Até agora todos os carros que apareceram na nossa série sobre as Lendas do WRC tiveram uma coisa em comum: todos eram europeus — franceses, italianos, britânicos ou alemães. A década de 90, porém, trouxe algumas mudanças e, se o Lancia Delta não tivesse devastado a concorrência no WRC, certamente o Toyota Celica teria sido o primeiro carro de fora do Velho Mundo a vencer o Campeonato Mundial de Rali antes de 1993.
Isto acabou não acontecendo, mas chegou perto: apesar de a Lancia vencer todos os títulos de construtores entre 1987 e 1982, o mundial de pilotos ficou com Carlos Sainz em 1990 — quando o piloto espanhol sentava-se ao volante de um Toyota Celica Turbo 4WD, versão de homologação feita especialmente para o WRC em 1988.
Como você talvez saiba — especialmente se jogou Gran Turismo na infância — o Celica foi um esportivo japonês vendido entre 1970 e 2006, com sete gerações em sua carreira de 36 anos.
Se, no início, o Celica de primeira geração lembrava um Ford Mustang japonês, com direito a lanternas triplas no modelo liftback (que era uma imagem declarada aos muscle cars amernicanos), com o passar dos anos ele foi se desenvolvendo em um cupê compacto com tração integral e linhas sempre contemporâneas.
O carro que deu origem ao primeiro especial de homologação ainda fazia parte do Grupo B – o Celica Twin Cam Turbo que, como o nome diz, tinha um motor de 1,8 litro com duplo comando no cabeçote e turbocompressor. Era o bastante para render quase 320 cv na versão de pista e e 178 cv na versão de rua.
O Celica TCT venceu algumas provas em sua carreira entre 1984 e 1986 — desempenho razoável, mas que não foi o bastante para ficar com o título. Este foi para o Audi Quattro e o Peugeot 205 T16, que eram carros muito mais extremos e potentes.
Com o fim do Grupo B em 1986, a Toyota viu no Celica uma chance de se destacar sem precisar recorrer a um protótipo desenvolvido especialmente para a tarefa, como poderia ter acontecido caso o Grupo B não tivesse sido extinto. Em vez disso, seria a oportunidade perfeita para usar o novo Celica, que havia acabado de ser lançado e nunca fora tão moderno.
Como era norma na época, o Celica era um cupê de motor dianteiro transversal e tração dianteira. Contudo, as versões mais apimentadas recebiam um sistema de tração integral e motor turbo de dois litros, acoplado a uma caixa manual de seis marchas que, por sua vez, era a um diferencial central viscoso e um diferencial traseiro Torsen.
O motor, que se chamava 3S-GTE, era um quatro-cilindros turbinado com comando duplo no cabeçote e 185 cv na versão de rua e 265 cv na versão de competição.
O chamado Celica GT-Four era, em essência, uma plataforma de testes para que os engenheiros da Toyota pudessem aperfeiçoar componentes. Na verdade, o projeto todo era uma das prioridades máximas da marca, que realmente queria vencer o WRC e, com isto, melhorar a reputação dos carros de rua. Sendo assim, apesar de originalmente planejado para estrear logo na primeira etapa de 1988 — o tradicional Ralli Monte Carlo —, mas os engenheiros estavam tão dedicados ao projeto que o carro só estreou na quinta etapa, o Tour de Corse.
Seu melhor resultado naquele ano foi um terceiro lugar no RAC Rally do Reino Unido (afinal, 1988 foi um dos anos do Delta Intregrale). No ano seguinte veio sua primeira vitória: o Rali da Austrália, com direito a dobradinha, além de cinco pódios.
Os pilotos principais da Toyota na época eram Juha Kankkunen e Carlos Sainz. Em 1989, porém, o finlandês partiu para a Lancia, enquanto Sainz continuou na Toyota. Ele fez bem, porque aquele ano foi o primeiro da ferrenha rivalidade entre italianos e japoneses — e deu empate porque, no ano seguinte, enquanto a Lancia faturou o título de construtores com folga, entre os pilotos o espanhol se deu melhor que todos os outros graças à sua consistência: em 12 etapas, foram quatro vitórias, quatro segundos lugares e um terceiro lugar.
O carro de 1991, que passou a se chamar Celica Turbo 4WD, era baseado na quarta geração do Celica, tinha linhas mais arredondadas na carroceria, mas o estilo geral e a concepção mecânica eram quase idênticos — incluindo o motor, que continuava a deslocar dois litros e a gerar cerca de 320 cv, enquanto a versão para homologação (que tinha até para-lamas alargados) entregava cerca de 225 cv graças a um sistema de ignição revisto e a um mapa de ignição mais agressiva.
Com este carro a Toyota venceu quatro etapas em 1991, o que seria o bastante para levar o título não fosse o desempenho ainda melhor da Lancia, com seis vitórias — sendo quatro em seguida — que garantiram à equipe italiana a glória dupla de ter um piloto e um carro no lugar mais alto do pódio. Em 1992, a situação de 1990 se repetiria, com Sainz no primeiro lugar entre os pilotos e a Lancia conquistando seu último título na história do Campeonato Mundial de Rali.
Os anos da verdade foram 1993 e 1994. No primeiro, o finlandês Juha Kankkunen mudou-se da Lancia para a Toyota — decisão acertadíssima, visto que o finlandês venceu o campeonato de pilotos com o Celica, que também foi o campeão entre os construtores. O destaque vai para a vitória tripla da Toyota no Safari Rally, na África do Sul, com os finlandeses Kankkunen e Marku Alén e o queniano Ian Duncan.
O francês Didier Auriol também estava na equipe, mas começou a se destacar no ano seguinte. Depois de um segundo lugar em Monte Carlo e uma dobradinha em Portugal, o Celica manteve uma temporada muito consistente, com outras quatro vitórias — sendo três de Auriol que, com elas, conquistou o título de pilotos naquele ano.
Talvez pelo fato de o Japão não ter tanta tradição assim nos ralis, seu desempenho no WRC não é tão bem documentado como o dos carros europeus que vieram antes dele. Mas isso aconteceu porque ele foi o primeiro de todos, abrindo espaço para outros dois japoneses no WRC: o Subaru Impreza WRX e o Mitsubishi Lancer Evolution V.