Gerry Cunningham sempre sonhou com um Jaguar D-type, mas obviamente como brasileiro vivendo no Brasil (apesar da ascendência britânica), não podia ter um nos anos de mercado fechado a importações. Então comprou um Jaguar E-type que era de Roberto Carlos mas pegou fogo, e dele, em chapa, com apenas fotos de referência, criou uma réplica de D-Type.
Esta história, por si só, já faria dele um cara especial. Mas Gerry é muito mais que isso. Com seu sócio Donald Pacey, criou a Glaspac e introduziu o plástico temofixo reforçado com fira de vidro aos automóveis brasileiros. Fez carros de corrida, o primeiro DKW-Malzoni de fibra, ajudou os Interlagos. Produziu o primeiro Dune Buggy brasileiro e estacionou ele no Arpoador. Fez o Cobra nacional. E muito mais, como vocês verão abaixo. O que é apenas uma nota de rodapé em sua vida, seria o pináculo de muita gente hoje.
Gerry, hoje, mora em Portugal; em um dia na semana passada passou uma hora falando conosco, direto de sua bela casa de estilo mediterrâneo com vista para o mar. Aproveitando uma aposentadoria merecida, parou um minuto para nos ajudar a contar mais um pouco da história da indústria nacional. Eu adorei cada minuto; aposto que vocês também vão gostar.
MAO: Quando foi que você percebeu que o automóvel ia ser algo importante na sua vida?
Meu pai sempre gostou de carro. E ele dirigia muito bem. Além disso, nós morávamos em São Conrado (no Rio de Janeiro). O famoso Circuito da Gávea passava praticamente na frente de casa! Fui criado na época do Pintacuda! (Carlo Maria Pintacuda, italiano, que venceu na Gávea em 1937 e 1938 com Alfa Romeo, a primeira enfrentando o famoso Auto-Union de Hans Stuck. Talvaz um dos primeiros ídolos do automobilismo dos brasileiros, Pintacuda também venceu duas vezes a Mille Miglia, em 1935 e 1938)
Com dez anos de idade, eu ficava em pé na subida da Rocinha para ver a corrida. Passavam na minha frente. Eu vi Fangio, vi de Graffenried (Barão Emmanuel ‘Toulo’ de Graffenried, piloto suíço), é claro nosso Chico Landi, Froilán Gonzales (José Froilán Gonzales, o “Touro dos pampas’, famoso piloto argentino). Toda essa turma.
Eu saía de casa sozinho, a pé, e ia assistir a prova, sozinho. Ficava ali, em pé na guia, e a turma passando em frente, pertinho, a 250 km/h. Sem guard rail, sem nada.
MAO: Que coisa sensacional testemunhar isso tudo, Gerry. Como você conheceu o Donald Pacey, seu sócio na Glaspac? Vocês foram estudar juntos na Inglaterra, é isso?
Naquela época eles mandavam a gente para a Inglaterra estudar. Meu pai já nasceu na Argentina; meu avô veio para a Argentina em 1890. Mas eles eram britânicos. E os britânicos queriam que seus filhos preservassem a cultura e filosofia de seu país de origem. Então com 12 anos de idade eu fui despachado para a Inglaterra (risos). Com 12 anos! Peguei navio sozinho. A gente só via os pais uma vez por ano!
Depois a gente começou a vir de avião. Naquela época a gente voava de Lockheed Constellation. Que ia pingando escalas até Dakar, e ali fazia a travessia do Atlântico. Depois veio o Super Constellation, que conseguia fazer a travessia de 12 horas direto, sem reabastecer. Mas eram voos luxuosos, tinha até beliche para a gente dormir. Outros tempos.
O pai da Karen [a esposa do Gerry] fez a travessia no Graf Zeppelin. Ela tem os bilhetes da viagem até hoje. Voava a 500m de altura, ou seja, o povo ficava na janela, vendo a paisagem. Levava de três a quatro dias a travessia.
MAO: E na Inglaterra, como foi a vida?
Eu estudei lá até os 18 anos de idade, vindo ao Brasil uma vez por ano. Depois da escola fui ser fazendeiro. Meu pai tinha uma fazenda em Macaé/RJ, e eu fui para lá. Eu e meu irmão tocávamos aquela fazenda. Mas logo notei que um de nós era suficiente para o trabalho; além disso, tive um acidente com uma arma de fogo e perdi um dedo. Convalescendo no Rio de Janeiro em casa, me ofereceram um emprego na ICI; comecei a trabalhar lá e nunca mais voltei para a fazenda.
Depois fui trabalhar em São Paulo, numa empresa têxtil inglesa. Eles me mandaram, a trabalho, para a Irlanda do Norte. Eu trabalhei lá por uns dois anos. Lá eu dividia o apartamento com o Jimmy Reed, campeão irlandês em várias categorias de corrida. Depois disso fui para a Inglaterra, onde trabalhei na Firestone.
Na Inglaterra, eu fui fazer o curso da escolinha do Jim Russel [a escola de pilotagem de Jim Russel em Snetterton é uma das pioneiras, e famosa: Emerson Fittipaldi, Derek Bell, Danny Sullivan, Tiff Needell, Teddy Pilette e Jacques Villeneuve, todos passaram por lá]. Acabei arrumando um emprego lá; trabalhei para o Jim Russel. Era um faz-tudo por lá.
Aí comecei a pilotar para o Jim Russel. Ele tinha carros para a Fórmula livre, que veio antes da fórmula Ford; carros mais bravos, Ford 1600, bem mais preparados que os Fórmula Ford, e com pneu de corrida. Mas era uma categoria cara. Aí o Jim Russel meio que inventou a Fórmula Ford: o carro não podia custar mais que 1000 libras esterlinas.
O Jim Russel criou o Russell-Alexis, um monoposto de corrida, e foi um grande sucesso. Eu comprei um; o meu era chassi n° 7, um dos primeiros Russel-Alexis. Eu trabalhava para ele, corria para ele, e era instrutor na escola.
Fiquei na Inglaterra até 1967. Ganhei o campeonato do Jim Russel, mas estava sem dinheiro para continuar. Para viver tinha que trabalhar, e não tinha como ficar correndo atrás de patrocínios. Os que eu tinha, pagavam conforme o resultado: se chegasse em primeiro lugar, ganhava vinte libras, em segundo, quinze, e assim por diante.
Aí o Donald, no Brasil, tinha começado a Glaspac. Ele me disse: volta para cá, nós fazemos um Super-Vê (Fórmula VW 1600) para você correr aqui. Me ofereceu trabalhar com ele, e correr nos fins de semana. Aí em voltei para o Brasil. Mas nunca chegamos a fazer o Super-Vê para mim, infelizmente. A Glaspac precisava de muito trabalho, e precisávamos focar nela.
MAO: O Donald Pacey, seu sócio na Glaspac, vocês eram amigos de infância?
Nossos pais eram amigos. Vida muito parecida, pai inglês, também estudou na Inglaterra. Ele correu na Inglaterra também: primeiro de Morgan, de Austin-Healey Sprite, e depois com um Jaguar XK120. Ele estava fazendo faculdade na Inglaterra e, nas férias, quando não vinha para o Brasil, trabalhava na Speedwell, empresa do famoso piloto Graham Hill. Era um speed-shop: levava-se o carro lá para ser envenenado, equipado etc.
Foi lá que o Donald aprendeu a trabalhar com fibra de vidro. Eles faziam paralamas, esse tipo de coisa. O Donald depois voltou para o Brasil para trabalhar na Ferodo, com freios. A empresa fez uma fábrica no Brasil, mas fechou logo em seguida.
Aí, com 1500 dólares emprestados pelo pai, o Donald começou a trabalhar com fibra. Comprou algumas latas de resina, um pouco de fibra de vidro. Tudo importado: não existia absolutamente nada no Brasil. Começou fazendo caixas para carregar bobinas em indústria têxtil.
Eu voltei da Inglaterra e fui morar com ele; a Glaspac era na garagem da nossa casa no Brooklin. Fomos crescendo dali. A gente sempre teve interesse em automóveis, apesar de ganhar dinheiro mesmo com contratos industriais diversos. Logo fizemos o Buggy. Mas antes dele, teve as carrocerias dos Malzoni.
MAO: Vocês fizeram as carrocerias dos DKW-Malzoni?
Sim, antes de ser Puma. Um outro inglês que trabalhava com a gente acabou indo trabalhar para o Rino Malzoni em Matão/SP, fazendo as carrocerias para ele. Nós também tivemos uma pequena participação nos Alpine, quando a Willys começou a fazer os Interlagos em Santo Amaro, com o Christian “Bino” Heinz. Prestamos assessoria, pois éramos do ramo: a fibra de vidro ainda estava começando aqui, matéria prima toda importada etc.
A gente fez um acordo com a Cabrasmar (fabricante de lanchas e veleiros) no Rio de Janeiro, para reduzir custo: importávamos a matéria prima juntos, em maior quantidade. A Cabrasmar estava também começando a fazer barcos em fibra de vidro.
Nós começamos a fazer bancos para ônibus. E também a frente dos ônibus: a frente antes era feita a mão, dava um trabalhão. Em fibra ela vinha inteira pronta numa peça só, era só colocar vidro; o pulo do gato. Depois todos os bancos do metrô, as caixas de correio, os orelhões (telefones públicos), capacete à prova de bala para o exército… tudo que era de fibra a gente fazia.
Aí a gente começou a fazer algumas peças de fibra para o Chico Landi, para os carros de corrida que ele fazia. Antes os carros de corrida eram feitos pelo Toni Bianco, no martelo, em chapa. A gente começou a fazer em fibra. O Celso Lara Barberis morreu num carro com a carroceria em fibra feita por nós. No começo o Chico Landi tinha medo; não queria usar a fibra, achava que ia quebrar no retão, etc. Até a gente convencer ele foi complicado.
Depois foi ficando comum usar fibra. O Camilo Christófaro, o Ciro Cayres, todos usavam. Fizemos muita peça para o pessoal das corridas. Porta de Simca em fibra… tanque de combustível. Aquilo foi um achado para o pessoal de competição. Antes para fazer de alumínio no martelo era dificílimo. Só o Toni fazia, não tinha mais ninguém.
Aí meio que por osmose entramos na história do Buggy. A gente gostava da coisa; a matéria prima estava na mão; Fusca tinha aos montes por aqui. Aí nós pegamos um modelinho de Meyers Manx em escala, pequeno, um Hot Wheels da vida, e dele fizemos um modelo 1:1.
MAO: Peraí. Vocês fizeram o Buggy Glapac a partir de um modelo em escala pequena? Aumentando?
Sim. Sem falar com o Bruce Meyers, sem nada. Nós mudamos um pouco o perfil do capô para ficar diferente, mas só. Era basicamente o Meyers Manx sem tirar nem por (risos). A gente encurtava o chassi do Fusca em 35 cm, e pronto. Nós lançamos aquilo: o Claudio Larangeira fotografou e ele saiu na capa da Auto Esporte.
A fábrica ficou inundada de pedidos. A boiada entrou. A molecada ficou louca com aquilo. Na frente da Glaspac tinha um terreno baldio na época. A gente fez uma rampinha lá na terra, eu ia lá, dava uns cavalos de pau, dava uns dois pulos e pronto: a molecada subia para o escritório e fazia o cheque, na hora (risos).
O segundo Buggy eu fiz um cor-de-rosa, e fui guiando até o Rio de Janeiro. Todo policial me parava, para dar uma olhada: era um ET, algo incrível, na época. Um dia parei ele no Arpoador: a praia parou, juntou literalmente uma multidão. Os carros me seguiam nas ruas, fazia congestionamento… aquela viagem ao Rio foi algo realmente incrível. O primeiro Buggy do Rio!
Era algo incrível. Não tinha opção, importação proibida. Até o povo das telenovelas nos pedia carros para aparecer nelas. Chegamos a fazer 30 Buggys em um mês. A gente vendia só em kit, não queríamos montar. Tinha uma oficina perto, fizemos um acordo com eles para mandar o kit, e eles montarem o carro para os clientes.
Nós chegamos a fazer Buggy zero km também; mas naquela época a gente tinha que comprar o Fusca inteiro, depois vender a carroceria; a VW não vendia só o chassi. A gente vendia as carrocerias para uma frota de taxi.
Fizemos os Buggies por um tempo, até mais ou menos 1972, e depois demos os moldes para a B.R.M., que era aquela oficina lá que montava os Buggys para a gente. Nós fizemos coisa de 2.000 Buggies Glaspac.
MAO: Não valia mais a pena fazer?
Nosso negócio era industrial, valia a pena mesmo pedidos que geravam produção constante, como peças para ônibus e coisas assim. A gente fazia esses Buggy porque a gente gostava.
Mas aí, mais ou menos 1969, eu ia para um casamento de uma prima na Inglaterra. Todo dia, a gente almoçava no clube inglês em Santo Amaro, perto da fábrica. A fábrica de volantes dos Fittipaldi ficava colada com a nossa. Então a gente sempre se encontrava no clube inglês: o “Barão”, o Wilsinho, o Emerson, as vezes o Moco. Aí como eu ia para lá, falei com o Emerson: vamos junto poxa. Vamos comigo, te ajudo lá. Você já ganhou tudo que tinha para ganhar aqui. Ele era extremamente acanhado na época. Mas topou. Vendeu carro de rua, carro de pista, tudo que tinha, e topou ir comigo.
A aeromoça da viagem era a Maria Helena Dowding, que acabou se casando com ele: se conheceram lá. Eu apresentei: ela era da colônia inglesa afinal de contas, e eu já a conhecia.
Chegando lá na Inglaterra, minha prima, que foi embora logo de lua-de-mel, claro, deixou a casa dela em Wimbledon, e o seu Mini Cooper, com a gente. Aí comecei a apresentar o Emerson por lá; levei ele no Jim Russel, no Frank Williams, na Lotus. Mas ninguém ligava; brasileiro era raro por lá então.
Falei para ele: o negócio é comprar um Formula Ford. Ele queria comprar um Fórmula 3, mas era caríssimo, e ele não tinha muito dinheiro; fomos atrás do Formula Ford. Levei ele no cara que preparava meus motores, Danny Roland. Combinei de deixar o Emerson com ele: estava desamparado, não falava inglês e tal. O Danny disse que o deixaria trabalhar para ele, alugava um apartamento, dava dois motores e o levava para as corridas. Com ajuda do Danny, inclusive, o Emerson “furou a fila” que existia para entrega de chassis Merlin, e recebeu o carro a tempo de começar a temporada. E logo de cara começou a ganhar. Ganhou 16 corridas na primeira temporada.
Mas quando compramos o carro, acabou o dinheiro do Emerson. Tivemos que mandar um telegrama para o “Barão”, pedindo mais dinheiro. O pai de Emerson não tinha dinheiro para mandar, mas o Donald da Glaspac emprestou, e o Emerson recebeu o dinheiro. Com essa remessa, eu e o Emerson compramos para ele um Ford Cortina, para rebocar o carro de corrida, e se movimentar no país. O Emerson chamava o Cortina de “Persiana”, porque para chegar a ser Cortina, ainda tinha que evoluir (risos).
Quando eu fui embora de volta para o Brasil, o Emerson, que ainda não falava inglês, e era acanhadíssimo, chamou o Chico Rosa para ajudar ele lá. O Chico foi, e foi o que viabilizou a estadia, e o sucesso, do Emerson por lá. Antes de ir embora tive que ajudar a validar a carteira de competição do Emerson na RAC.
O Emerson foi muito bem nessas categorias iniciantes. Era jovem mais muito experiente já, enquanto a molecada que andava contra ele estava de fraldas.
MAO: E o Super Buggy?
Sim, fizemos! Tinha porta guilhotina, antes da Lamborghini! Lambo-door antes da Lambo. Nós fizemos, mas era muito sofisticado, e não tinha o mesmo espírito do Buggy. Fizemos dois deles, mas não levamos adiante.
MAO: Era uma cópia do Manx SR correto?
Sim! Foi mais difícil fazer, não havia modelo em escala, foi todo desenhado em cima de fotos. Mas era sofisticado e caro demais, desistimos.
Lembrei de algo: lembra os pneus Dune Buggy, que pareciam pneus de avião? Então, o presidente da Goodyear, americano, queria dar um Buggy para o filho. Aí conversando, ele resolveu trazer os moldes dos pneus Dune Buggy para fazer pneus aqui, e assim tivemos eles. Era uma época diferente; a turma gostava da brincadeira e nos ajudava.
Foi a mesma coisa com o Cobra. Quando a gente começou com o Cobra, tivemos muito apoio por exemplo da Chrysler, da Ford. Ajudavam muito a gente, mandavam engenheiros se fosse o caso. A Chrysler queria muito que usássemos o V8 deles. Preferimos o Ford por motivos óbvios: era o motor do Cobra original. Mas a Chrysler deixou a gente usar os pneus que ela pagou para uso nos Charger, os mais largos disponíveis no Brasil.
Também tínhamos bons contatos lá porque ajudamos no facelift final dos Dodge nacionais: originalmente aquelas frentes e traseiras novas eram um metal, ferramentadas a custo impossível para o Brasil. Mas fizemos em fibra para eles, viabilizando o facelift. Fizemos em fibra prensada, que era tecnologia nova.
Mas a Ford ajudou a gente também bastante, com câmbio, e motor. Os motores vinham na caixa para a gente, zero km, da Ford.
MAO: Vocês usaram a caixa de direção do Dodge Polara no Cobra, correto?
Sim, de pinhão e cremalheira, porque a do Opala era de braço Pitman. O Farol era do Rural Willys, por exemplo. Pegávamos o que podíamos pronto, claro.
O Cobra sempre foi um carro de sonho para mim, junto com o Jaguar D-type. Um amigo meu conhecia o David Hurlock, dono da AC na Inglaterra, e por meio dele nos encontramos com ele na Inglaterra. Dissemos que queríamos um Cobra, era nosso sonho, mas o Brasil era um deserto para quem gosta de carros. Que a gente queria fazer um carro para nós.
O Hurlock era um gentleman. A fábrica, a AC, tinha 100 anos já na época. Pois bem, ele nos deu os desenhos todos do carro, sem cobrar nada. Disse só para não usar a marca Cobra, que era da Ford. Nós voltamos com a idéia de fazer dois carros, um para mim, outro para o Donald.
Mas chegando aqui, vimos que o chassi era de tubos grandes dobrados; não tínhamos equipamento para isso. Usamos tubos quadrados soldados. Usamos a suspensão dianteira do Opala, e na traseira o eixo rígido do Galaxie, mas com molas helicoidais. As molas dianteiras eram do Opala seis com ar-condicionado. E caixa de direção de Doginho.
Mas nossa ideia ainda era fazer dois carros, só. Mas aí ia acontecer o salão do automóvel de 1981, e resolvemos mostrar o carro lá. Compramos um estande pequeno, e mostramos o primeiro carro nele. Foi um sucesso tremendo; não tinha carro esporte de verdade, com desempenho realmente no Brasil. Era só carro com chassi de Brasília.
Tivemos que cercar o estande, senão ninguém via o carro, de tanta gente! Vendemos 18 carros no Salão, assim de cara; e não era algo barato. Aí dissemos, bom, agora precisamos dar um jeito de fabricá-los! (risos)
Um cara comprou o primeiro carro, queria o carro do Salão. Quando acabou o Salão, uma sexta à noite, o cara pegou o carro e foi direto para o Guarujá. Fez um enorme sucesso lá, todo mundo lembra do carro lá. Mas ele acabou rodando e entrando num poste de ré; fugiu para casa. Mas chegando lá, tinha rompido o tanque, e o carro pegou fogo! E queimou a fiação do poste do lado, fazendo o Guarujá ficar sem luz! (risos) Então o primeiro carro acabou assim, não sobrou nada.
Mas começamos a produção, e foi muito bem. Os engenheiros nossos eram o Carlos Mazzeo e o Henrique Carmona, que nós pegamos da Envemo. Eles eram os caras das réplicas de Porsche na Envemo. Eram super competentes.
MAO: A carroceria do Cobra, como fizeram?
Com a ideia de ir ao salão, não existia tempo de se fazer um molde. Compramos a carroceria de um Stallion, uma réplica de Cobra nos EUA. E em cima dela, modificamos quase tudo, mas serviu de base. A traseira por exemplo, era muito mais larga pelo eixo de Galaxie, etc. O nosso ficou muito mais bonito. Em três meses fizemos tudo, um carro novo do zero.
MAO: E qual a participação do Ingo Hoffmann e do Camilo Christófaro no projeto?:
O Camilo fornecia os carburadores Holley “Quadrijet” e coletores, para os nossos clientes que pediam. Ele tinha, não me pergunte como, não podia na época importar, mas… a oficina dele era uma bagunça, e eu desconfio que ele deixava assim para não se achar nada mesmo, se batesse uma fiscalização.
Já o Ingo era amigo nosso, mas não ajudou em nada não. Quem guiou o carro foi o Emerson. Ele disse que tinha muito bump-steer, e por isso fizemos modificações. Num dos testes de revistas, em Interlagos, o fluido de freio ferveu: o burrinho era muito próximo do escape; mudamos também isso.
O carro não deu quase problemas. Andei muito com eles, inclusive debaixo de chuva sem capota! Ia para o Rio para reuniões etc. Nunca tive problema. É muito simples, baita motor, aquele, roda com folga.
MAO: Fale um pouco das outras versões do Cobra Glaspac, por favor.
Quando parou de se fazer o Galaxie, a gente acabou comprando os motores do Opala seis cilindros. Aí colocamos também eixo traseiro de Opala, o que obrigou a gente a mudar a carroceria atrás, “afinando” a traseira. Ficou bonito, mais próximo do original inglês. Mas tecnicamente nunca gostei: barulho estranho, menos equilibrado. Uma meia dúzia saiu assim.
Depois fizemos uns cinco carros para a Inglaterra, com direção do lado direito, também com diferencial de Opala.
MAO: Exportação, como foi?
Tínhamos um representante no Texas, que pedia carros sem motor e câmbio, que eram instalados lá. Foi um sucesso. Tem esses cinco na Inglaterra, mandamos também para a Suíça. De lá acabaram alguns no Japão até. Mas para exportar aqui do Brasil é muito complicado. Não tínhamos como correr atrás disso.
O nosso representante no Texas foi o cara que trouxe o Chuck Beck para o Brasil, que culminou na criação da Chamonix. Era para a gente fazer o carro, mas não tínhamos como fazer mais um carro, estávamos ocupados com outras coisas.
MAO: Quantos Cobra no total?
Ao redor de 200 carros.
MAO: Eu estive no salão de 1984: além do Cobra tinha um Thunderbird e um carro de fórmula no estande. O que foram estes projetos?
Era um Fórmula Ford! Nós fizemos para a Ford. A Ford queria patrocinar a Fórmula Ford no Brasil, e pediram para que fizéssemos a carroceria do carro que projetaram. A gente tinha bom acesso lá com eles, principalmente com o Luc de Ferran. Disse para ele que fazia o carro inteiro, não só carroceria.
Eu queria trazer um chassi Van Diemen inglês; a irmã do Jim Russel era casada com o Ralf Firman, fundador da Van Diemen, então eu conhecia ele por aí. Morei com o Ralf na Inglaterra quando ele era mecânico no Jim Russel. Mas o Luc não queria, queria usar peças de Corcel. O carro então nasceu morto por isso. Mas eu fiz 100 carros para ele, testava na rua em frente à Glaspac. Mas o próprio Gil de Ferran trouxe um carro inglês para correr; nem o filho do Luc usou o carro dele. Eles acabaram na escolinha do Aldo Piedade.
Quando acabou o Cobra, a gente resolveu fazer o Ford Thunderbird. O Batista tinha um carro, e emprestou. Mas o carro tava todo torto; os dois primeiros meses foram restaurando o carro dele, para tirar o molde.
Mas nesse processo, o Donald faleceu subitamente. Eu continuei com o carro. Eu e o Alex Dias Ribeiro fomos vender ele nos EUA, e um comprador prometeu comprar 7.500 carros. Voltei para o Brasil com a missão de financiar uma fábrica para 7.500 carros.
Arrumei financiamento em bancos, não foi um problema. Eram dez milhões de dólares. Mas sem o Donald, e com um cliente só que poderia sumir, morrer, sei lá… Não tive coragem. Confesso que afinei. Foram feitos só dois protótipos do Thunderbird no fim.
Continuamos fornecendo peças plásticas. A Mercedes-Benz era nosso melhor cliente, faturando um milhão por mês só com ela. Tinha Scania, Fiat, etc. Volume era onde a gente ganhava mesmo.
Era o nosso negócio de verdade né? Fazer automóveis era paixão. Não era nosso ganha-pão. Deu certo, mas não era nosso negócio. Hoje a Glaspac é conhecida por isso, veja só.
Fazer carro nunca nos deu dinheiro de verdade. Era, então, pura filantropia.