Carroll Shelby foi um visionário ao pegar o pequeno e tradicional roadster britânico AC Ace, colocar nele um V8 Ford e transformá-lo em uma máquina de sair de traseira e queimar pneus: era o Shelby Cobra, que se tornou um dos esportivos mais cultuados, imitados e reproduzidos do planeta. O sucesso do Cobra, que foi lançado oficialmente em 1963, foi o que garantiu a Carroll Shelby uma parceria duradoura com a Ford, que evoluiu para o desenvolvimento dos Mustang Shelby e culminou em quatro vitórias consecutivas do GT40 nas 24 Horas de Le Mans.
A graça do Shelby Cobra estava justamente em pegar um carro leve e equilibrado dinamicamente e arrombar o cofre com um motor V8 – o que era especialmente verdade no Shelby Cobra 427, que dispensava o small block de 289 pol³ (4,7 litros) e adotava um “medium block” de 427 pol³ (sete litros).
Uma interpretação moderna possível para a receita é trocar o quatro-cilindros do Mazda MX-5 Miata (ele próprio inspirado pelos roadsters britânicos dos anos 60) e meter nele um V8, normalmente um small block da família LS da GM. Nos EUA, o V8 LS é um motor barato e abundante, e conta com centenas de receitas de preparação (digamos que seja o VW AP deles). Além disso, há kits prontos com todos os suportes e adaptações necessárias para colocá-lo no cofre do Miata – a Flyin’ Miata, do Colorado, é uma das mais conhecidas oficinas a oferecer o serviço.
Pois nós topamos com um swap diferente em um Miata – algo bem mais nipônico e de acordo com as origens do Miata. Quer dizer, nem tão de acordo, pois o motor deste exemplar da segunda geração do MX-5 tem um motor RB20 vindo de um Nissan Skyline R32, seis-cilindros de dois litros que, por fora, tem as mesmas dimensões do lendário RB26DETT usado no Skyline GT-R R32-R33-R34. E, acredite, deu muito trabalho enfiá-lo no cofre do pequeno Mazda.
É preciso ser bastante desapegado do seu Miatinha para querer meter um seis-em-linha de Skyline no cofre. Na verdade, o criador deste carro era bastante apegado ao seu Skyline. O holandês Dennis van Voorene, dono da fabricante de carros de corrida BVV Automotive, levou o Nissan para Nürburgring Nordschleife em 2013 e, lá, sofreu um acidente no Karoussel. O carro ficou danificado demais para voltar à ativa, e então ele decidiu utilizar seu conjunto mecânico em um novo projeto.
Bem… talvez ele não fosse tão apegado assim: o Skyline virou churrasqueira depois do acidente!
Por alguma razão, engine swaps entre carros e motores de marcas diferentes é um pouco mais tolerada no meio JDM – você deve ter visto um Nissan Silvia com motor 1JZ em algum lugar recentemente, não? Então, o swap não causa admiração pela troca de marcas per se, mas pelo fato de um quatro-cilindros relativamente compacto, de 1,8 litro e 108 cv, dar lugar a um seis-em-linha substancialmente maior. Veja só: o motor do Miata pesa algo entre 120 kg e 130 kg. O RB20 do Skyline GT-R pesa 230 kg – 100 kg a mais.
Por isso, como dá para ver nas fotos que Dennis compartilhou no Facebook, o motor foi posicionado o mais recuado possível — o que exigiu um rombo na parede de fogo, que precisou ser reforçada com barras de metal (perfuradas para economizar peso) logo atrás do painel de instrumentos. O cofre precisou ser todo modificado e reforçado, com suportes feitos sob medida para dar passagem para o sistema de direção, o coletor de escape feito sob medida e os componentes de suspensão do Miata. Não teve jeito: mesmo invadindo a cabine o RB20 ainda ficou com um cilindro à frente do eixo dianteiro. Foi um trabalho bem feito, ainda assim.
O túnel de transmissão também precisou ser todo reconstruído, o que acabou com o aspecto original. Sem problemas: estamos falando de um projeto de time attack, feito para disputar corridas apenas contra o relógio. Como explicamos recentemente, o time attack elimina o risco de colisão com outros carros na pista e, por conta disto, o regulamento das competições costuma ser bem mais liberal quanto a modificações no motor, na estrutura e na carroceria.
O Miata, por exemplo, teve toda a estrutura original da dianteira substituída por um suporte tubular para o para-choque e o radiador, os para-lamas dianteiros alargados para acomodar saídas de escoamento de ar quente, o motor recebeu um cárter feito sob medida (o cárter original raspava no chão) e a estrutura foi amplamente reforçada com reforços no túnel e no compartimento do motor. Além disso, foi instalada uma gaiola de proteção integral.
Dito isto, a receita do motor é conservadora, considerando que se trata de um carro de time attack: com o turbocompressor operando a 0,9 bar, o motor entregou 297 cv a 5.600 rpm e 38,4 mkgf de torque. Para se ter uma ideia, o RB20DET original do Nissan Skyline GTS-t entrega 215 cv e 26 mkgf operando a 0,5 bar. Vale lembrar que os motores usados nos esportivos japoneses da década de 1990 são superdimensionados a fim de suportar a potência extra. Vale lembrar que o GTS-t era uma versão abaixo do GT-R R32, com tração traseira e câmbio manual de cinco marchas. Todo o sistema de tração, e também os freios, foram parar no Miata.[dropcap]…[/dropcap]
Estamos falando de mais de 80 cv a mais que a configuração de fábrica, e quase o triplo da potência original do Miata – que, vale lembrar, pesa cerca de 1.065 kg sem modificações para reduzir massa. Lembra do AC Ace? Original, ele era movido por um seis-em-linha que podia ter entre 100 cv e 120 cv, enquanto o V8 289 tinha lá seus 300 cv. Nossa analogia faz sentido, sim.
O carro começou a ser montado em 2013 e andou pela primeira vez com o motor novo em maio deste ano. Agora, está na fase de ajustes finais antes de começar a competir em provas de time attack pela Europa. Dá para ver pelas fotos de Dennis no Instagram que o Miata “RB20MX5” ainda precisa de alguns ajustes finais. Estamos loucos para vê-lo em ação!