapegado da ideia de que engines swaps não podem misturar marcas, ele decidiu seguir uma abordagem reversa: em vez de um Supra com motor BMW, ele fez um BMW com motor de Supra: um Z4 cupê com o lendário seis-em linha 2JZ da Toyota. Se ficou animal? Dá só uma olhada.
Andre conta no vídeo que é entusiasta desde criança, e que ficava admirando os carrinhos de brinquedo de sua coleção imaginando como alguém poderia ter projetado algo tão bacana. Até aí tudo bem – a maioria de nós se identifica com esta história. Mas nem todo mundo vai atrás de uma carreira no mundo automotivo e consegue chegar lá, como Andre fez: ele se tornou mecânico há quase 20 anos, e hoje tem sua própria oficinal. E desde o início ele se encantou pelos motores japoneses. Em especial o 2JZ, o seis-cilindros com comando duplo no cabeçote usado no Supra de quarta geração – o mais adorado de todos.
É algo que falamos sempre, mas não custa repetir: a adoração pelo 2JZ, seja na versão naturalmente aspirada (GE) ou biturbo (GTE) tem a ver com sua robustez. Com raízes nos carros de competição do JTCC, o campeonato de turismo japonês, o motor do Supra foi feito com a preparação em mente. Seus componentes são superdimensionados, de modo que não é preciso abrir o motor e colocar componentes forjados: no caso do 2JZ-GTE, um aumento na pressão dos turbos (ou mesmo a troca deles) e uma reprogramação eletrônica bastam para aumentar dobrar a potência do seis-em-linha – que tem bloco de ferro fundido, cabeçote de alumínio e comando duplo variável e originalmente entrega algo entre 280 e 300 cv – com relativa segurança. Com outros motores japoneses famosos, como o RB26DETT do Nissan Skyline GT-R, por exemplo, a situação é parecida.
Pois bem: conhecendo o motor 2JZ de cabo a rabo, Andre não precisou pensar muito para decidir-se por um deles em seu mais recente project car, um BMW Z4 da primeira fase (produzida entre 2002 e 2006). É a ideia do novo Supra, só que ao contrário – a nova geração do esportivo japonês compartilhará motor e plataforma com o novo BMW Z4, conforme já sabemos muito bem.
O projeto começou em setembro de 2016 e ficou pronto há pouco tempo. De acordo com Andre, a adaptação foi mais simples do que ele imaginava: o motor coube “como uma luva” no cofre generoso do Z4, exigindo poucas adaptações estruturais e proporcionando um visual bem original ao cofre – como se um dia a BMW tivesse decidido colocar ela mesma o 2JZ-GTE no cofre do Z4. A principal alteração na estrutura do cofre foi recuar a travessa (crossmember) em cerca de 8 centímetros para acomodar o cárter do motor Toyota. No mais as dimensões do 2JZ eram bastante semelhantes às do motor original, e o seis-em-linha do Supra não teve problemas para se acomodar em sua nova casa.
O carro está com o câmbio original, o GS6-37BZ da ZF, manual de seis marchas, que precisou apenas de uma flange feita sob medida para encaixar perfeitamente no motor 2JZ. Andre diz que, como de costume, a parte mais complicada foi fazer o motor “conversar” direito com a transmissão, os sensores e os sistemas eletrônicos do carro. Foi preciso uma ECU aftermarket da AEM com programação específica, e um novo chicote foi feito do zero. O resultado, porém, compensou: nenhuma luz de erro se acende no painel – o BMW Z4 parece ter vindo de fábrica com o 2JZ no cofre.
Visualmente o carro é bastante conservador: as únicas alterações estéticas são as rodas de 18 polegadas Apex SM-10 e a asa traseira, originalmente projetada para o Subaru BRZ. A suspensão recebeu amortecedores ajustáveis do tipo coilover da BC Racing. Os freios usam os discos do BMW Z4M (a versão mais apimentada do Z4, que vinha com o motor S54 de 3,8 litros e 343 cv do M3 E46) nas quatro rodas, com pinças de 335i na dianteira e de 135i na traseira.
Já o motor ganhou um novo radiador Mishimoto, feito para o BMW E46, e embreagem Clutchmasters FX400. O setup biturbo original deu lugar a uma única turbina BorgWarner, pulsativa, de 60 mm. Segundo Andre, a potência atual fica em 572 cv, com torque de 68,2 mkgf de torque. Nas rodas. Sim, o carro é um canhão.
Andre colocou os emblemas da TRD, a preparadora oficial da Toyota, nos para-lamas dianteiros. Ele conta que, nos eventos dos quais participa – track days e encontros na região de Nova Jersey – a primeira reação das pessoas é uma cara de ponto de interrogação, e algumas até tiram sarro. Depois, com o capô aberto e o inconfundível 2JZ-GTE à mostra, tudo faz sentido. Em vez de revolta, na maioria das vezes o projeto de Andre causa admiração.
Mais importante do que isto: ele curte o carro, e o fez muito bem feito. “Clubismo” à parte, isto é o que conta.