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Car Culture

Estradas musicais: quando os pneus cantam usando partitura

Poucas coisas no trânsito são tão irritantes quanto uma sequência de sonorizadores entalhada no asfalto. Você está dirigindo por uma bela rodovia, com asfalto liso, quando, de repente “brrraaapp brrraaapp brrraaapp”. O problema é que eles precisam ser assim irritantes e precisam fazer a coluna de direção do seu carro vibrar como um controle de Playstation pois esse é o seu propósito: chamar sua atenção para algo importante logo à frente. Pode ser um cruzamento, uma interseção, uma travessia ou ualquer coisa que exija que você reduza velocidade ou preste atenção.

O que eles não precisam é ser extremamente irritantes como são. Não seria mais legal se eles tocassem uma música, por exemplo? Você passa pelas ranhuras no asfalto e, em vez daquele “brrraaapp” irritante, a vibração produz uma melodia agradável como trilha sonora para seu passeio.

Esse é o princípio das chamadas estradas musicais. São trechos de rodovias nos quais as ranhuras são instaladas de forma que o ruído resultante da vibração das rodas seja uma melodia. Elas foram inventadas em outubro de 1995 por dois artistas dinamarqueses chamados Steen Krarup Jensen e Jakob Freud-Magnus. A obra foi batizada de Asphaltophone, e consistia de uma série de marcações metálicas afixadas no asfalto de forma que os carros produzissem notas musicais ao passar por elas em determinada velocidade.

Já no início da década passada, um outro tipo de estrada musical foi criada no Japão de forma acidental. Um engenheiro chamado Shizuo Shinoda notou que as marcas deixadas no asfalto por uma escavadeira produziam sons diferentes de acordo com sua profundidade e largura. Em 2007 o Hokkaido National Industrial Research Institute, que já havia trabalhado em um sistema infravermelho para identificar de superfícies perigosas, usou os rascunhos de Shinoda para criar as estradas musicais japonesas usando ranhuras no asfalto. Atualmente há trechos musicais em estradas dos EUA, México, Dinamarca, San Marino, Coreia do Sul e Japão.

Veja só como elas são:

Isso é possível porque os sonorizadores são baseados na vibração tátil dos pneus e rodas do carro causada pelo espaçamento entre as ranhuras ou saliências do asfalto. A vibração é o movimento de oscilação da roda (o sobe-e-desce) que, quando se repete em um determinado intervalo de tempo, forma uma frequência. É por isso que esse movimento emite som — o som é simplesmente a propagação de frequências pelo ar ou qualquer outro meio material.

E todo som tem uma nota: as notas musicais são o menor elemento de um som, e são associadas a determinadas frequências (veja a tabela completa neste link). Por exemplo, a nota dó é associada a 16,35 hertz, 32,70 hertz, 65,41 hertz, 130,82  hertz e assim sucessivamente em progressão geométrica de razão 2 (multiplicando a frequência anterior por 2).

Portanto, se a roda oscilar 32,7 vezes por segundo, ela emitirá um dó. Se ela oscilar 65,4 vezes, ela emitira um dó mais agudo. Quanto maior a frequência, mais aguda a nota; quanto menor, mais grave. Todas as notas musicais têm suas frequências; dentro do espectro da audição humana o dó inicia em 16,35 hertz, o ré inicia em 18,35 hertz, o mi em 20,6 hertz, o fá em 21,82 hertz, o sol em 24,49 hertz, o lá em 27,50 hertz e o si em 30,86 hertz.

Algumas câmeras conseguem capturar a frequência das ondas das cordas do violão – a roda do carro precisa subir e descer na mesma frequência das ondas

Conhecendo as frequências de cada nota, os engenheiros que irão projetar a estrada musical precisam apenas saber a sequência de notas e a duração de cada nota que formam a melodia para calcular quantas ranhuras terão que ser feitas no chão. Quanto mais próximas as ranhuras, maior a frequência, mais agudo o som. Quanto mais espaçadas, menor a frequência, mais grave será a nota.

Por isso, para que a música seja executada corretamente, é preciso passar sobre os sonorizadores em velocidade constante  para que a música não soe desafinada ou desconexa. Por isso também, as estradas musicais são usadas para controle de velocidade. Os motoristas acabam estimulados a tentar “tocar” a música corretamente e não excedem a velocidade recomendada.

Apesar da engenhosidade, há um pequeno problema nas estradas musicais: a melodia depende do intervalo exato entre as frequência. Se por algum motivo o asfalto acabar deformado ou desgastado, a frequência da oscilação das rodas acaba alterada e, consequentemente, as notas vão soar desafinadas. Foi o que aconteceu nesta rodovia no Novo México, EUA, onde algum tipo de deformação no asfalto que mudou as notas…

… ou nessa rodovia na Califórnia (também nos EUA, vejam só…) onde alguém não calculou muito bem as pausas e intervalos melódicos e a clássica “Abertura de Guilherme Tell” soou um pouco desafinada e pausada:

Ainda assim é uma solução mais interessante que as estradas musicais brasileiras, que tocam apenas batuques desconexos.