Apesar da conversão de praticamente todos os fabricantes para o desenvolvimento de powertrains elétricos e do prazo de validade dos motores a diesel e gasolina decretado por alguns países, o motor de combustão interna, contrariando as previsões mais fatalistas, ainda terá uma longa vida pela frente. Pode apostar que eles estarão por aí por, no mínimo, mais vinte ou trinta anos.
Não se trata de descreditar os motores elétricos ou os cientistas que desenvolvem novas tecnologias de baterias, muito menos de defender os interesses de petrolíferas — que já estão investindo nos elétricos, aliás. A realidade é que uma mudança da matriz energética como a proposta envolve bem mais elementos do que baterias e rede de recarga — ainda temos a questão da produção das baterias e da energia elétrica para ficar na superfície do assunto.
O principal empecilho é que se trata de uma quebra de paradigma. Antes de abraçar uma nova tecnologia, ela precisa ser adequada às nossas necessidades e validada pelo uso. Mesmo que em cinco anos alguém descubra uma tecnologia que torne os carros elétricos tão baratos e práticos quanto os carros a combustão, sua adoção em massa só acontecerá depois de seu uso prolongado ao longo do tempo. O carro não substituiu a carruagem de imediato; foi preciso algum tempo até que as pessoas topassem trocar seus confiáveis cavalos por uma máquina que ninguém conhecia direito. Além disso, os carros a combustão têm mais de 130 anos de desenvolvimento. Há mais de um século as pessoas estão confiando em seus carros e sendo correspondidas por eles.
É por isso a transição para os elétricos será bem mais longa do que se imagina: estima-se que em 2050 mais de 60% dos veículos leves ainda terão um motor de combustão interna — ainda que combinados a motores elétricos.
Primeiro porque o entrave tecnológico não é o motor, mas sua alimentação. Baterias são simples e ao mesmo tempo complicadas. Sua eficiência muda de acordo com as condições climáticas, sua recarga é limitada pela velocidade de reações físico-químicas, sua produção depende de recursos finitos e de reciclagem. Mas acima de tudo, ainda não há convergência tecnológica para reduzir o custo e acelerar o desenvolvimento.
Assim, enquanto os carros elétricos vão sendo desenvolvidos e testados e validados no mundo real como deve começar a acontecer a partir de 2020, a missão de transportar as pessoas por longas distâncias ainda ficará a cargo do motor de combustão, quase sempre auxiliado por um motor elétrico de baixa tensão. E como os níveis de emissões e de consumo/autonomia estão cada vez mais rígidos, eles também precisarão evoluir.
Isso explica porque a Mazda continua investido em seu Skyactiv, que agora queima gasolina por compressão como um motor diesel. Explica por que a Infiniti/Nissan investiu em um motor de compressão variável. Por que a Mercedes investe uma carreta de dinheiro na F1, onde descobriu como atingir 50% de eficiência em um motor de combustão interna? Por que a Toyota está fazendo um novo tipo de CVT se carros elétricos não precisam dele? Todas estas iniciativas mostram que os motores de combustão ainda têm uma boa margem para melhorar em todos os seus sistemas. Até mesmo a ignição.
Desde que Karl Benz desenvolveu o motor do Patent Motorwagen no final dos anos 1870, os motores de combustão interna a gasolina (ou álcool/metanol) usam uma centelha produzida por uma vela, que recebe uma descarga elétrica. Hoje o controle é eletrônico e os eletrodos usam materiais mais eficientes, mas o sistema é exatamente o mesmo.
Isso pode mudar, contudo, se uma empresa alemã chamada Micro Wave Ignition (ou MWI) conseguir viabilizar seu projeto de ignição por micro-ondas. Sim: micro-ondas, iguais às do forno em que você esquenta o almoço. A ideia é tornar a queima mais eficiente para reduzir o consumo de combustível e o nível de emissões.
Segundo a MWI, somente a mudança da ignição convencional para uma ignição por micro-ondas poderia reduzir o consumo em até 30% e as emissões em até 80%, mantendo a potência original do motor. Uma redução de emissões nessa escala poderia dar aos motores de combustão interna não apenas uma sobrevida maior, mas também daria mais tempo para o desenvolvimento da tecnologia de baterias para os motores elétricos sem comprometer a qualidade do ar.
Como a ignição influencia o consumo e as emissões?
O motor de combustão é, basicamente, um conjunto de manivelas movidas pela queima da mistura ar-combustível. A combustão acontece, libera energia, empurra o pistão, que empurra a biela, que empurra o moente, que gira o virabrequim. Como qualquer manivela, o ponto em que você consegue mais eficiência não é exatamente o ponto morto superior, mas uma posição alguns graus após esse ponto. Pense em uma bicicleta: qual posição do pedal é melhor para iniciar o movimento? No topo, ou alguns graus à frente? Com o motor acontece o mesmo, sendo o pistão o pedal e a combustão a força da sua perna.
Para obter a maior eficiência, a combustão deve se completar neste ponto ideal da alavanca, chamado “ponto de vantagem mecânica” ou MBT, para que a pressão máxima (gerada pelos gases da queima) aconteça nesta posição, otimizando a alavancagem.
Se a pressão máxima acontecer antes desse ponto, teremos perda de trabalho, porque os gases estão gerando uma força oposta ao movimento do pistão, ainda ascendente (seria como aplicar força ao pedal antes de ele chegar ao topo). Se a pressão máxima acontecer depois disso, teremos desperdício de trabalho, porque a conversão de energia não será eficiente (seria como aplicar força no pedal já em descida). Quando estas situações acontecem no motor, haverá menor geração de potência e maior temperatura na câmara de combustão, o que aumenta a tendência à formação de óxidos de nitrogênio (NO e NO2), que são os gases combatidos pela legislação de emissões.
O problema é que a queima da mistura ar-combustível não ocorre instantaneamente. Ela ocorre em duas fases: a formação da chama e a propagação da chama. É o que acontece quando você risca um palito de fósforo: a chama se forma e depois se propaga.
Com a ignição por centelha, a vela é posicionada para acelerar ao máximo a propagação, mas é limitada por ser uma fonte única de formação da chama — ela se forma a partir do ponto da vela e depois se propaga. Alguns motores tentaram solucionar isso usando duas velas por cilindro, caso dos motores Twin Spark da Alfa Romeo. Com duas centelhas, a velocidade de formação era maior.
A ideia por trás da ignição de micro-ondas leva o conceito Twin Spark a um outro patamar. Em vez de duas ou três fontes de formação da chama, ela usa múltiplas fontes. A emissão das micro-ondas em uma câmara metálica, elas irão gerar corrente elétrica, formando arcos em vários pontos. Estes arcos em contato com a mistura ar-combustível resultam em pontos múltiplos de formação de chama, tornando a formação e a propagação mais rápidas.
A vantagem é que o ponto de ignição se aproxima mais do ponto ideal de combustão (mais próximo do ponto de vantagem mecânica) e poderá também adotar uma mistura mais pobre, pois o risco de detonação será menor devido à velocidade da queima e a transferência de calor para a câmara de combustão será menor devido ao melhor aproveitamento de energia. Daí a redução no consumo e nas emissões.
O sistema de ignição por micro-ondas já está em desenvolvimento desde 2005, e depois de ser testado, documentado e homologado, captou investimentos — um dos investidores é o ex-CEO da Porsche Wendelin Wiedeking — e agora está sendo divulgado e negociado com fabricantes e fornecedores da indústria automobilística.