No fim da década de 1960, um homem chamado Andy Granatelli quase mudou a história do automobilismo. Como? Com um monoposto que seria como qualquer outro bólido da Fórmula Indy da época se não fosse por um detalhe crucial,: em vez de um motor a combustão, ele tinha uma turbina a jato.
Dez anos depois, seu filho Vince deu continuidade a esta história da maneira mais estupidamente incrível que alguém poderia pensar: colocando um dos propulsores a jato usados por seu pai em um Chevrolet Corvette novinho em folha. Nascia ali o “Jetvette”, que por alguma razão não atingiu o preço reserva no leilão da Barrett-Jackson no último dia 17 de janeiro. Talvez os ricaços que foram a Scottsdale, no Arizona, não tivessem coragem de levar para casa um monstro de 892 cv capaz de acelerar aos 100 km/h em 2,5 segundos…
Quando se fala em monopostos a jato, o nome que mais aparece é o de Colin Chapman, que colocou Emerson Fittipaldi, Reine Wisell e Dave Walker para pilotar o carro equipado com uma turbina a gás Pratt & Whitney ST6 — normalmente usada para mover trens e como gerador estacionário —, na temporada de Fórmula 1 de 1971 (e você pode ler a história toda aqui).
Mas o verdadeiro responsável pelo carro a turbina se chamava Ken Wallis, um projetista que decidiu que era uma boa ideia colocar um motor a jato em um monoposto. No fim das contas era mesmo somente ele que achava isso — especialmente depois de oferecer a ideia a Dan Gurney e Carroll Shelby e ser recusado. Shelby teria dito até que a ideia era uma bela porcaria — ou “hogwash”, que é uma maneira mais educada de dizer “bullshit”). Wallis estava quase desistindo da ideia quando Andy Granatelli, dono da fabricante de lubrificantes STP, achou que um carro com uma turbina era uma ótima maneira de promover sua marca. Como? O colocando para correr na Fórmula Indy por sua equipe.
Assim, em 1966, Granatelli e Wallis começaram a trabalhar no desenvolvimento do STP-Paxton Turbocar. O monoposto usava um chassi do tipo espinha dorsal e, para distribuir melhor as massas pela estrutura, o propulsor a jato era posicionado ao lado do piloto, como se estivesse no banco do carona. Ele também tinha tração integral e transmissão de uma marcha só.
Acredite, era o bastante: 54% dos 557 cv do motor já estavam disponíveis em marcha lenta, o que significa que para largar, era só soltar o freio. Com este carro, na edição de 1967 da Indy 500, Parnelli Jones poderia ter feito história ao vencer uma das corridas mais fáceis de sua carreira, liderando com folga por 171 das 200 voltas percorridas em Indianápolis. Acontece que, por uma quebra em um dos suportes da transmissão, ele teve que abandonar a prova faltando três voltas para o final.
Mesmo sem ter vencido, o STP-Paxton Turbocar atraiu a atenção de Colin Chapman, que desenvolveu sua própria versão — o Lotus 56 que, como falamos ali em cima, foi um fracasso na Fórmula 1. Contudo, seu formato aerodinâmico em formato de cunha — este sim uma ideia original de Chapman — acabou influenciando todos, absolutamente todos os monopostos nos anos seguintes.
Mas a gente está aqui para falar de um Corvette, lembra? Para isso, vamos avançar alguns anos no tempo — mais precisamente, para 1978. Vince Granatelli decidiu, naquele ano, dar continuidade à ideia de seu pai, mas os motores a jato tinham sido banidos pela FIA havia alguns anos. Então ele teve uma ideia: por que não pegar um carro esportivo e tentar colocar nele um destes propulsores?
A opção pelo Corvette não se deu por acaso: ele era o único que, com seu capô longo, acomodaria o motor no cofre, ainda que fossem necessárias algumas modificações estruturais para tal — leia-se: picotar a dianteira de fibra de vidro e instalar um subchassi. Fora isso, todos os sistemas do carro eram subdimensionados para aguentar a força do novo motor, que perdeu todas as restrições que eram empregadas no carro da Indy e agora entregava 892 cv e absurdos 152,1 mkgf de torque.
Para aguentar todo o torque, a transmissão automática TH400 da GM foi acoplada a uma caixa de relações reduzidas para limitar as rotações da turbina, que pode chegar a 37.500 rpm, a muito mais conservadores 6.230 rpm. O carro também recebeu um cardã reforçado e um diferencial com relação de 3,03:1.
Faltava ainda encontrar um meio de monitorar o funcionamento do motor em alta velocidade, algo que jamais poderia ser feito com a instrumentação original. Sendo assim, Granatelli filho fabricou um novo painel de instrumentos, com relógios usados em aeronaves e mostradores digitais adaptados no console central, que também recebeu comandos aeronáuticos. É uma mistura de Corvette dos anos 70 e avião de caça com um visual que casa muito bem com o exterior bicolor, com rodas totalmente fechadas que abrigam discos de freio usados pela Nascar na época.
A carroceria aparentemente original esconde uma estrutura modificada, com novas linhas de combustível e elétrica toda feita do zero, além de um sistema de escape feito sob medida que é tão grande que o carro precisou ser levantado para que não raspasse no chão.
O resultado é um carro que, de acordo com uma matéria de 1979 da revista Motor Trend, é capaz de chegar aos 100 km/h em 3,2 segundos (os 2,5 segundos são declarados pelo seu criador), além de cumprir o quarto-de-milha a 178 km/h, com velocidade máxima de 290 km/h. Em 1978, cara — seis anos antes de a Ferrari 288 GTO chegar aos 303 km/h e se tornar o primeiro carro de produção a passar dos 300 km/h.
Seu atual dono, Milton Verrett, comprou o carro em 1982 e, no fim de 2014, decidiu vendê-lo, dizendo que era hora de outra pessoa curtir o carro. Não por coincidência, ele também era dono de um dos Lotus 56 com motor a turbina, e ambos foram levados ao evento da Barrett-Jackson na semana passada para serem leiloados.
Infelizmente, como já dissemos, o Corvette não atingiu o valor mínimo para venda — e o Lotus também não. Talvez em uma próxima ocasião alguém tenha mais coragem que dinheiro.