Injustamente esquecido pelas gerações mais novas, o DKW é um dos maiores clássicos da indústria automotiva nacional, graças a seu desenho elegante e a seu motor dois-tempos de três cilindros, que apesar do baixo deslocamento, tinha um belo potencial de preparação — e um ronco para lá de apaixonante.
O DKW nacional foi produzido pela Vemag entre 1956 e 1967, mas tem suas origens na Alemanha. A fabricante fazia parte da Auto Union, grupo formado em 1932 que incluía, também, a Audi, a Horch e a Wanderer. Nos emblemas dos carros, cada uma das empresas era representada por um anel — as quatro argolas que resistem até hoje no símbolo da Audi.
É exatamente por isto que a Audi mantém em seu acervo um exemplar do GT Malzoni, esportivo brasileiro que usava mecânica DKW que, além de muito bonito, andava bem para a época. E é por isto que este DKW 1000 com um motor V8 Audi faz tanto sentido. Ao menos para nós.
Agora, como você deve saber, o DKW tinha motor e tração dianteiros — configuração incomum para os automóveis na época, mas responsável pela dinâmica justíssima do carro (não é à toa que os hot hatches, em sua maioria, ainda apostam nela). O Auto Union 1000, que tinha um motor de 981 cm³, teve 171 mil unidades produzidas na Alemanha entre 1958 e 1963, e foi o último carro a carregar o emblema da Auto Union. E ele é um parente bem próximo do nosso DKW.
No entanto, com 171 mil unidades produzidas em seis anos, ele não é uma raridade tão grande na Europa como o DKW brasileiro por aqui. O que nos dá motivos em dobro para curtir este projeto, criado pelo sueco Leif Nilsson. Em uma abordagem que certamente arrepia todos os pelos corporais dos puristas e adoradores da fumaça azul, ele decidiu que gostava muito do visual do DKW, mas não curtia o desempenho do três-cilindros.
A solução para melhorar seu desempenho sem cometer uma heresia (ao menos, não uma muito grande) foi aumentar o deslocamento e o número de cilindros. Ah, e mudar a posição do motor. Como? Com um V8 Audi de 4,2 litros em posição central-traseira, claro!
A ideia de Nilsson era usar a maior quantidade de componentes Audi possível, a fim de preservar a autenticidade do projeto. No caso, o V8 veio de um Audi S4 1993 — modelo que não era baseado no A4, mas sim no A6 (leia a história neste post). A potência original é de 280 cv a 5.800 rpm, com 40,7 mkgf de torque a 4.000 rpm. Era força bastante para levar o S4, um sedã de tamanho considerável para os anos 1990 e 1.730 kg na balança, até os 100 km/h em 6,6 segundos.
Talvez por isto Nilsson tenha decidido manter o V8 nas especificações originais, limitando-se a trocar os componentes necessários — o DKW era um carro bem mais leve, com apenas 950 kg.
Claro que, para acomodar o novo conjunto mecânico, que também inclui a transmissão manual de seis marchas de um Audi 100 1996 e o diferencial traseiro de um Audi Quattro, que também cedeu seu sistema de suspensão independente do tipo McPherson com braços inferiores. Na dianteira, a suspensão é de um Opel Ascona A (a primeira geração do carro que deu origem ao nosso Monza, o Ascona C), no mesmo esquema.
O mais interessante, porém, foi o fato de a simplicidade do DKW ter permitido uma adaptação relativamente fácil: carroceria e chassi não precisaram ser modificados de forma muito radical — em essência, a parte posterior do assoalho foi cortada para acomodar o motor e o câmbio, e uma gaiola de proteção integral foi instalada para garantir a integridade do carro e a segurança dos dois ocupantes (que vão sentados em bancos do tipo concha de competição).
É preciso procurar bem para encontrar as maiores modificações da carroceria (que são bem discretas, até): pedaços dos para-lamas de um VW Golf para dar mais espaço para as rodas, e entradas de ar para o motor nas laterais traseiras e… bem, não muito mais do que isto.
Claro, há outros detalhes: o para-choque dianteiro na cor da carroceria, o emblema “4.2” na grade e, na traseira, a ausência do para-choque é compensada pelas duas saídas de escape que brotam da lata e pelos para-barros com pintura quadriculada. Personalização de bom gosto, e não muito radical. As rodas de 18 polegadas calçam pneus 225/40 e abrigam os discos ventilados do Audi A8.
Por dentro, além da gaiola de proteção e dos bancos concha, as únicas modificações que percebemos foram os instrumentos auxiliares em um cluster adaptado sob o painel, e a chave geral bem no centro dele. Simples, direto e funcional, mantendo um aspecto bacana. Não precisamos de mais nada, na verdade.
E, pelo jeito, nem Leif precisa de algo mais para se divertir. Até porque ele já tem uma boa experiência ao volante de carros clássicos preparados: hoje aposentado, ele foi piloto de rali na Suécia por nada menos que 35 anos. Ou seja: ele sabe exatamente o que fazer ao volante de seu super DKW. Será que ele já ouviu falar do FlatOut?
[Dica do leitor Matheus Utzig]