A gente aqui vive reclamando daqueles caras que têm uma coleção de preciosidades e as deixam paradas, seja numa garagem cheia de entulho ou em um galpão iluminado e climatizado. Afinal, carros foram feitos para rodar! Bem, não podemos dizer uma palavra contra o suíço Daniel Müller: ele é o feliz proprietário de um belíssimo e raríssimo Mercedes-Benz 300SL “Gullwing” — e não tem medo de usá-lo. E não estamos falando de passeios em velocidades médias por estradas alpinas na Suíça. O negócio é hardcore old school.
Não sabemos muito a respeito deste cara, mas sabemos o que importa: ele pilota muito e certamente tem um saldo gigantesco na conta bancária — afinal, é preciso coragem para pegar um carro que custa em média US$ 1,5 milhão (quase R$ 4 milhões!) e levá-lo ao limite nas estreitas ruas de Arosa, na Suíça, durante a edição 2012 do rali Arosa Classic Car. Estamos falando de pé embaixo, giro alto e ronco no talo — mas também de algumas recuperadas absurdamente tensas e precisas, como o drift em quatro rodas aos 2:20 do vídeo. Aumente o volume, dê o play e comece o ano inspirado:
A história é a seguinte: em 1952, depois da Segunda Guerra a Mercedes-Benz decidiu voltar a competir nas pistas. Para isto, foi criado o Mercedes-Benz 300SL original (W194) — que, na verdade, era mais uma forma de manter o nome da Mercedes-Benz ligado ao automobilismo até que o monoposto de Fórmula 1 ficasse pronto, o que aconteceria em 1954.
Acontece que o 300SL, com seu seis-em-linha carburado de três litros e até 180 cv, e baixo peso graças à estrutura tubular, acabou se tornando um carro de competição extremamente bem-sucedido que, entre outros triunfos, conseguiu uma dobradinha nas 24 Horas de Le Mans logo em seu ano de estreia.
A ideia de transformá-lo em um carro de rua veio de Max Hoffman, dono de uma importadora de carros europeus nos EUA. Hoffman era tido como um visionário e um dos maiores especialistas no mercado automotivo americano na época e as fabricantes europeias sabiam que não era má ideia ouvi-lo. A BMW o fez quando lançou o roadster 507, e a Mercedes também quando Hoffman disse que a economia americana estava em plena ascensão depois da Guerra e que um cupê esportivo baseado no 300SL vencedor de LeMans seria uma boa forma de reafirmar a identidade da Mercedes deste lado do Atlântico.
Assim nascia, em 1954, o 300SL de rua (W198) que, em todos os aspectos, era uma evolução do W194 e trazia linhas tão bonitas que é fácil esquecer que seu motor era um dos mais avançados do mundo — o seis-em-linha de três litros agora tinha injeção direta de combustível (primeira aplicação em um carro produzido em série na história) e entregava 215 cv.
Era o bastante para chegar aos 260 km/h — algo para lá de impressionante há mais de 60 anos. Isto sem falar nas emblemáticas portas asa-de-gaivota, herança do modelo de pista, que lhe renderam o apelido Gullwing que, em inglês, significa exatamente “asa de gaivota”.
Em ambos os carros, a estrutura tubular passava por onde ficaria a parte inferior das portas convencionais, e a solução encontrada foi fazer portas que abriam para cima com soleiras bastante elevadas. Apesar de causar um belo transtorno para entrar e sair do carro, elas eram sua característica mais marcante, e sua ausência foi sentida quando, em 1957, o 300SL cupê deu lugar à versão roadster, que foi fabricada até 1963.
Só existem 1.400 300SL “Gullwing” no mundo, e o carro vermelho de Daniel Müller é um deles — e um dos que melhor aproveitam a vida do alto de suas seis décadas de idade. O passeio eletrizante pelas ruas de Arosa não foi um evento isolado: Müller sempre participa de ralis de clássicos com seu Mercedes, como podemos ver no vídeo acima, gravado durante um estágio noturno do Rallye Histórico de Portugal, também em 2012.
Na verdade, o fato de Daniel Müller pilotar seu 300SL como se fazia antigamente é tão surpreendente que até a própria Mercedes-Benz já fez um ensaio fotográfico com o carro pelas estradas da Suíça. São as fotos que ilustram este post.
A propósito: recentemente Daniel Müller tem levado seu Fiat Abarth 1000 TC para os eventos. E se você pensa que ele pega leve com o clássico italiano, obviamente você está enganado:
Eis, amigos, um cara que sabe viver — uma bela inspiração para o ano que está começando, não acham?
[ Fotos: Mercedes-Benz ]