Reza a lenda que os melhores pilotos sobre quatro rodas no mundo não estão na Fórmula 1, nem no WSC e muito menos na DTM ou no BTCC. As maiores feras estão no campeonato mundial de rali – WRC – e, considerando que praticamente todas as participações que Sébastien Loeb fez em outras categorias ou provas foram nada menos que devastadoras, fica bem difícil de a gente discordar. Neste post, vocês terão uma pequena amostra da monstruosidade que é pilotar um carro do WRC no limite, em primeira pessoa.
Pegue uma carona com o norueguês Mads (nome propício) Ostberg, descendo a lenha no DS3 em testes preparatórios para o rali de Portugal, realizados no fim do mês passado, na Espanha. O 1.6 turbinado do Citroën DS3 de WRC gera 304 cv a 6.000 rpm e 35,6 mkgf de torque a 3.250 rpm, e cada um dos cilindros possui diâmetro de 82 mm, com curso descrito pelos pistões de 75,5 mm. Tração integral, peso de 1.200 kg (sem ocupantes), câmbio sequencial de seis marchas com trocas (ou seriam disparos?) na alavanca. A ação começa em 1:55. Aumente o volume!
A velocidade média e o nível de pilotagem destes caras do WRC é algo absolutamente fora do padrão – e olha que Ostberg (ainda) não está entre as lendas da categoria. Sim, tudo bem, a câmera com lente grande angular dramatiza um pouco a sensação de velocidade, mas ainda assim, veja a forma como o DS3 entra nas curvas, o uso do espaço da pista, o intervalo de tempo nas freadas e a velocidade de reação necessária para fazer o carro apontar e contra-esterçar quando a traseira escorrega.
Mesmo com as restrições impostas pelo regulamento do WRC a partir de 2011, os carros continuam fabulosamente velozes. Desde a mudança, o deslocamento dos motores encolheu para 1,6 litro (em contrapartida, o comprimento mínimo de carroceria de 4 metros não existe mais), seu fluxo é limitado tanto pelo restritor da admissão de 33 mm quanto pelo teto máximo de pressão de 2,5 bar da turbina (tudo isso ocasionou uma redução de cerca de 40 cv em relação aos modelos mais antigos); há uma série de restrições quanto ao uso de compostos e metais exóticos e o diferencial central foi proibido, restando às equipes se virarem com os diferenciais frontais e traseiros controlados mecanicamente – sem eletrônica ou sistemas viscosos ou hidráulicos.
Com tantas restrições para se gerar potência, o trabalho de desenvolver o melhor ajuste dinâmico ganhou ainda mais peso. É justamente o que Ostberg está fazendo no vídeo. Note que o carro ainda está um tanto quanto arisco, apresentando certa teimosia da dianteira nas entradas de curva que é convertida bruscamente em sobre-esterço logo após os pontos de tangência, especialmente nas curvas mais velozes.
Não que a tocada no cascalho seja algo que possa ser comparada ao asfalto: neste piso, é absolutamente normal o carro andar com a traseira escorregando na maior parte do tempo; especialmente nas freadas – quando os pilotos, em muitas ocasiões, travam propositalmente as rodas para usar o próprio acúmulo de material formado na frente dos pneus para aumentar a eficácia da frenagem. No passo de curva, a traseira acaba ditando a direção do vetor de deslocamento quase tanto quanto a dianteira – ou até mais. No cascalho, a proporção de potência dos freios traseiros também fica maior, em parte explicado pelo uso de discos 55 mm menores na frente – resultando em 300 mm nas quatro rodas. Isso ajuda o carro a apontar melhor na etapa inicial da curva.
Para se acalmar e desacelerar um pouco o coração, que tal ver um pouco de ação no asfalto (a largada se dá aos 1:35)? Sugestão do nosso leitor Pedro Brocchi.
É, talvez a coisa tenha ficado pior. Este é o monoposto GWR Raptor de Jos Goodyear, em uma prova de subida de montanha disputada em Doune, a única prova do campeonato inglês de hillclimb disputada na Escócia. Goodyear ficou com o recorde deste ano. E nós, com o queixo caído. Duas vezes.