Não é difícil entender porque muitos donos de muscle cars, antigos e modernos, preparam seus carros para disputar arrancadas: eles praticamente nasceram para isto — nos anos 1960, ter um carro vencedor 402 metros da dragstrip era, para uma fabricante, a garantia de que ele seria muito procurado nas concessionárias. Obviamente, o motorzão V8 na dianteira e a tração traseira eram perfeitos para isso.
Se um muscle car de arrancada feito hoje em dia já é bacana (vai dizer que não?), o que dizer de um Ford Mustang que disputou drag races há cinco décadas e continua com diversos componentes originais, em um estado de conservação invejável? É exatamente esta a situação deste Mustang, que foi montado em 1965 para competir na divisão 5 da NHRA, a National Hot Rod Association, principal organização responsável pelas corridas de arrancada nos EUA desde 1951, quando foi fundada para promover a então recém-criada categoria.
Lançado em 1964, o Ford Mustang rapidamente se tornou um dos modelos favoritos dos entusiastas — não apenas da arrancada —, e não era para menos: mais compacto, bonito e acessível, o ‘Stang era feito sob medida para atrair tanto àqueles que queriam um esportivo para andar nas ruas com estilo quanto aqueles que iriam direto para as pistas com ele. A mesma estratégia foi usada pela Chevrolet com o Camaro em 1967 e, em 1970, pela Chrysler com o Dodge Challenger e o Plymouth Barracuda. Só que o Mustang foi o primeiro, e seu sucesso foi imediato.
Tanto é que este Mustang aqui foi fabricado, comprado e preparado ainda em 1965. Seu primeiro dono foi um homem do Wyoming chamado Roger Slump, e foi ele que transformou o carro original em um Mustang de arrancada, instalando nele um dos 500 motores V8 427 “Cammer” que a Ford havia fabricado no ano anterior. Trata-se de um dos motores mais incríveis de seu tempo, e um dos únicos motores americanos a ser banido das pistas.
Criado para a Nascar, o “Cammer” foi feito para combater outro V8 histórico: o Hemi 426 da Chrysler, conhecido como “The Elephant”, que começou nas pistas com o Plymouth Belvedere em 1964 e, nos ano seguintes, foi parar nas ruas sob o capô de carros como o Dodge Charger e o Plymouth Road Runner. Foi nas pistas, porém, que o Hemi 426 mais incomodou a concorrência — especialmente a Ford, que tomou surra atrás de surra dos Chrysler na temporada de 1964 da Nascar. Nas pistas de arrancada, a situação não era muito diferente.
O 427 Cammer foi criado exatamente para combater o Hemi 426. O ponto de partida era o bloco de competição 427 FE “side oiler”, que tinha este nome porque lubrificava primeiro o virabrequim, e depois o comando de válvulas, e ficou famoso por ser usado no Shelby Cobra e no Ford GT40 MkII que venceu as 24 Horas de Le Mans. O segredo, porém, estava na parte de cima: diferentemente dos V8 americanos mais tradicionais, com comando no bloco e válvulas atuadas por varetas, o 427 “Cammer” tinha comandos nos cabeçotes, câmeras de combustão hemisféricas (quase como no Hemi 426), válvulas recheadas com sódio (dissipando melhor o calor) e dutos gigantescos.
O resultado era um motor capaz de girar a até 7.500 rpm com segurança de sobra — regime bem alto para os V8 da época. Com isto, rendia 624 cv quando alimentado com um só carburador de corpo quádruplo, e até 666 cv com dois carburadores — a potência da besta! Como se não bastasse, quando preparado para girar a 9.000 rpm (o que era plenamente possível, pois o “Cammer” foi projetado exatamente para isto), o motor beliscava os 800 cv, sem qualquer tipo de indução forçada.
No fim das contas, a potência extra foi o que limitou o uso do 427 “Cammer” às pistas de arrancada. Quando ficou pronto para a temporada de 1966, o “Cammer” deparou-se com uma mudança repentina no regulamento da Nascar, que exigia que carros equipados com o novo 427 usassem um lastro de quase 200 kg. Na prática, era como banir o motor: com mais peso, a potência extra era inútil.
Acontece que a Ford já havia produzido cerca de 500 unidades do Cammer para homologação. Estas acabaram indo parar nas mãos das equipes de arrancada, que fizeram a festa com elas. O Mustang deste post, por exemplo, foi equipado com o “Cammer” nº 247 por seu primeiro dono e, com ele, detonou nas pistas de arrancada entre 1966 e 1971.
O carro foi anunciado no eBay nesta semana e, de acordo com o vendedor, muito do que se vê nele hoje em dia é exatamente igual ao que era nos anos 60 e 70. Isto inclui o para-quedas usado nas frenagens, a gaiola de proteção instalada em 1965 e até mesmo as rodas de magnésio Halibrand e o sistema de injeção mecânica Hilborn. E tem mais: a transmissão automática de três marchas Ford C6 e o eixo traseiro com feixes de molas semielípticas e barras de tração também são de época, bem como o volante com aro azul e acabamento flocado.
Nos anos em que competiu, o melhor tempo do Mustang no quarto-de-milha foram 9,97 segundos a 221 km/h — isto com o motor original. Em 2012, um cara chamado Bob Becker refez o motor inteiro, empregando componentes modernos sobre a base original: virabrequim e bielas forjadas da Scat, pistões forjados Diamond, dutos polidos e ignição MSD, além de um aumento na taxa de compressão para 13,0:1. Sem dúvida o carro ficou ainda mais veloz, ainda que jamais tenha sido colocado em uma dragstrip novamente.
Contudo, quem vai saber seu futuro? O carro foi arrematado ontem no eBay por US$ 35.000, o que dá pouco mais de R$ 111.000 em conversão direta. Esperamos, do fundo do nosso coração, que seu novo dono coloque o carro para acelerar, de 402 metros em 402 metros, novamente.