Quando falamos em motores boxer, a referência logo bate nos VW a ar, nos Porsche ou nos Subaru. Mas e se dissermos que até a Alfa Romeo já enveredou pelo terreno dos motores com cilindros opostos? Enveredar talvez não represente bem o que fez a marca de 1971 a 1997, aplicando motores deste tipo em diversos de seus veículos, incluindo o conhecido 145.
A história do motor boxer da Alfa Romeo começa com a do Alfasud, que não é menos interessante. No final dos anos 1960, a Alfa Romeo, que era controlada pelo governo italiano desde 1933, ganhou a missão de ajudar a industrializar o sul da Itália. A empresa faria uma fábrica em Pomigliano D’Arco, cidade próxima de Nápoles. Dali sairia um novo carro pequeno, designado de Tipo 901 em sua fase de projeto.
Para a missão, a Alfa Romeo trouxe de volta um cara que ela nunca deveria ter deixado sair: Rudolf Hruska, um engenheiro nascido em Viena, na Áustria. Em 1951, ele se tornou engenheiro consultor no projeto do primeiro Alfa Romeo de produção em massa, o 1900. Foi ele o responsável por transformar a fábrica de Portello, que contava com mão-de-obra artesanal para produzir carros de luxo, em uma fábrica moderna de alto desempenho.
Hruska entrou na empresa no começo dos anos 1950 por meio da Finmeccanica, braço automotivo do Istituto per la Ricostruzione Industriale (IRI), um órgão estatal que era o dono da Alfa Romeo. Ficou por lá, ajudando a criar coisas como o Giulietta até 1959, quando Balduccio Bardocci se tornou o novo presidente da Alfa Romeo e fez dele o gerente de produção de Portello. Saiu de lá um ano depois e trabalhou na Simca e na Fiat. O próprio Bardocci não ficou muito tempo na chefia da Alfa e foi substituído por Giuseppe Luraghi, um cara que entendia mais do negócio.
Quando estava na então concorrente da Alfa, em 1967, Hruska recebeu uma ligação de Luraghi com uma proposta irrecusável: ser o responsável não só pelo novo carro da Alfa Romeo, mas também pela fábrica de Pomigliano D’Arco. Seria ele o mentor da coisa toda. Hruska topou na hora. Em janeiro de 1968 ele apresentou os planos para o carro e para a fábrica à direção da empresa. Seria um carro familiar, compacto e de bom preço. Projeto aprovado.
A fábrica de Pomigliano D’Arco recebeu a pedra fundamental em 29 de abril de 1968. Dali em diante, Hruska tinha 48 meses para colocar o plano em pé. E isso incluía a fábrica e um carro com plataforma, suspensões, carroceria, transmissões e até motor inteiramente novos. E é justamente essa a parte que nos interessa.
Hruska teria projetado o motor com a ajuda de Carlo Bossaglia, mas, na SAE, quem aparece comentando aspectos técnicos do engenho como co-autor de um paper de Bossaglia é Domenico Chirico, engenheiro-chefe do projeto do Tipo 901. Bossaglia é certamente um dos pais do AS30100, nome do boxer da marca italiana.
O primeiro teste do motor aconteceu em 10 de julho de 1968. Ele tinha um deslocamento de 1.186 cm³, dois comandos de válvulas sobre os cabeçotes, quatro cilindros, arrefecimento a água e uma taxa de compressão de 8,8:1. Rendia 63 cv e 8,7 mkgf de torque. Seus pistões tinham 80 mm de diâmetro e 59 mm de curso. O bloco era de ferro fundido, com cabeçotes de alumínio com comando simples de válvulas, com apenas duas válvulas por cilindro, movido por correias individuais. Ele tinha três mancais principais e sistema de cárter seco, algo surpreendente para um carro que devia ser barato. Dá para entender a questão dos mancais assistindo a este vídeo.
O engenheiro responsável pelo trem de força e pela suspensão era Frederico Hoffman. O desenho ficou a cargo de um certo Giorgetto Giugiaro, que criou um modelo de 3,97 m de comprimento e 2,46 m de entre-eixos. Em novembro de 1971, Hruska antecipava o prazo de 48 meses para 43 meses, apresentando o Tipo 901 no Salão de Turim. Como o carrinho sairia do sul da Itália, seu nome de lançamento tinha de designar a origem, por questões políticas. Foi como surgiu o Alfasud (sud é sul, em italiano).
Além de equipá-lo (até 1984), o AS30100 1.2 também foi parar debaixo do capô do Alfa Romeo Arna (Alfa Romeo Nissan Autoveicoli), do qual derivava o Nissan Cherry, de 1983 a 1986, e também no Alfa Romeo 33.
Em vídeo, pelo menos, ele não parece ser tão musical quanto os demais motores da marca.
Pelo menos numa primeira impressão. Neste outro vídeo, ele soa muito melhor.
Em 1977, o curso dos pistões foi ampliado para 64 mm, subindo a cilindrada para 1,3 litros. A potência chegou a 68 cv, chegando posteriormente a 75 cv. Em 1978, o curso foi novamente alterado, chegando a 67,2 mm e a uma cilindrada de 1.351 cm³. Esta configuração foi parar sob o capô do Alfa 33, do 145 e do 146.
No mesmo ano, o diâmetro também cresceu, para 84 mm, com o mesmo curso de 67,2 mm do motor 1.350. Foi quando o motor AS30100 se tornou também 1.5, com 1.490 cm³. Este foi o maior motor a equipar o Alfasud, mas ele seguiu carreira depois da morte do compacto.
O AS30100 ainda recebeu mais dois aumentos de cilindrada. Em 1994, com um novo aumento de curso, para 72 mm, mantendo o diâmetro de 84 mm, chegou aos 1.596 cm³. Bem antes disso, em outubro de 1986, o Alfa 33 precisava de um motor maior. O AS30100 recebeu uma ampliação de diâmetro para 87 mm, com 72 mm de curso, e chegou aos 1.712 cm³.
Em janeiro de 1990, o AS30100 1.7 ganhou duas válvulas a mais por cilindro, além de um sistema de injeção eletrônica Bosch ML 4.1 Motronic. Rendia entre 129 cv e 137 cv. Equipou o Alfa Romeo 145, o 146 e o 33, já em sua segunda geração. Algumas unidades do 145 vieram ao Brasil com esse motor, talvez por importação independente. Na Europa, o motor é usado pelos preparadores até mesmo no Fusca:
Depois de 26 anos de produção ininterrupta, o AS30100 deixou de ser fabricado, em 1997. Um final melancólico de uma ideia que poderia ter sido mais bem explorada pela marca italiana. Como quase todas que ela teve até hoje. Se o Giulia e o SUV da marca emplacarem como se espera, tomara que ela ganhe a chance de ousar novamente.