Para alguns entusiastas, mais do que a potência, mais do que a música mecânica e todas as coisas que envolvem graxa, o verdadeiro fascínio de um motor é a engenharia por trás dele — o modo como aquelas dezenas ou centenas de componentes trabalham em harmonia, transformando milhares de explosões por minuto em movimento com precisão invisível aos olhos.
Para estas pessoas, a gasolina, o óleo, a música mecânica e até o próprio carro podem ser tirados da equação — o motor em si, o objeto físico do motor, continua sendo absolutamente interessante. Abri-lo, examinar cada peça, cada componente, mesmo que o motor como um todo não funcione há anos ou seja só uma peça de exposição, é um prazer absoluto.
O mecânico de barcos aposentado José Manuel Hermo Barreiro, conhecido como “Patelo”, é uma destas pessoas. Para ele, o maior prazer do mundo sempre foi trabalhar com máquinas — foi o que ele passou a vida toda fazendo, quando cuidava dos motores dos barcos no fim da década de 50. Ele conta que, na Galícia, onde morava, ninguém queria o trabalho de mecânico naval — era preciso passar semanas, meses junto de uma tripulação em um barco velho da marinha, sem descanso e sem conforto. Mas ele adorava.
Sendo assim, anos depois de se aposentar, ele decidiu continuar manuseando ferramentas e trabalhando com motores — mas agora, são motores projetados do zero por ele mesmo. E, vendo o nível destas pequenas obras de arte, dá para imaginar o quanto ele aprendeu durante todos aqueles anos como mecânico naval.
Motores em escala não são exatamente novidade — não é preciso procurar muito para encontrar alguns vídeos bem legais no YouTube, alguns com motores a gasolina — como esta pequena réplica 100% funcional (e barulhenta!) de um Chevy V8 small block:
Que usa uma furadeira como motor de partida!
Mas, como dissemos, quem gosta mesmo de mecânica não precisa de combustão para se interessar por um motor. Os pequenos motores feitos por Patelo são movidos a ar comprimido, mas isto não os torna nem um pouco menos impressionantes — ainda mais se levarmos em consideração o fato de nenhum deles ser uma réplica em menor escala de um motor “de verdade”: todos foram 100% projetados por Patelo.
Sua obra mais famosa é este pequeno motor V12 com comandos nos cabeçotes. Provavelmente este é o menor motor V12 do mundo — e o mais suave, também: por volta dos 2:55 do vídeo abaixo, Patelo coloca uma moeda, em pé, sobre o motor funcionando. Simplesmente não há vibrações, e a moeda continua perfeitamente parada, em pé, sobre o diminuto V12 que produz agradáveis sons de metal batendo contra metal.
Agora, há muito mais no vídeo do que o pequeno V12: nele, Patelo conta que jamais deixou de brincar com máquinas por lamentar o fato de os mecânicos de hoje em dia não se preocuparem mais e fabricar peças e entender por que elas apresentavam defeitos. “Hoje os mecânicos não são mais mecânicos, eles são apenas montadores. Eles encaixam peças. Se uma quebra, ele não tenta descobrir por que ela quebrou — basta trocar por uma nova”, diz.
Quando se vê o passo-a-passo de um dos motores de Patelo sendo feito, dá para entender por que ele lamenta tanto — para ele, mecânica é muito mais do que engenharia: é uma arte que está desaparecendo.
Acontece que arte e engenharia acabam andando juntas nas mãos do mecânico aposentado. Trabalhar componente a componente, começando pelos pequenos comandos de válvulas; pelas próprias válvulas; depois os cilindros, com pistões e bielas; virabrequim e, por fim, encaixar tudo no bloco — esta é a parte artística.
Contudo, antes de pensar em usinar uma única peça por dezenas de horas (um motor completo leva milhares de horas para ficar pronto), ele precisa desenhar os blueprints com precisão milimétrica.
Ver as folhas com os projetos dos motores é como olhar para a mesa de um engenheiro mecânico de uma fabricante alemã, tamanha a firmeza no traço e a complexidade dos desenhos.
Seu mais recente projeto é este pequeno motor W32, que levou exatamente 2.520 horas para ficar pronto, sendo construído com 850 peças — todas usinadas à mão — e 620 pequenos parafusos. Como todos os seus projetos, o motor de 32 cilindros funciona com ar comprimido e é absurdamente suave, equilibrando três moedas em pé sobre o cabeçote. “Os engenheiros que já viram meu trabalho dizem que é impossível”, conta Patelo, divertido.
Dá para acreditar que, apesar de tudo, Patelo se descreve como um homem “muito impaciente”? “Quando faço a primeira peça, já quero ver tudo funcionando logo”, ele diz. “Então não é paciência, é paixão. Paixão pela mecânica”.