Nascida das pistas, a Ferrari é instantaneamente reconhecida pelos dezesseis títulos da Scuderia no mundial de Fórmula 1, e também por seus superesportivos de motor central-traseiro – F40, Testarossa, 458 Italia, F355… você escolhe.
No entanto, uma das maiores tradições da Ferrari são os grand tourers (esportivos com vocação estradeira, motor na frente, capô longo e traseira curta) que a companhia fabrica desde meados da década de 1950. Como já contamos aqui, Enzo Ferrari só decidiu começar a construir carros de rua para ajudar a financiar a equipe de corrida.
Esta Lusso passou décadas abandonada no Paquistão, dá para acreditar?
Assim, naturalmente, até mesmo os GT mais luxuosos da Ferrari têm os dois pés nos circuitos. Recentemente, aqui mesmo no FlatOut, surgiu um belo exemplo: a 250 GT Lusso, que tinha carroceria streamlined, cubos rápidos nas rodas e um motor V12 de três litros praticamente idêntico ao da 250 GTO – esta sim, um verdadeiro grand tourer de corrida.
O grand tourer mais recente da Ferrari, a F12 Berlinetta, foi lançado em 2012 no Salão de Genebra. Substituindo a bela 599 GTB Fiorano, a F12 trazia como maior atrativo seu motor V12 de 6,3 litros, 740 cv e 70,4 mkgf de torque. Até a chegada da LaFerrari este era o V12 aspirado mais potente já feito pela companhia.
No entanto, os 800 cv do motor da LaFerrari (somados a mais 163 cv gerados por um motor elétrico, totalizando 963 cv para quem faltou às aulas de matemática do primário) acabaram por ofuscar a F12. O que é para lá de compreensível, sejamos francos – ainda mais considerando o apelo muito mais “sangue no olho” do hipercarro híbrido.
No entanto, a Ferrari conhece muito bem o potencial do seu grand tourer e, mais importante, sabe como explorá-lo. Assim, de repente, a marca revelou no mês passado a F12tdf, edição especial da Berlinetta feita para as pistas.
A F12tdf está para a F12 Berlinetta como a 599 GTO estava para a 599 GTB Fiorano: trata-se de uma versão mais potente e refinada, que pode rodar nas ruas mas fica realmente à vontade em um autódromo. Não é qualquer um que pode se dar ao luxo de comprar uma Ferrari especialmente para acelerar em track days, e por isto a marca limitou a produção a apenas 799 unidades.
E a galera lá em Maranello gosta de fazer as coisas meio que de surpresa, mesmo: pouco depois de mostrar imagens e divulgar informações sobre o novo carro, a Ferrari tratou de apresentar a F12tdf em um evento no circuito de Mugello, com direito a exibição de donuts com Kimi Räikkönen e Sebastian Vettel ao volante. Está vendo o vídeo abaixo? Assista ele todo, porque vale a pena.
E agora, menos de dez dias depois, os primeiros reviews do carro começaram a aparecer na imprensa especializada. Sendo assim, como já está virando tradição, chegou a hora de ver o que andam falando da F12tdf. Bora?
Talvez você já saiba, talvez não e, de qualquer forma, não custa relembrar: o “tdf” da F12tdf significa Tour de France — mas não é a prova de bikes, e sim a lendária corrida de rua que a Ferrari dominou nos anos 1950 e 1960 — especialmente com a 250 GT Berlinetta 1956, que faturou quatro vitórias consecutivas.
Além do nome, também conseguimos enxergar outra homenagem às Ferrari de corrida do passado: as entradas de ar nos para-lamas traseiros, que remetem às “guelras” encontradas em modelos como a própria 250 GTO.
No entanto, a nostalgia pára por aí. A F12tdf é uma Ferrari de ponta: além do motor mais potente — são 780 cv a 8.500 rpm e 71,9 mkgf a 6.250 rpm (sendo que 80% já estão disponíveis desde as 2.500 rpm). Explicamos detalhadamente as modificações realizadas no motor neste post:
A caixa de ar do motor é mais leve, o coletor de admissão é novo, e um atuador hidráulico altera a posição das cornetas da admissão de acordo com a velocidade do motor, a fim de mantê-los sempre em uma posição que favoreça o fluxo de ar para dentro do motor. As válvulas de borboleta também são maiores e mais eficientes.
O cabeçote recebeu tuchos de válvulas mecânicos (atuados apenas pelo contato com o comando de válvulas), mais adequados a motores que giram alto — e também responsáveis pela maior abertura das válvulas de admissão, garantindo que mais mistura ar-combustível entre no cilindro e melhorando a eficiência da combustão.
A transmissão F1 DCT, de dupla embreagem e sete marchas, também é exclusivo da F12tdf: além de ter relações 6% mais curta, a caixa é capaz de realizar trocas até 40% mais rápidas. O conjunto é capaz de levar o carro até os 100 km/h em espantosos 2,8 segundos, com máxima de 346 km/h. Curiosidade: a F12 Berlinetta tem velocidade máxima de 365 km/h, porém seu tempo de aceleração é maior – ela leva 3,1 segundos para chegar aos 100 km/h.
É natural que a prioridade seja aceleração, e não a velocidade máxima, quando se transforma um GT em um carro voltado para as pistas. Na verdade, a Car & Driver americana trouxe um ponto de vista bem interessante, vindo de um dos engenheiros envolvidos no projeto. Ele disse o seguinte: “para começar, nós estragamos o carro”.
Faz sentido: o que a Ferrari fez com a F12tdf foi “estragar” um excelente grand tourer para criar um monstro. E não foi uma tarefa simples, especialmente por causa do entre-eixos longo. Como já explicamos algumas vezes aqui no FlatOut, quanto menor o entre-eixos, menos sujeito o carro está à inércia polar durante em uma curva e, consequentemente, fica mais rápido na hora de mudar de direção.
O problema é que a F12tdf tem generosos 2,72 metros de entre-eixos, e seria inviável alterar todo o projeto da F12 e reduzir alguns centímetros para uma série limitada de 799 unidades. É aí que entra aquele que certamente é o ponto alto da história: o sistema Passo Corto Virtuale – algo como “entre-eixos curto virtual”. Apesar do que diz o nome (que é delicioso de pronunciar em voz alta — sério!), contudo, o Passo Corto Virtuale não simula um entre-eixos curto, mas sim seu efeito, ao fazer com que as rodas de trás estercem nas curvas.
Trata-se, na verdade, de um sistema de esterçamento nas rodas traseiras – o famoso 4WS, que teve seu funcionamento explicado em detalhes por nós aqui. A Road & Track explicou a situação de uma maneira bem fácil de entender:
Basicamente, o que a Ferrari queria era um carro que atacasse as curvas absurdamente rápido, então eles colocaram muito mais borracha na dianteira. Depois, eles descobriram que o carro se transformou em uma máquina de subesterço. Por isso, eles tiveram que compensá-lo a fim de tornar possível pilotar o carro sem sair girando como um pião. A solução foi incorporar o esterçamento nas rodas traseiras.
Os motores que esterçam as rodas traseiras em até 2°, acompanhando as rodas da frente, são da ZF (que também fornece o sistema usado no Porsche 911 GT3). No entanto, todo o software foi desenvolvido pela própria Ferrari, a fim de fazê-lo trabalhar em harmonia com o diferencial de deslizamento limitado, o sistema de controle de tração e os amortecedores magnéticos ativos, transformando totalmente o comportamento do carro.
E ela ainda é mais leve graças ao emprego da fibra de carbono usada no capô, nos para-lamas, nos componentes aerodinâmicos, no assoalho e no interior. No total, são 1.435 kg, ou 110 kg a menos que a F12 Berlinetta.
Tantas mudanças tornaram a F12 um carro muito mais duro (a suspensão foi totalmente recalibrada para ficar menos complacente e mais rígida) e desafiador ao volante. Vamos deixar que os caras da Evo Magazine desenvolvam melhor esta ideia:
A Ferrari F12tdf tem uma dianteira extremamente aderente, respostas instantâneas na direção e parece deixar pouco espaço para erros. Sendo assim, antes que você sequer consiga pensar que o carro apontou sozinho para o ponto de tangência, a traseira se move no que aparenta ser um gigantesco sobresterço, e você se pega remando no volante para manter tudo sob controle. Reduza o passo e, em vez de sair corrigindo a saída de traseira, você precisa brigar com o carro só para conseguir um trajeto linear em qualquer curva. Longe de corrigir seus erros, a F12tdf quase sente prazer em amplificá-los.
A impressão é unânime entre todas as avaliações que encontramos: aF12tdf não é nenhum brinquedo – é uma máquina séria, com aerodinâmica retrabalhada, para-lamas alargados (que ficaram sensacionais) e agilidade impressionante para seu porte. Você tem que saber o que está fazendo para desafiá-la.
No fim das contas, a própria C&D sintetizou muito bem o espírito da F12tdf, ao dizer que ela “demanda mais foco, mais habilidade e mais respeito. Em troca, ela devolve diversão para lá de honesta, algo incomum e até estranho em um carro com tanta potência e aderência.”