Um protótipo dos anos 1960, com um visual que não é muito diferente do que se vê em um Porsche 908, por exemplo. Linhas arredondadas, harmônicas e aerodinâmicas, com um cockpit ao estilo canopi, rodas bem nas extremidades da carroceria e perfil baixo, colado no chão. Mas aí seus olhos vão acompanhando o comprimento do carro, e você nota que há algo diferente. Uma cobertura de metal escovado, sem pintura, que parece “encaixada” no carro depois que ele já estava pronto. E três brotando da parte superior da traseira. É como dizem: “algo errado não está certo”.
A ideia de um carro movido a “turbina” – ou seja, um motor turbojato – é explorada há décadas pela indústria automotiva. Na segunda metade da década de 1950, por exemplo, a Chrysler começou a desenvolver um conceito, habilmente batizado Chrysler Turbine Car, para encarar o Chevrolet Corvette e o Ford Thunderbird. O carro era movido por um motor turbojato Chrysler A-831, capaz de entregar 130 cv a 36.000 rpm e 58,7 mkgf de torque.
Era um motor relativamente leve, que dispensava um sistema de arrefecimento e, com ausência de partes móveis como pistões, bielas e virabrequim, era simples e capaz de queimar diversos tipos de combustível, como diesel, gasolina (sem chumbo), querosene e combustível de aviação. Foram feitos 50 exemplares entre 1963 e 1964, mas no fim das contas os turbojatos foram considerados impróprios para uso automotivo.
O que não impediu o piloto Ray Heppenstall de imaginar o quão competitivo seria um carro de corrida movido por um turbojato. Ele então chamou um colega, Tom Fleming, para lhe ajudar a conseguir apoio da indústria – Fleming, na época, era vice-presidente da Howmet Corporation, empresa especializada em ligas metálicas utilizadas por companhias aeroespaciais – e ele conseguiu convencer a Howmet a participar diretamente da empreitada. Fleming só precisou dizer que, caso seu carro de corrida com motor turbojato se saísse bem nas pistas, a publicidade conseguida seria valiosíssima.
O carro em si, batizado Howmet TX, foi construído por outra empresa, a McKee Engineering, fundada pelo engenheiro Bob McKee, usando como base um projeto já existente para competir na Can Am em 1966 – o McKee Mk9 – adaptado para receber um motor Continental Aviation & Engineering TS325-1.
Este havia sido construído para um helicóptero experimental feito para a Força Aérea norte-americana, mas o projeto foi abortado e o motor estava “sobrando” no estoque da Continental – ou seja, não foi muito difícil para a Howmet colocar as mãos em duas unidades. A primeira foi utilizada no chassi adaptado do McKee Mk9, enquanto a segunda foi colocada em um segundo carro construído do zero para utilizar o motor turbojato, com entre-eixos mais longo. Ambos os motores eram idênticos, pesando 77 kg cada um, e capazes de entregar 350 cv e 89,7 mkgf de torque. A rotação máxima era de 57.000 rpm.
Em vez de um câmbio tradicional, o motor era ligado à roda traseira por uma única engrenagem de redução – e por isso o Howmet TX não tinha marcha à ré. Como a FIA exigia que os carros fossem capazes de andar para trás, foi instalado um motor elétrico em cada uma das unidades para realizar esta função.
Embora o motor turbojato não pudesse ter seu deslocamento medido como um motor de combustão interna, a FIA utilizou uma fórmula de equivalência para colocar o Howmet TX na categoria “até três litros” do Grupo 6, definindo seu deslocamento como equivalente a 2.960 cm³. Os carros também tinham suspensão independente por braços sobrepostos nos quatro cantos, além de um tanque de combustível de 120 litros posicionado entre o habitáculo e o motor.
Após alguns meses de trabalho os dois carros, #GTP1 e #GTP2, ficaram prontos a tempo das 24 Horas de Daytona de 1968, primeira corrida do WSC naquele ano. Apenas o segundo carro participou da corrida – o primeiro serviria de reserva – com os pilotos Dick Thompson e Ed Lowther revezando ao volante.
Em um grid povoado por ícones como o Ford GT40, o Porsche 908 e a Ferrari 250LM, o Howmet TX #GTP2 conseguiu classificar-se na sétima posição e vinha fazendo uma boa corrida… até que, na 34ª volta, uma falha na válvula wastegate do turbojato – a peça encarregada de dosar a quantidade de combustível no motor e evitar sobrecarga – apresentou uma falha e, como consequência, uma rajada de força tirou o carro do curso e o fez bater em um muro. A equipe preferiu não utilizar o carro reserva e, em vez disto, preparou o carro principal para o evento seguinte, as 12 Horas de Sebring, alguns meses depois.
Durante a corrida o carro e o motor funcionaram sem problemas – até que, por conta dos impactos com resíduos na pista, o turbojato acabou se soltando dos suportes e, com seis horas de prova, a Howmet precisou abandonar a corrida novamente.
Depois de uma breve incursão por circuitos do Reino Unido, como Oulton Park, o Howmet TX foi levado de volta para os EUA para competir em provas do SCCA, o Sports Car Club of America – e foi quando ele conseguiu sua primeira, em uma corrida no circuito de Huntsville, no estado do Alabama. Uma segunda vitória aconteceu nas 300 Milhas de Marlboro, com um dos Howmet TX terminando a corrida na primeira colocação com 11 voltas de vantagem sobre o segundo lugar. Ainda que o carro não tenha conseguido o mesmo sucesso nas 6 Horas de Watkins Glen, com apenas um dos carros chegando ao pódio, foi o bastante para motivar a equipe a tentar a sorte nas 24 Horas de Le Mans.
Problemas mecânicos impediram um bom desempenho dos protótipos com motor de helicóptero no circuito de La Sarthe: ambos ficaram nas posições 22 e 23 do grid e ambos deixaram a prova na nona hora – o primeiro por um acidente. O primeiro foi eliminado por conta de um reparo em um rolamento de roda que levou nada menos que três horas, enquanto o segundo sofreu um acidente.
A Howmet decidiu que não participaria de corridas com os carros em 1969, pois o investimento era alto e os resultados até então não justificavam os gastos. Em vez disto, ele preparou o Howmet TX para disputar recordes de velocidade. Após seis recordes reconhecidos pela FIA com Heppensthal ao volante, os carros foram aposentados em 1971.
A Howmet vendeu ambos os chassis de volta a Heppenstall por um dólar cada (sem os motores, que tiveram de ser devolvidos à Continental), e não muito tempo depois ele próprio os revendeu. Ambos foram restaurados e pertencem a colecionadores, sendo que um deles recebeu um turbojato Allison 250C18 – a adaptação foi feita com a ajuda do próprio Bob McKee, que também construiu dois outros carros para si utilizando um chassi extra. Os três carros funcionais aparecem de tempos em tempos, participando de eventos para carros de corrida clássicos. O som produzido pelo turbojato é inconfundível.