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Car Culture

Guia de preparação: uma receita básica e eficiente para o motor CHT

Não estranhe, mas vou começar este guia falando de um cupê italiano que jamais chegou perto de qualquer coisa feita pela Ford do Brasil. Trata-se do Lancia Fulvia HF Coupé — primeiro campeão mundial de rali, antes mesmo da criação do atual Mundial de Rali, o WRC. Conheci o carro relativamente tarde — há cerca de 20 anos — e, por ser um carro de rali, fiquei deveras surpreso ao descobrir que ele é um carro de tração dianteira. Sim, ele venceu o Escort RS1600, uma lenda dos ralis, mesmo com a tração das rodas “erradas”.

Anos mais tarde vi um destes pessoalmente e lamentei a inacessibilidade desse modelo por aqui. A Lancia, afinal, jamais foi oferecida oficialmente no Brasil, e não há muitos destes disponíveis no mercado — mesmo na Europa. Aquele exemplar vermelho e preto, contudo, me lembrou um outro “esportivo” contemporâneo do Fulvia — e com visual inspirado em seu rival dos ralis na temporada de 1972: o Ford Corcel GT XP.

No papel eles são parecidos: motor dianteiro à frente do eixo, tração dianteira, suspensão dianteira independente, traseira com eixo rígido e freios a disco na dianteira. Na prática, eles não poderiam ser mais diferentes. A suspensão do Corcel GT era exatamente a mesma do Corcel básico, voltada para proporcionar conforto nas ruas brasileiras dos anos 1970. O motor do Corcel GT, ainda que um pouco mais temperado que o 1.3 original, ainda era fraco para o peso do carro com 85 cv brutos para pouco mais de 900 kg. Já o Fulvia tinha um belo V4 de ângulo estreito com comando duplo no cabeçote e potência líquida variando de 80 cv a 115 cv.

Foi pensando nisso que comecei a imaginar “e se…” o Corcel tivesse um motor 1.6 como o Fulvia HF? “E se…” esse motor tivesse perto de 110 cv, como o italiano?

A primeira coisa que me veio à mente foram os pacotes de preparação da Bino para o Corcel, oferecidos pela concessionária Ford de mesmo nome nos anos 1970. O pacote consistia em camisas, pistões e anéis para aumentar o deslocamento de 1.289 cm³ para 1.440 cm³, um comando de válvulas de maior duração e levante, um novo cabeçote com fluxo otimizado, um novo coletor para carburação dupla, cárter e tampa de válvulas de magnésio e escape Kadron redimensionado.

Era um conjunto caro e pouco eficiente: chegava aos 90 cv mas custava quase metade de um Corcel, se comprado com todos os acessórios de estilo e instrumentação — console, quadro de instrumentos, volante Fórmula 1 e rodas de liga leve. Além disso, é impossível encontrar um kit destes atualmente, já que não foram feitos muitos.

A solução então é apelar para o futuro do pretérito: o Corcel II. Lançado em 1978, ele manteve o motor Sierra original, desenvolvido pela Willys/Renault/Ford nos anos 1960 até o final de 1983, quando passou a usar a evolução deste motor, o “Compound High Turbulence”, mais conhecido como CHT. O motor CHT tem praticamente o mesmo desenho de bloco e pontos de fixação do motor original, porém o bloco é reforçado e há a opção 1.6 que, originalmente, tinha 67 cv líquidos. Ainda está longe do Fulvia, mas ao menos agora há uma maior potencial de preparação. E ele não serve apenas para o Corcel…


A receita básica do CHT

A receita é testada e aprovada pelo tempo — especialmente pela turma do Escort. Este guia, aliás, vale para ele também, afinal é o guia do CHT e não do Corcel GT, que foi só o meu pretexto para esse assunto. A preparação é, basicamente, a mesma do CHT Fórmula, usado no XR3 original.

Você pode procurar um motor Fórmula original a álcool, claro. Mas se não encontrá-lo, basta trocar o comando de válvulas pelo do XR3, identificado pela letra H, que tem 292 graus de duração, 72 graus de cruzamento e 6,2 mm de levante. Há três engrenagens para o comando — duas identificadas pelas letras A e B e uma terceira com chaveta para alterar a posição de cruzamento das válvulas. A diferença são dois graus de atraso de B em relação à A. A engrenagem com chaveta tem os mesmos dois graus de atraso da B, com uma variação para quatro graus de atraso. O caminho aqui é usar a engrenagem B ou a engrenagem de dois pontos, se você encontrá-la.

Ainda falando do trem de válvulas, apesar de haver recomendações de substituição das varetas e balancins, o recomendado é usar o conjunto dos CHT mais novos, da fase da Autolatina, e verificar se a geometria está correta. As varetas e balancins originais são leves e resistentes, e toleram bem altas velocidades do motor.

No cabeçote mantenha o fluxo original, porém se o motor for originalmente a gasolina, ele deve ser rebaixado para atingir uma taxa de compressão entre 12:1 e 13:1. No passado, preparações para corrida usavam até mesmo taxa 14:1, sempre com etanol, mas era necessário angular o cabeçote para não atropelar as válvulas. Nesta preparação de rua, a taxa mais baixa e os pistões do motor a álcool são suficientes. Recomenda-se também trocar o virabrequim original pelo virabrequim do Fórmula, que tem menos contrapesos e, por isso, é mais leve.

O motor CHT chegou a ser vendido com injeção eletrônica, porém com sistema monoponto, usando o mesmo coletor do carburador. Atualmente há coletores de admissão para adaptação de sistemas multiponto, porém são projetos feitos de forma empírica, por tentativa e erro. A maioria dos projetos baseados no CHT usa o bom e velho carburador Weber 460, com duplo estágio mecânico, e sem a parte encapsulada progressiva. Para completar a preparação do motor, escolha um coletor de escape redimensionado, 4×1.

Essa receita básica, com os ajustes finos do conjunto reciprocante, geometria dos balancins e acerto otimizado do carburador deve render entre 110 cv e 115 cv — um número significativamente melhor que o original, seja ele os 67 cv do Corcel, os 76 cv do Gol, os 78 cv do Escort ou os 83/86 cv do XR3. E ainda tem a transmissão, para ajudar no desempenho real.


Transmissão

Para o Corcel e derivados há duas opções de quatro marchas e duas de cinco marchas. As de quatro marchas são as mais simples de se instalar, pois não exigem adaptação do trambulador e varões. A chamada caixa “curta” de quatro marchas foi usada no Corcel I — as relações eram: 1ª 3,62:1; 2ª 2,26:1; 3ª 1,48:1 e 4ª 1,03:1 com diferencial 4,13:1. A caixa de quatro marchas “longa”, veio no Corcel II, com as seguintes relações: 1ª 3,46:1; 2ª 2,21:1; 3ª 1,42 e 4ª 0,97, com diferencial 3:88:1. Os câmbios de cinco marchas precisam de adaptação do trambulador ou do assoalho, caso seja usado o trambulador do Corcel II/Del Rey. Eles são idênticos aos de quatro marchas, com uma quinta marcha externa de relação 0,86:1.

Seja qual for sua opção, você precisará da capa seca usada com o motor CHT, pois a furação é diferente do motor Sierra. Outra observação: o câmbio de cinco marchas do Del Rey (seja no sedã ou nas peruas Belina/Scala) tem o suporte diferente: o coxim é afixado à longarina, que teve um reforço por embuchamento para suportar o câmbio e prevenir infiltração e consequente corrosão. No Corcel o câmbio é suportado por uma travessa inferior, sob a extensão da quinta marcha. Por isso, se usar o câmbio do Del Rey, é preciso fazer o mesmo reforço nas longarinas.

Para o Escort o câmbio recomendado é o do Escort Hobby 1.0, escalonado para aproveitar ao máximo os modestos 52 cv do motor, mas que, combinado a um motor mais potente, se mostra um bom câmbio esportivo. A instalação é “plug ‘n’ play”. e as relações são 1ª 4,20:1; 2ª 2,23:1; 3ª 1,52:1; 4ª 1,12:1; 5ª 0,92:1, com diferencial 4,14:1. Como comparação, o câmbio dos demais Escort 1.6 tem 1ª 3,15:1; 2ª 1,91:1; 3ª 1,27:1; 4ª 0,95:1; 5ª 0,75:1 com diferencial 4,29:1 no XR3 e 3,84:1 nos demais.

Se o carro for um Gol ou derivados, a pedida é o câmbio do Gol 1000 — que também é instalado sem adaptações. É possível ainda usar este mesmo câmbio do Gol 1000 no Corcel e derivados, mas também com adaptações do trambulador e assoalho.


Agradecemos ao Gustavo Silva e ao Luiz Cláudio Leão pelas dicas de preparação usadas nesse guia!