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Car Culture

Lendas do WRC: Ford RS200, o carro mais incrível a nunca vencer nada no Mundial de Rali

A maioria esmagadora dos carros que competiram no Grupo B de Rali tinha ao menos o nome e o visual inspirados em carros de rua — caso do Lancia Delta S4, do Renault 5 Turbo e do Audi Quattro. Isto era permitido mas não obrigatório, o que possibilitou o nascimento de um carro totalmente pensado para o Mundial de Rali: o Ford RS200.

Apesar de não ter vencido um título de construtores sequer e de não ser exatamente bonito (ao menos no sentido mais tradicional da palavra), o protótipo da Ford é um verdadeiro ícone. Só que ele nasceu de uma frustração.

A Ford tinha todas as razões do mundo para insistir no Escort quando a FIA anunciou o novo regulamento do Grupo B, afinal era com ele que a equipe britânica competia no WRC desde os anos 70, com direito a um título de construtores em 1979 conquistado pelo Escort RS1800.

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Assim que o Escort de terceira geração foi lançado em 1980, a Ford começou a desenvolver o sucessor do RS1800 usando o novo carro como base. Agora, como você já deve saber, o Escort MkIII foi o primeiro a romper com o tradicional arranjo de motor dianteiro longitudinal e tração traseira — agora era tudo lá na frente, e o motor passou a ser transversal.

Isto não impediu a Ford UK de adaptar toda a estrutura para receber um conjunto mecânico com o layout antigo e desenvolvê-lo por dois anos. Ele tinha um motor de 1,8 litro que, com cabeçote Cosworth e turbocompressor, entregava cerca de 350 cv em especificação de competição, enquanto a versão de rua não teria mais que 200 cv.

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Dezoito protótipos do chamado Escort 1700T foram fabricados e testados, mas os resultados não eram animadores: o carro jamais seria tão competitivo quanto seu antecessor, e muito menos contra alguns rivais, que tinham concepção muito mais compatível com os estágios de rali.

Sendo assim, a introdução do Grupo B veio bem a calhar para a Ford, que aproveitou a oportunidade para cancelar o projeto do Escort RS1700T e usar a experiência adquirida com os erros para criar um protótipo especialmente para a tarefa. Era uma chance de ouro para os engenheiros irem à loucura, porque o regulamento do Grupo B permitia quase tudo — desde que pelo menos 200 unidades de rua fossem comercializadas.

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E elas saíam daqui

Assim, o novo Ford de rali foi feito do zero: a estrutura tubular preparada para receber o motor atrás dos bancos dianteiros, o sistema de suspensão independente (com braços duplo A sobrepostos na dianteira e na traseira) e a carroceria de plástico reforçado com fibra de carbono eram totalmente inéditos.

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Aliás, a carroceria era construída pela britânica Reliant — exatamente aquela que fabricou diversos modelos de três rodas que não podiam fazer curvas sem tombar.

A carroceria projetada pela Ghia não era o que se considerava bonito na época (e talvez nem mesmo hoje) e, exceto pelas lanternas traseiras (que aparentemente vieram do Ford Sierra), não trazia semelhanças com modelo algum comercializado pela Ford na época.

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Só que as formas do carro foram todas ditadas pela função — a dianteira baixa, o entre-eixos curto, o grande aerofólio traseiro —, e é inegável que há beleza nisso. Uma beleza funcional, se preferir.

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O que não era totalmente novo no RS200 era o motor — afinal, para alguma coisa aqueles dois anos desenvolvendo o Escort RS1700T deveriam servir. Assim, no início o RS200 aproveitou o motor 1.8 do Escort, que continuava entregando 350 cv na versão de competição e 200 cv nos carros de rua. No desenrolar do projeto, o motor teve o deslocamento ampliado para 2,1 litros e, com o turbo operando a 1,6 bar, a potência saltou para quase 600 cv. A tração era integral, algo mandatório para ser competitivo em um campo dominado pelo Audi Quattro, e a transmissão era manual de cinco marchas.

Definitivamente o RS200 tinha números excelentes, e a Ford tinha tudo para enfrentar os rivais de igual para igual naquela que era uma das categorias mais disputadas do automobilismo mundial. Só que não foi bem assim…

O grande problema do RS200, porém, foi a demora em seu desenvolvimento. A Ford não queria brincar com a possibilidade de fazer um carro ruim, e por isso o RS200 só ficou pronto no fim de 1985 para correr na temporada seguinte. A estreia do RS200 aconteceu no Rali Monte Carlo, com Stig Blomqvist ao volante do carro principal da equipe, mas seu primeiro resultado expressivo só veio nas mãos de Kalle Grundel, que foi o terceiro colocado em casa, na Suécia.

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Nunca saberemos se este terceiro lugar daria início a uma sequência de bons resultados. O que temos certeza é de que, na etapa seguinte, aconteceu uma tragédia envolvendo o novo carro de rali da Ford. No Rali de Portugal, Joaquim Santos perdeu o controle de seu RS200 em uma curva e seu carro foi atirado contra a multidão, matando três espectadores e ferindo outros 30.

Foi o primeiro de uma sequência de acidentes que culminou com a morte do finlandês Henri Toivonen ao volante de seu Delta S4, poucos meses depois. Julgando o Grupo B perigoso demais (e era mesmo), a FIA decidiu mudar totalmente as regras para a temporada seguinte e todo o esforço da Ford acabou sendo em vão. De qualquer forma, como que abalado pela tragédia de Joaquim Santos, o RS200 jamais consegui uma vitória no WRC.

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Talvez por isso o RS200 tenha se tornado uma lenda: ele era um excelente carro, mas veio no pior momento possível — e ainda ajudou a acabar com uma das categorias mais emblemáticas de todos os tempos. Só que a gente simplesmente não consegue odiá-lo por isso. E nem você, a gente aposta!

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