O Chevrolet Corvette é mais do que um esportivo americano clássico. Ele é uma instituição entre os fãs de muscle cars, e um dos carros que melhor traduzem a maneira como os americanos acham que seus carros devem ser. Desde a década de 1960, o ‘Vette segue a mesma receita (que vai mudar em breve, mas não vamos falar disso agora), e não faltam histórias bacanas a seu respeito.
Vamos contar mais uma delas hoje – sobre quando a Chevrolet fez um Corvette de corrida para as ruas, o escondeu no meio de sua lista de opcionais e não contou a ninguém a seu respeito.
Em 1967, o Corvette de segunda geração, o chamado C2, estava no fim de sua vida. Lançado em 1963, foi o Corvette C2 que introduziu o apelido Sting Ray (ou Stingray, dependendo do ano) e a silhueta clássica com capô longo, traseira curta e teto fastback, sendo a primeira geração a realmente cativar o público. Passados cinco anos, porém, já era hora de renovar ao menos o visual do carro – hoje em dia o Corvette C2 é um clássico cobiçado no mundo inteiro, mas naquela época ele era apenas um esportivo que precisava vender bem, como qualquer outro.
Sem dúvida, um os grandes responsáveis pelo sucesso do Corvette foi o engenheiro Zora Arkus-Duntov, o filho de imigrantes russos que, em 1955, escreveu uma carta à Chevrolet dizendo que o Corvette só seria um carro bom de verdade com um motor V8 debaixo do capô – o fraco seis-em-linha Blue Flame não empolgava ninguém. Mas, para isso, era preciso desenvolver um novo motor, o que motivou o nascimento do clássico V8 small block Chevrolet. Basicmente, Arkus-Duntov foi o cara que criou o Corvette que conhecemos hoje.
Mais de dez anos depois, o mesmo Arkus-Duntov foi o cara que criou o primeiro Corvette de 500 cv feito pela Chevrolet: o Corvette L88.
O engenheiro sabia melhor do que ninguém que o sucesso de um esportivo nos EUA dependia diretamente de seu desempenho nas pistas. Foi por isso que ele decidiu criar um Corvette de corrida para as ruas, com o bônus de encerrar o ciclo de vida da segunda geração em grande estilo.
O Corvette L88 tinha este nome por causa de seu motor: o V8 Big Block L88, com bloco de aço e deslocamento de 427 pol³, ou sete litros. Era praticamente igual ao motor usado nos carros que competiam na Can-Am, exceto pelo bloco, que era feito de ferro fundido em vez de alumínio. No mais, o comando de válvulas (com maior levante), os cabeçotes de alto fluxo feitos de alumínio, a taxa de compressão de estratosféricos (para um V8 das antigas, ao menos) 12,5:1 e o carburador Holley de corpo quádruplo eram completamente racing.
A versão de competição desenvolvia mais de 600 cv com escape direto e combustível de competição – mais do que o suficiente para que o Corvette da equipe Yenko (sim, a mesma do Yenko Camaro) conseguisse a vitória em sua categoria nas 12 Horas de Sebring, superado apenas por protótipos de motor central-traseiro como o Ford GT40 e o Porsche 906.
Já o motor usado no Corvette L88 tinha 436 cv… ou ao menos era o que a Chevrolet queria que todos pensassem. Testes em dinamômetro acusaram nada menos que 570 cv na prática.
Havia um bom motivo para isto: Arkus-Duntov queria vender um Corvette praticamente pronto para as pistas: era só aliviar o interior, instalar uma gaiola de proteção e preparar a suspensão (claro, há muito mais o que fazer, mas você entendeu o ponto), porque o motor já estava no jeito.
Sendo assim, o público alvo da versão não eram pessoas comuns, e sim equipes de corrida. Por isso, estratégia adotada foi simplesmente esconder o Corvette L88 na lista de opcionais e não realizar qualquer tipo de publicidade para o carro.
Para comprar um Corvette L88, havia uma combinação específica de itens pelos quais era preciso optar além do motor L88. Desse modo, todo exemplar vinha com a transmissão manual de quatro marchas M22, pinças de freio reforçadas, suspensão calibrada para corridas e ignição K66 com transistor e diferencial com blocante (Positraction).
Além disso, era preciso selecionar a opção C48, que eliminava o rádio e o sistema de ar quente. Assim como a potência declarada bastante conservadora, tais escolhas tornavam o carro menos atrativo para uso nas ruas, mas perfeito para acelerar nas pistas. Claro, havia opcionais extras como vidros elétricos, bancos revestidos em couro, vidros escurecidos, desembaçador do vidro traseiro e até câmbio automático mas, para escolher tudo isto, era preciso saber que o pacote L88 existia.
Como apenas as equipes de corrida recebiam a oferta, a estratégia deu certo: apenas 20 exemplares do Corvette receberam o pacote L88 em 1967.
No ano seguinte, o Corvette mudou de geração, ganhando uma carroceria mais esbelta e agressiva. O pacote L88 continuou disponível e, inevitavelmente, sua fama se espalhou: em 1968, 80 exemplares do Corvette L88 foram encomendados e, no ano seguinte (o último), foram 116 carros.
Este belo exemplar Le Mans Blue é um deles. Com apenas 216 exemplares no total, sendo que a maioria seguiu carreira nas pistas, é difícil encontrar um exemplar à venda. No caso deste, uma restauração completa foi realizada, mantendo o motor, o câmbio e o diferencial originais, assim como todos os painéis da carroceria.
O carro será leiloado pela Barrett-Jackson em janeiro de 2017, durante um evento em Scottsdale, no Arizona, EUA. Ainda não foi estimado um valor de arremate mas, considerando que um exemplar de 1967 foi vendido em 2014, também pela Barrett-Jackson, por US$ 3,8 milhões (cerca R$ 12 milhões em conversão direta), podemos esperar por uma cifra bem generosa.