É uma piada recorrente entre os entusiastas: “o Porsche 911 é um Fusca melhorado”. Há um fundo de verdade nisso (tanto que os Porsche inspiram preparações de Fusca), mas de forma bem exagerada. O Fusca foi mesmo projetado por Ferdinand Porsche. Mas só entre sua primeira versão, de 1938, e o primeiro 911, de 1963, há 25 anos de diferença e evolução.
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Em comum, os dois só tinham o motor boxer arrefecido a ar na traseira – de resto, o método de construção era totalmente diferente (o Fusca usava um chassi plataforma, enquanto o 911 já empregava o monobloco), bem como a finalidade do projeto, obviamente. Hoje, com o 911 em sua oitava geração, a comparação com o Besouro não faz sentido e, correndo o risco de soar rabugento, nem tem tanta graça.
Não queremos dizer que dizer que os carros não sejam relacionados – afinal, tudo começou com o projeto do Dr. Ferdinand Porsche para o Fusca; seu filho, Ferry Porsche, criou o 356; e seu neto, Alexander “Butzi” Porsche, projetou o 911. Mas o Fusca jamais foi, de fato, um Porsche. Ou será que foi?
Você deve lembrar do post que fizemos recentemente sobre o Type 64 – o primeiro de todos os Porsche, que usava a plataforma do Fusca e um motor 1100 de 33 cv, além de uma carroceria aerodinâmica, totalmente diferente do que se via no Besouro. Sua história é relativamente conhecida e, apesar das entranhas de Fusca, seu design deixa claro que se trata de algo especial.
O que poucos sabem é que, paralelamente ao Type 64, Ferdinand e Ferry Porsche trabalharam em um projeto ainda mais ousado: um Fusca com motor de competição, feito para vencer uma corrida entre Berlim, na Alemanha, e Roma, na Itália. Eis o VW 39 1-00003 , 80 anos depois.
Aproveitando que o Volkswagen estava em seu estágio final de desenvolvimento, pai e filho decidiram aproveitar para transformá-lo em um carro de corrida para participar do evento. Para isto, eles usaram como ponto de partida o motor do Type 64, com deslocamento reduzido para um litro (para economizar combustível, possivelmente) e potência de 32 cv. O que não parece muito mas, com cerca de 700 kg para empurrar, o flat-4 era capaz de levar o VW 39 até os 145 km/h – marca respeitabilíssima oito décadas atrás.
Sendo um modelo pré-série, o VW 39 também possui outra característica curiosa: ele foi o primeiro Fusca a ter peças da carroceria feitas em metal prensado – os para-lamas e a tampa traseira, que por conta dos vincos e do vigia bipartido, rendeu ao carro o apelido “Pretzel Beetle”. O método de fabricação foi aperfeiçoado depois daquilo, e usado permanentemente na fabricação em série do Fusca.
Segundo a Porsche, Ferdinand e Ferry Porsche tinha a intenção de construir 50 exemplares do VW 39 – bem mais do que o necessário para participar da corrida entre Berlim e Roma. A companhia não diz quais eram as intenções do Dr. Porsche com tantos carros, mas sabe-se que, com o início da Segunda Guerra Mundial naquele ano, só houve tempo de concluir 14 unidades. E a corrida nunca aconteceu.
O VW 39 1-00003 ainda teve tempo de ser usado com certa frequência, até, por Ferdinand e Ferry durante aguns meses, geralmente no trajeto de 600 km entre a sede da Porsche, em Zuffenhausen, e a capital Berlim – aonde, algum tempo depois, o carro foi levado de forma permanente, a fim de ficar exposto e atrair possíveis compradores.
Pode ter sido justamente por conta disto que, das 14 unidades construídas, apenas o carro 1-00003 sobreviveu – os restantes, presume-se, foram destruídos no bombardeio dos Aliados sobre Stuttgart, ocorrido em 25 de agosto de 1940. Com o ataque, 17 prédios foram arruinados, incluindo a sede da Porsche.
Em 1948, com o conflito já terminado, a Porsche vendeu o carro a um colecionador da cidade de Hamburgo. Ele recuperou o carro usando componentes mais modernos e mandou pintá-lo de cinza, utilizando o carro por alguns anos.
Pouco se sabe sobre a trajetória do VW 39 1-00003 depois disto. O que a Porsche conta: há cerca de cinco anos, o carro foi comprado por Thomas König e Oliver Schmidt, fundadores do Hamburg Prototyp Museum – uma mostra permanente de carros alemães criados antes da Segunda Guerra Mundial.
Depois de um incêndio no local onde estava guardado, o carro estava em estado deplorável, e foram necessários três anos de trabalho – incluindo a fabricação artesanal de componentes novos para a carroceria, usando moldes originais como referência – para trazê-lo de volta a sua forma original, incluindo a pintura preta com verniz de nitrocelulose. Agora, o VW 39 ficará permanentemente exposto no museu de Hamburgo.