No exterior, especialmente nos EUA, quase ninguém fala em financiamento ou em crédito direto ao consumidor (CDC). Ou o cara compra seu carro à vista (porque é bem mais barato do que aqui) ou recorre ao chamado leasing operacional. Leasing é uma espécie de aluguel do carro. No operacional, você paga uma parcela fixa, pelo tipo de uso que faz do veículo, e ela inclui custos de manutenção, seguro etc. É um negócio que atrai porque a parcela é baixa e, quando chega a hora de trocar, você simplesmente entrega o carro à financeira e pega outro.
No Brasil, a ideia nunca pegou. Pudera. “Brasileiro tem uma coisa de gostar de propriedade. Se o carro não está em seu nome, ele tende a não se sentir confortável com a situação”, diz Frederico Fuchs, gerente dos serviços financeiros da Jaguar Land Rover. Isso e os preços altos explicam porque 70% de todas as vendas de carro são por alguma forma de financiamento. Mas vivemos tempos bicudos, de crédito difícil e de incertezas. Como assumir parcelas altas se o emprego está na corda bamba? De olho nisso, as financeiras partiram para outra estratégia: um CDC com jeito de leasing operacional (ao menos no valor da parcela). Com nomes específicos para cada marca, esse tipo de financiamento recebe o nome genérico de “balão”. E é a grande esperança das fabricantes para conseguir vendas melhores em 2015.
O nome balão vem da última parcela do plano, muito mais alta do que as demais. Ela gira em torno de 40% a 60% do valor total financiado. Com isso, é possível dar uma entrada pequena, de 10% a 30%, e financiar, normalmente em 24 vezes (contando a parcela balão), uma proporção também menor do automóvel, em torno de 30%. Com isso, o financiamento fica com uma parcela mais acessível ao cliente.
Hyundai oferece o sistema Compra Certa, exclusivo para a linha HB20
Mas quem é louco de deixar uma parcela tão alta para o final do plano, não é? Com as condições deste tipo de financiamento, muita gente. Isso porque a parcela balão não precisa, necessariamente, ser quitada com dinheiro. Aliás, a ideia é que ela não seja. O que entra como pagamento é o carro usado. Parte do dinheiro da venda quita o financiamento. O que restar dele serve de entrada para um modelo mais novo.
Para o fabricante, compensa porque ele tem quase certeza de que o cliente voltará dali a dois anos para pegar um modelo novo, girando de modelos novos mais facilmente. Para o cliente, tira das costas o peso de ter de se preocupar em vender o carro para comprar um novo. É como se ele apenas trocasse seu usado por um novo a cada dois anos, também como no leasing operacional.
Hyundai e GM
A Hyundai apostou tanto no negócio que chegou a ter um pedaço do seu estande no Salão do Automóvel do ano passado dedicado a seu financiamento balão. Ela o chama de “Compra Certa”, que também mereceu um vídeo para explicar aos clientes a ideia.
Neste financiamento balão, a marca diz ter se apoiado no fato de seus produtos terem baixa desvalorização. Ela tornaria a hipótese de a financeira ter de arcar com algum valor para quitar a parcela balão virtualmente impossível. Só os modelos nacionais da Hyundai podem ser adquiridos pelo sistema Compra Certa, ou seja, todos os da linha HB20.
Dentre outras marcas com fabricação nacional, a única que também oferece o financiamento balão é a GM. Ela oferece planos mais longos, de até 48 parcelas. Também é a que tem o menor valor residual para o balão, de no máximo 30% (e no mínimo 15%). No final, ela oferece uma opção adicional a pagar o balão ou entregar o carro: refinanciar o valor restante. Mas isso foge do propósito do plano. Não parece haver restrições aos modelos que podem usar este tipo de financiamento. Procurada, a GM não deu retorno até o fechamento desta reportagem.
Flexibility, Pass, Sign and Go e Access: entrando no mercado de luxo
Em marcas que não têm a vantagem de uma baixa desvalorização, como as de luxo, a estratégia é diferente. Mercedes-Benz, Audi e BMW garantem ao cliente o pagamento de pelo menos 50% do valor do modelo novo. É um negócio fechado não apenas com a fabricante, mas também com a concessionária, que se compromete com a recompra por contrato. Curiosamente, o financiamento balão da Mercedes-Benz, chamado de Flexibility, também tem um vídeo institucional, mas ele é para o mercado mexicano. Sinal de que também estão tentando a nova fórmula por lá.
Na Mercedes-Benz, só os carros com plataforma MFA (Classe A, B, CLA e GLA) e Classe C podem ser comprados pelo Flexibility. O que mostra outro aspecto deste tipo de financiamento, especialmente interessante para as marcas mais caras: ele dá acesso à marca. Carros que seriam caros demais para comprar em qualquer outra condição subitamente se encaixam no orçamento.
O plano de financiamento balão da Mercedes-Benz é o Flexibility
Peguemos o exemplo de um C 180 Exclusive, vendido a R$ 142.900. A entrada, tanto pelo CDC quanto pelo Flexibility, é de 20%, ou R$ 28.580. Mas, enquanto a prestação no CDC comum é de R$ 5.731,78, a do Flexibility sai por R$ 3.398,20. A parcela final é de R$ 71.450, mas a entrega do carro usado quita essa parcela e ainda permite a sobra que irá para a entrada do próximo Mercedes-Benz do cliente.
Se considerarmos o valor de tabela de um C 180 de dois anos atrás pela Fipe, que é de R$ 96.624, sobram R$ 25.174, quase o mesmo valor da entrada de um novo C 180. “Lançamos o Flexibility em setembro de 2014 e envolvemos os concessionários no processo. Ele permite que a parcela entre mais fácil no bolso do cliente ou que ele compre carros mais caros. É muito parecido com o leasing operacional, a não ser pelo fato de o carro ficar no nome do cliente e alienado ao banco. Se você pegar o mercado norte-americano, o leasing é o principal meio de financiamento”, diz Angel Martinez, diretor comercial do Banco Mercedes-Benz.
Jaguar Land Rover começou com o Access em abril deste ano
A maior parte das empresas que trabalham com o financiamento balão lançou o produto no ano passado. Questionadas, nenhuma delas abre a quantidade de clientes que aderiu ao novo sistema. Quem chega mais perto de dizer alguma coisa é a Jaguar Land Rover. Seu programa, o Access, começou em abril apenas para a linha Range Rover Evoque e já responde por 1 em cada quatro financiamentos do modelo. Mas a ideia da empresa é ampliar.
Agora, também é possível financiar o Jaguar XF pelo Access e, no futuro, também serão incluídos o Discovery Sport e o sedã XE, modelos de volume da Land Rover e da Jaguar, respectivamente.
Cuidados
Para o presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Luiz Moan, o financiamento balão é uma alternativa interessante, mas o ideal mesmo seria ter no Brasil o leasing operacional. “Sob o ponto de vista do cliente, o leasing é muito melhor. Isso porque o balão é responsabilidade do consumidor. É ele que deve quitar a parcela se o valor residual do veículo não for suficiente para isso. No leasing operacional, a responsabilidade sobre o valor residual é da financeira.”
Luiz Moan, presidente da Anfavea
De todo modo, o Brasil ainda não oferece as condições necessárias para o sistema. “Falta segurança jurídica para estabelecer o sistema por aqui, como determinar a questão da responsabilidade pelos impostos que incidem sobre o veículo, a eventual retomada do bem etc. Nós ainda não temos as ferramentas para isso, mas a Anfavea está trabalhando fortemente neste sentido”, diz Moan. “Com o leasing operacional, o cliente pode fazer um planejamento mais adequado e baratear sua prestação com base no uso efetivo do automóvel. Quando estiver regulamentado, o leasing operacional permitirá aumentar bastante as vendas. Há muito potencial de crescimento de frota no Brasil.”
Além de ter os instrumentos necessários, será preciso vencer também a resistência do consumidor a dirigir algo que, no papel, não é seu. Mesmo que o leasing operacional inclua, por definição, os custos de seguro, manutenção e impostos no valor de sua parcela. Teoricamente, o consumidor fica livre dos ônus da propriedade. Na prática, pode pagar por todos eles de modo parcelado e antecipado.
Voltando à alternativa latino-americada ao leasing operacional, quem quiser recorrer ao financiamento balão terá de ficar esperto a duas questões. A primeira é que os financiamentos balão só valem a pena se você realmente quiser trocar de carro no prazo estabelecido. Se preferir continuar com o bem financiado no final do prazo, ele sairá mais caro do que em um financiamento comum. Mesmo que conte com juros menores. Isso porque, na prática, a amortização do financiamento é adiada, com um valor final maior a ser pago. Veja o exemplo do Audi Pass:
Audi Pass (juro mensal 1,19%)
A3 Sedan: R$ 99.990
Entrada: R$ 19.998 (20%)
Parcelas 1 a 23: R$ 2.270,39
Parcela final: R$ 49.995
Total pago: R$ 122.211,97
Financiamento normal – CDC (juro mensal 1,28%)
A3 Sedan: R$ 99.990
Entrada: R$ 19.998 (20%)
Parcelas 1 a 24: R$ 4.032,65
Total pago: R$ 116.781,60
Outro problema é que, entrando em um financiamento balão, você se compromete a comprar outro veículo exatamente da mesma marca, ainda que mais caro ou de outra linha. Serão alguns anos de convívio com a empresa. Se se encantar por um modelo diferente, de outra marca, ou se se decepcionar com a fabricante, perderá as vantagens do financiamento com parcelas menores. Antes de embarcar no financiamento balão, veja bem aonde quer chegar. Você tanto poderá ficar nas nuvens quanto completamente à deriva.