No Brasil, todos os carros da Dodge com motor V8 que tivemos entre as décadas de 1960 e 1980 foram baseados em um único modelo: o Dart – mais precisamente, a quarta geração, que nos Estados Unidos foi vendida entre 1966 e 1976. Embora fosse considerado um compacto em sua terra natal, por aqui o Dart tinha porte suficiente para ser o ponto de partida de toda uma linha de banheiras (e usamos o termo da forma mais respeitosa possível), incluindo o próprio Dodge Dart, o invocado Dodge Charger e os luxuosos LeBaron e Magnum.
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O que o Brasil não teve, infelizmente, foram as versões realmente nervosas, como o Hemi Dart. Não que houvesse viabilidade para um projeto como este: no Brasil, a Chrysler já aproveitou para conter custos e colocou em todos os carros o mesmo motor V8 318, com alguns detalhes distintos a cada versão. Quem dirá, então, realizar todas as adaptações necessárias para colocar o famoso The Elephant, com todas as suas 426 polegadas cúbicas, no Dart brasuca?
O Hemi Dart, para quem não lembra, foi uma série especial concebida pela Dodge, em 1968, especialmente para pilotos de arrancada. Naquele tempo os muscle cars estavam em seu auge, e seu desempenho no quarto-de-milha influenciava diretamente o desempenho no showroom das concessionárias – o famoso win on Sunday, sell on Monday. O carro foi feito em parceria com a Hurst, e a ideia era encaixá-lo no regulamento das categorias SS/A e SS/B (“SS” quer dizer “Super Stock”) da NHRA, a National Hot Rod Association, responsável por organizar a maioria dos campeonatos de arrancada americanos.
No total, foram feitos 80 exemplares do Hemi Dart para o campeonato de arrancada da NHRA, todos eles instantaneamente reconhecíveis pelos para-lamas alargados, pela postura agressiva, pelos enormes pneus traseiros e, claro, pelo scoop no capô que dava uma visão privilegiada (e sinistra) do topo dos carburadores. Era demais – parecia algo improvisado, e era mesmo, pois sem o scoop o capô simplesmente não fechava.
Como era a intenção da fabricante, a maioria esmagadora dos Hemi Dart foi usada em arrancadas. Embora os carros fossem usados por clientes independentes, cada um com sua própria equipe, de certa forma todos atuavam como uma gigantesca equipe de fábrica para a Dodge, muitos deles com suporte oficial. Todos estavam lá para cumprir uma missão simples: vencer quantas arrancadas conseguissem e espalhar a fama do Hemi Dart.
E um dos mais famosos era o monstruoso Hemi Dart de Dick Landy, piloto da equipe de fábrica da Dodge, que competiu com o carro entre 1968 e 1970. A fama não se dá pelos títulos que Landy conquistou, pois não houve nenhum com o carro, mas sim por seu desempenho assustador – e pelo fato de ser o único Hemi Dart com câmbio de quatro marchas de fábrica.
Os outros vinham sempre com câmbio de três marchas, fosse um Hurst manual ou um automático TorqueFlite. Em ambos os casos, vale lembrar, a relação final do diferencial era curtíssima: apenas 4,88:1.
Como sabemos, todos os Hemi Dart usavam uma versão anabolizada do motor 426. O deslocamento era o mesmo, mas com cabeçotes de ferro fundido em vez de alumínio (mais baratos e mais robustos); taxa de compressão de 12,5:1; coletores de admissão e escape feitos sob medida; e sistema de arrefecimento superdimensionado. O motor era alimentado por dois Holley de corpo quádruplo e entregava 430 cv e 67,7 kgfm de torque. Quer dizer, era o que a Dodge dizia, mas na prática a potência ficava na casa dos 600 cv.
Embora aquele fosse um motor de corrida pronto de fábrica, era natural que cada equipe tivesse suas próprias melhorias a fazer. Landy, que já usava uma porção de carros da Dodge nas arrancadas, incluindo o Dodge Coronet e o Dodge Charger, conseguiu encomendar seu carro com câmbio de quatro marchas – e uma alavanca Hurst de engate rápido.
A Dodge prometia que o Hemi Dart faria pelo menos 10,5 segundos no quarto de milha, a 207 km/h. O melhor tempo do Dodge Dart de Dick Landy foi de 10,46 segundos a 211,13 km/h, em outubro de 1968 na dragstrip de Orange County, Califórnia.
A pintura prata, azul e laranja do carro era a marca registrada de Dick Landy e foi o que ajudou o carro a ser descoberto em 1996, após mais de duas décadas longe dos holofotes.
Depois de correr com o Hemi Dart de chassi LO23M8B297859 por três anos, Landy o vendeu ao colega Kenny Nichols, que por sua vez o deixou em uma concessionária chamada Barnett Race Cars, em Atlanta. Esta loja vendeu o carro em 1974 a um piloto chamado Ron. E Ron foi o responsável por remover a pintura de Landy, trocando-a por uma camada de vermelho sólido.
O carro trocou de mãos algumas vezes antes de chegar a um colecionador canadense chamado Daryl Klassen. Foi ele quem descobriu que o carro havia pertencido a Landy ao encontrar vestígios de sua pintura em algumas áreas mais escondidas. Klassen chegou a dar início à restauração do carro, mas teve de vendê-lo em 1998 ao americano Pat Goff, que terminou o serviço.
Agora, o Hemi Dart pode trocar de mãos mais uma vez: a Mecum Auctions vai leiloá-lo durante um evento em Harrisburg, na Pensilvânia, entre os dias 31 de julho e 3 de agosto.
O carro está como novo, como mostra o vídeo acima, de três anos atrás. A restauração foi fiel, reproduzindo exatamente a pintura que Landy usava em 1968 e 1969, e em plenas condições de competir. Isto posto, dificilmente quem comprá-lo participará de mais que um passeio de exibição com ele: a agência de leilões estima que a batida do martelo virá com algo entre US$ 800 mil e US$ 1 milhão – algo entre R$ 3 milhões e R$ 3,8 milhões.