Quando se pensa nos Ford da década de 1960, logo vem à mente o Mustang. Mas ele não era o único: havia o compacto Falcon, o grandalhão Galaxie e, no meio dos dois, o Fairlane (lembrando que um carro compacto americano dos anos 1960 é um carro bem grande para nós hoje). É injusto porque, apesar de não ter versões exatamente marcantes e nem ter chegado até os dias de hoje como um modelo tradicional, o Fairlane tem ao menos uma versão lendária: o Fairlane Thunderbolt, construído pela Ford para promover as vendas como se fazia na época — competindo e vencendo nas pistas.
Pistas de arrancada, no caso — a grande sensação da década de 1960 e, mais do que isso, a maneira mais legal de saber se um muscle car era rápido de verdade naqueles tempos. Depois vieram as corridas de turismo como a Trans-Am, mas na gênese do muscle car, em 1964, o negócio era saber qual era o mais rápido no quarto-de-milha, ou 402 metros.
O win on Sunday, sell on Monday (“Vença no domingo, venda na segunda”) era a norma — uma campanha bem-sucedida nas pistas, qualquer que fosse a categoria, era um belo passo em direção ao sucesso de mercado. A Ford já fazia isto muito bem com o Galaxie, que competia na Nascar com nomes como Fred Lorenzen, que dominou a categoria entre 1961 e 1966.
O desempenho excelente do Galaxie nos ovais era, em boa parte, possível graças ao V8 427 (sete litros) “high-rise”, assim chamado por ter o coletor de admissão e o carburador em uma posição cerca de 15 cm mais alta, de modo a fazer a mistura ar-combustível chegar às câmaras de combustão por um caminho mais direto e, consequentemente, otimizando a queima. A alimentação ficava por conta de dois carburadores Holley de corpo quádruplo, e a potência declarada era de 430 cv a 6.000 rpm — um número conservador, visto que na prática estima-se que a potência ultrapassasse os 500 cv.
O problema do Galaxie: era um carro pesado demais — mesmo na configuração aliviada para as pistas de arrancada, ele pesava quase 1.550 kg — beirando os 1.800 kg na versão de rua. Por isso a ideia de adotar o Fairlane que, menor e mais leve, não passava dos 1.450 kg. Na verdade, para as pistas de arrancada, havia um peso mínimo de 1.451 kg estabelecido pela NHRA, e o Fairlane só atingia este peso mínimo com o tanque cheio. Truques do automobilismo de outrora…
Os primeiros testes com o Fairlane equipado com o V8 427 foram feitos pela concessionária Tasca Ford, em Rhode Island, a pedido da matriz. O carro participou de algumas corridas regionais e, como desejado, passou despercebido por quase todo mundo — mas dizem que seus bons resultados foram determinantes na decisão da Ford de adotar o Fairlane nas drag strips. Não que houvesse outra escolha — o outro modelo, o Falcon, era pequeno demais, e o Mustang ainda não era mais do que uma promessa.
Escolhido o carro, que teria a dura missão de enfrentar os carros da Mopar, ficou decidido que a Detroit Steel Tubing Co., fornecedora de matéria prima para a Ford havia anos, seria a responsável por converter o Fairlane comum em um bólido de arrancada. Não era uma tarefa exatamente simples, visto que o cofre do Fairlane não havia sido projetado para receber motores maiores que o small block 289 (4,7 litros) da Ford: foi preciso reposicionar todos os componentes da suspensão dianteira e reforçar seus pontos fixação, além de cortar fora uma boa quantidade de metal. O capô também foi modificado com uma bolha em forma de gota que também abrigava um scoop do tipo ram-air para auxiliar no resfriamento do motor.
Esta, contudo, definitivamente não foi a única modificação. Para chegar ao peso mínimo permitido o Fairlane recebeu portas, para-lamas dianteiros e até o para-choque em fibra de vidro (mais tarde, trocado por uma peça de alumínio) e vidros de Plexiglas. Na dianteira, dois faróis deram lugar a dutos de ar para o motor, a bateria foi parar no porta-malas e a suspensão recebeu novas novos feixes de molas assimétricos e barras estabilizadoras mais reforçadas.
Ao todo, 100 carros foram fabricados. Eles tinham seus componentes fabricados pela Ford em Dearborn, Michigan, mas eram montados na Detroit Steel Tubing (DST — uma sigla infeliz para a gente…), com exceção dos 11 primeiros, que foram fabricados e montados pela Ford. Estes 11 primeiros carros eram vermelho “Vintage Brugundy” — os outros 89 carros foram pintados de branco “Wimbledon White”.
A transmissão podia ser manual de quatro marchas ou automática de três, da Lincoln. Em ambos os casos, as relações finais de diferencial eram otimizadas para as pistas de arrancada (4:57,1 para o câmbio manual, 4:44,1 para o automático) e tornavam os carros impraticáveis para uso urbano (ainda que muita gente se aventurasse).
De qualquer forma, não devia ser um carro muito confortável e o “legalizado para as ruas” ficava só na teoria — não havia rádio, climatizador, limpador de para-brisa do lado do carona, espelhos, tapetes, isolamento acústico ou mesmo macaco e estepe. Os instrumentos se resumiam a velocímetro e conta-giros, e os bancos eram o mais simples quanto fosse possível. All business aqui!
De qualquer forma, o Thunderbolt jamais foi feito para ser uma barca americana comum. Seu talento estava nas pistas de arrancada, cumprindo o quarto-de-milha em 11,61 segundos a 200,8 km/h com pneus de arrancada Mickey Thompson (aliás, o próprio Mickey Thompson recebeu um dos primeiros exemplares do carro).
O Thunderbolt foi feito para competir nas arrancadas, e assim foi feito — tanto que pouquíssimos exemplares sobraram, pois a maioria acabou destruída pelos anos de aceleração em linha reta. Os que sobreviveram, veja só, competem até hoje. É assim que deve ser!