Olá! Leandro Teixeira aqui, e é com muito prazer que vou contar a história do meu Jeep CJ5 V6. Desde a minha adolescência gosto de carros e como sempre gostei de natureza o mundo “Off Road” se mostrou como uma via natural.
Com 17 anos ganhei meu “primeiro” CJ5, digo primeiro porque apesar de ser o mesmo carro ele já passou por duas transformações extremas. Um CJ5 1962 com carroceria de 1959, motor Huricane seis-cilindros, câmbio de três marchas, eixo dianteiro Dana 30 e traseiro Dana 40 Canela fina, com um defeito de shimmy a 40km/h — um brinquedo detestável por qualquer pessoa de bem, exceto por um adolescente em fase de tirar sua carta de motorista.
Logo de cara, como qualquer entusiasta do automobilismo, me coloquei a arrumar seus defeitos (os quais prefiro chamar de caracteristicas hoje em dia). E após ler muito sobre suspensões helicoidais optei por solicitar que uma empresa “especializada” fizesse a instalação deste sistema pra mim. Um grande arrependimento meu, dado que o projeto me foi vendido como sendo algo já testado e de excelente performance, mas na verdade se mostrou como um projeto semi protótipo. Apesar da briga eterna de jeepeiros brasileiros a respeito de suspensão helicoidal versus feixe de molas, culpo o insucesso do projeto à má instalação da empresa e não ao sistema de suspensão em si.
Como o carro já estava parado optei por um engine swap, o conhecido seis-cilindros da GM alimentado por um carburador 3E, vindo de uma ambulância A20, com um câmbio Clark F260 e caixa de redução original Jeep.
Após muita espera, brigas e tudo mais que um projeto desse tipo nos leva, o carro ficou “pronto” mas com uma performance muito inferior a desejada (digamos que a atividade de dar a volta no quarteirão era suficientemente perigosa. Cheguei a tomar medidas desesperadas, como colocar 200kg de brita na traseira para viabilizar andar com o carro). Sem segurança em dirigir, sem grana para remediar, sem paciência para esperar, o projeto foi ficando de lado, e lamentavelmente esquecido.
Anos se passaram e eu, ainda apaixonado pelo CJ5, tomei a decisão de retomar o projeto. Apoiado por familiares, amigos e profissionais que acabaram virando grandes amigos. Aqui segue a história do meu “Novo Jeep”.
Avaliei bastante toda a condição do Jeep, as experiencias que tive e repensei as prioridades do projeto: Segurança, confiabilidade, e performance.
Sei que são pontos muitos genéricos por isso vou destrinchar eles melhor:
- Segurança: O carro deveria ser mais estável, ter boa capacidade de frenagem e uma boa gaiola de proteção. Sei que parece brincadeira falar nisso mas quem já dirigiu um jeep com shimmy sabe muito bem quanto estabilidade é importante!
- Confiabilidade: O carro deveria quebrar o mínimo possível e ter a menor manutenção possível (digo possível porque no fim das contas é um jeep que será colocado em situações extremas e logo quebras são esperadas)! É muito chato andar com um carro com problemas de carburador, ou que quebre a cada 100Km, ou que não consiga fazer 100K com um taque, ou que precise de um GPS para ver a velocidade, entre outros detalhes comuns na vida do jeepeiro comum!
- Performance: Esse é a característica mais difícil de discutir e mais subjetiva, por isso tracei um objetivo aqui: Poder fazer qualquer trilha mediana e mesmo assim não passar vergonha ou sentir inseguro ao fazer uma viagem de 200km a 100km/h.
Nessa minha busca por segurança, confiabilidade e performance, fui indicado ao Rogério, um jeepeiro que, como eu, teve uma má experiencia e decidiu sair da zona de conforto da comunidade jeepeira, testando soluções fora do convencional e experimentando novas ideias.
Rogerio me aconselhou fortemente a nao entrar na seara de montar um jeep parecido com o dele, um projeto primoroso, feito do zero, com muitas experiencias e testes (alguns ate hoje em andamento) mas que por causa disso tudo ainda não está inacabado, como ele mesmo diz, mesmo depois de 9 anos de dedicação. Bom, todo dono exigente de um project car sabe que o carro nunca fica pronto!
Ao dirigir o Jeep dele, lembrei a satifação que é dirigir um carro off road! Desde a primeira arrancada, com os pneus ainda levemente patinando de quem experimenta uma embreagem nova pela primeira vez, fazer uma curva e sentir a obediencia dos pneus de mais de 12 polegadas de largura aos movimentos do, leve mas preciso, volante ate o ponto de uma freada brusca, coordenada por uma bela distribuiçao de forcas entre os eixos com um leve cantada de pneu. Esta para ser fabricado um off road (seja troller, defender, pajero ou o que for) que passe a sensacao de leveza, estabilidade e conexao com a maquina que o Jeep do Rogério me passou
Nao vou me estender aqui sobre o Jeep do Rogerio por dois motivos: tenho esperanca que ele se anime a contar sua experiência aqui no project cars um dia, e segundo, estragaria muito do que há por vir já que o jipe do Rogério foi uma grande inspiração para o meu.
Apos dirigir o carro dele tive a convicção que meus objetivos não eram uma referência inalcançável, mas sim algo viavel, algo possível! Tendo esta experiência na cabeça e meus três pontos-meta em mente montei um plano de ataque inicial.
Segue a lista das modificações aplicadas ao jipe dos meus 17 anos, que é a definição do projeto do meu Jeep.
- Carroceria de Fibra
- Chassi mais rígido
- Eixo traseiro flutuante
- Bloqueio por cabo
- Eixo dianteiro hibrido
- Bloqueio ”spool”
- Freio a disco, ventilado nas 4 rodas
- Rodas 15 x 10 x 6 furos
- Pneus 33”
- Pedaleira suspensa
- Gaiola tubular de 2”
- Bancos Concha
- Cintos de 4 pontos
- Tanque maior
- Hight steer (mais para frente explicarei o que é isso!)
- Caixa de direção hidráulica
- Coluna de direção escamotiavel
- Feixe de molas novos
- Cambio e Reduzida mais moderna e resistente
- Embreagem de cerâmica
- Motor V6 4.3
- Injeção/ignição Eletrônica
- Eliminação de distribuidor por roda fônica
- Modernização da parte elétrica
- Roda livre manual
- E muitos pequenos detalhes que posso estar esquecendo!
Como “teaser” segue uma foto do estágio atual do projeto.
Mas não seria justo apenas listar as modificações, a graça está nos detalhes:
Para começar, vou contar sobre os eixos. Acho valido falar sobre as características do eixo original do jeep, será apenas uma introdução, já que existe muito material sobre isso na internet.
Os Jeeps CJ5 foram vendidos com três tipos de eixos no Brasil. Dana30, Dana44 canela fina e Dana44 Canela Grossa.
- Dana30 o mais raro deles, vindo apenas nos primeiros anos de fabricação. É um eixo conhecido pela sua fragilidade, com conjunto de planetárias e semi eixos menor que os do irmão “maior” Dana44, sendo assim quebram com certa fácilidade, principalmente quando usados com conjuntos de pneus maiores e mais largos.
- Dana44 “Canela fina” e “Canela Grossa” que tem diferencial igual e se diferenciam principalmente pela carcaça que abriga os semi eixos, sendo o canela grossa composto de tubos de 3” de diâmetro e o canela fina por tubos de 2 1/2” de diâmetro. Sendo assim os Canela Grossa mais desejados por terem maior resistência estrutural (ressalto que a resistência das peças moveis é praticamente idêntica).
Vale lembrar que uma das características dos Dana 44 originais é o fato de não serem flutuantes, sendo assim nos eixos traseiros apenas a pressão dos rolamentos e a integridade dos semi eixos mantem o eixo montado, sendo relativamente comum ver jeeps indo para um lado e rodas para outro quando colocados situações extremas. Outro detalhe é que o Dana 44 é usado por vários carros até hoje, o que disponibiliza uma porção de “atualizações” e relações coroa/pinhão no mercado por valores relativamente baixos.
Eixo Dana44 original
Sendo jeepeiro a alguns anos, sei que assumir algo como verdade sempre gera discussões mas vou me permitir passar pelo crivo das críticas dos meus colegas: a relação bitola x estabilidade na dinâmica de carros é um tanto simples, já que elas são diretamente proporcionais, em outras palavras, quanto mais largo, mais estável o veículo!
Porém moro em São Paulo aonde a maior parte das trilhas está em área de mata fechada e lamacenta, com pouco espaço para eixos muito largos, logo meu projeto deveria ser largo o suficiente para garantir segurança e estabilidade mas não para tornar meu jeep uma “rolha” na trilha.
Como muitas trilhas são feitas por Rural Willys, e sendo esta mais larga que o Jeep, optei por usar como referência no meu projeto a bitola dos eixos da rural. Para comparação os eixos originais tem 1230mm de bitola e os da rural tem 1448mm.
Rural x Jeep
Tendo acertado a medida de projeto, optei por usar um eixo traseiro de Rural 4×2, que apesar de ter bitola igual a Rural 4×4, tem diferencial centralizado, alinhando com o câmbio usado no projeto. Para manter a integridade estrutural sob situações extremas foi instalado um kit flutuante, composto por um conjunto de pontas e cubos de eixo dinateiras de jeep original com rolamentos maiores, semi eixos mais resistentes e travas que garantem integridade do eixo mesmo em situações de quebra dos semi-eixos.
Visando tração superior em terrenos acidentados instalei um diferencial com bloqueio mecânico acionado por uma alavanca dentro da cabine, este bloqueio impede a acao das planetarias do diferencial, fazendo com que ambas as rodas girem com a mesma velocidade, indiferente a situação de aderencia que elas se encontram (este item é essencial para terrenos com lama ou pouca aderencia).
Vou deixar os detalhes sobre a relação de coroa e pinhão que foi usada para mais tarde, quando falarmos do powertrain!
Eixo pronto e montado, note o diferencial centralizado
Alavanca do bloqueio à direita
Kit flutuante – foto fornecida pelo fornecedor
Já para o eixo dianteiro, optei pela confecção de um eixo hibrido. O Dana44, seria uma escolha natural uma vez que é o eixo mais comum em jeeps, mas apesar de ser bem resistente, tem como principais defeitos os pequenos munhões que muitas vezes não aguentam as solicitações extremas criadas pelo uso de rodas maiores (munhoes sao as peças que extersam as rodas e conectam estas ao eixo rigido). Por isso optei por usar o conjunto da Toyota, muito mais robusto que o do CJ5.
Para tal casamento comprei o conjunto de munhões e tubeiras da Toyota que foram soldadas no eixo Dana44. Sendo assim meus eixos têm miolo de Dana44 e pontas de Toyota. Além da vantagem de ser mais resistente, a Toyota oferece soluções originais de freios a disco ventilados, já que as últimas Toyota bandeirantes vinham com esta opção. Sendo assim optei pelo conjunto de freios a disco ventilados originais e finalizando o eixo dianteiro foi usado homocinéticas da Toyota Bandeirante e roda livre original desta também.
Detalhe do munhão
Ponta da “tubeira” da Toyota Bandeirante
Eixo dianteiro quase pronto
Detalhes do munhao montado e do conjunto de freios
Homocinética e roda livre
Uma detalhe importante na fabricação desse eixo é que os eixos rígidos têm ajuste de caster, mudando o ângulo dos Grampos e suportes do feixe de molas. Portanto defini o ângulo desejado do diferencial antes de soldar as “tubeiras” assim não terei o diferencial trabalhando com inclinações indesejadas ou exageradas.
Dado este conjunto de eixos robustos e eficientes, me senti seguro em tocar o projeto e me preocupar com os demais detalhes.
No próximo post trarei mais detalhes do projeto!
PS: Obrigado a todos os apoiadores deste projeto em especial minha esposa e sua avó, Dona Ivone, o Gilminha da OFFShock 4×4 e meus amigos Lelo e Rogerio.
Por Leandro Teixeira, Project Cars #353