Nós já vimos o McLaren P1 comparado ao Porsche 918, vimos o P1 comparado à LaFerrari. Também vimos várias avaliações individuais do P1, mas até agora não havíamos visto o McLaren P1 desafiar seu antecessor, o lendário F1 — o supercarro perfeito dos anos 1990, o carro dos sonhos de toda uma geração e uma referência em comportamento dinâmico e desempenho esportivo em sua época.
Até agora, pois o pessoal da revista Evo convenceu a McLaren a emprestar os dois carros para um comparativo no Sul da França — mais exatamente em uma estrada paradisíaca chamada D2, próximo ao circuito de Paul Ricard.
Segundo a etiqueta, primeiro os mais velhos. O F1 acorda seu V12 BMW S70/2 de 6,1 litros e 636 cv, e pega a estrada mostrar seu potencial e a referência para a avaliação posterior do P1. Para entrar no carro você precisa se apoiar na borda do banco do passageiro e depois fazer um certo contorcionismo para se acomodar no posto principal do carro. O exercício parece valer a pena: a disposição dos bancos em delta, com o motorista no meio e os dois passageiros ao lado e em posição recuada fazem o motorista manter-se concentrado na pilotagem e passa a sensação de se estar sozinho em um monoposto.
O F1 emprestado para o vídeo ainda pertence a McLaren, é o número 46, chassi XP5, o carro que homologou seus recordes de velocidade — primeiro com limitador, chegando a 371,5 km/h, e depois sem, quando conseguiu chegar a 391 km/h na pista de Ehra-Lessen.
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A primeira observação, claro, é o ronco do motor: 12 cilindros urrando furiosamente para preencher a cabine. Depois vem a constatação de que o H do câmbio manual é apertado — o apresentador Harry Catchpole fala que é comum colocar a terceira achando que você voltou para a primeira, mas você logo se acostuma com isso.
Entre os primeiros comentários e o ronco do motor, você irá ouvir assovios dos discos de freio em algumas curvas do vídeo. Isso por que os discos são de aço. A McLaren tentou usar freios de carbono cerâmica no F1, mas nos anos 1990 a tecnologia ainda não era viável para carros de rua pois não funcionavam de modo algum em baixas velocidades.
Quanto aos comandos do F1, tudo é muito mecânico. Nele você sente que tudo está conectado a alguma coisa — nessa hora o vídeo mostra um close dos pedais e suas conexões com os cilindros-mestre e o cabo do acelerador — e que não há muita eletrônica envolvida. Catchpole menciona também que as repostas do acelerador são excelentes e que se pudesse escolher uma última volta na vida, escolheria este carro por suas respostas do acelerador e funcionamento do motor. Há algo melhor no mundo? Catchpole acha que não.
Mas… como ele mesmo diz no vídeo, esta é exatamente a missão do P1: superar o F1.
O P1 do vídeo tem exatamente a mesma cor Genesis Blue do F1 testado na primeira metade do vídeo e ambos têm a mesma numeração da série. Mais legal é o motivo: os proprietários do F1 tiveram a chance de comprar o P1 com o mesmo número de série de seus carros — por isso também ele é pintado na mesma cor.
Apesar do uso de fibra de carbono nos dois carros, é daí que surge a primeira diferença: o P1 usa quantidades enormes do compósito, algo evidenciado pelo difusor traseiro. No F1 ele é uma peça discreta, integrada ao para-choques, enquanto no P1 ela parece um monstro tentando escapar da parte de baixo do carro.
Outra diferença são os métodos de construção. Quando acompanhamos a evolução ao longo dos anos, essa diferença entre eles não fica tão evidente, mas quando elas se confrontam diretamente o resultado é impressionante. O F1 usa lanternas de ônibus, enquanto o P1 usa uma linha de LEDs que acompanham as belas curvas da traseira, um design mais orgânico. As dianteiras diferem na forma, porém não na função: os dutos inferiores para arrefecimento dos freios e passagem de ar pelos radiadores — que no F1 ficam deslocados para as laterais para criar espaço para o bagageiro dianteiro.
O controle do P1, segundo Catchpole, é surpreendentemente fácil para um carro com mais de 900 cv — “parece um gatinho”, diz ele — a direção é leve e é fácil esterçar demais na entrada de uma curva, as marchas são fáceis de trocar, afinal o câmbio é automatizado e as trocas são feitas ao clique de uma aleta no volante.
O ronco do F1, como você deve ter ouvido (e delirado), é visceral, o tipo de música mecânica que hipnotiza o motorista. No P1 o V8 turbinado e eletrificado de (916 cv, sendo 176 cv produzidos pelo motor elétrico) tem suas qualidades sonoras, mas simplesmente não consegue competir com seu antecessor — sem contar que você pode ativar o “E-mode” e rodar até 31 km usando somente o motor elétrico, o que deixa as coisas ainda mais pacatas dentro de um carro projetado para superar o lendário F1. Apesar da impossibilidade de fazer frente ao antigo V12 BMW, o ronco do P1 transmite a sensação de que há muitas coisas interessantes acontecendo no cofre do motor, graças à mistura dos sons de admissão, compressão e alívio do turbo, e do funcionamento do motor elétrico.
Mas isso fica claro somente quando Catchpole ativa os modos mais esportivos (Sport e Race). Só aí é que ele se compara ao F1 em desempenho. E aqui surge outra diferença entre os dois: se o F1 deixa você saber exatamente o que está acontecendo com a mecânica do carro, o P1 é um carro muito mais eletrônico. Não apenas pelo sistema híbrido, mas também por seu diferencial com vetorização de torque, pelo acelerador eletrônico, câmbio com atuação eletro-hidráulica e ativado por botões. A menos que você esteja no modo Track, que auxilia os turbos com o motor elétrico para eliminar o lag nas saídas, o P1 é menos responsivo que o F1 e as retomadas não são tão vigorosas logo de cara. Além disso, temos também a velocidade máxima: enquanto o F1 belisca os 400 km/h, como vimos no início do texto, o P1 fica nos 349 km/h.
Com isso, Catchpole conclui que, apesar de toda a tecnologia envolvida, o P1 não consegue superar o trabalho de engenharia por trás do F1. O fato de ser praticamente todo mecânico (não há sequer ABS), faz o F1 aguçar nossos sentidos como nenhum outro. Ele te coloca em contato com a máquina em todos os aspectos, e exige cada vez mais em qualquer situação, seja acelerando, freando, trocando marchas ou fazendo curvas. Por ser um carro à frente de seu tempo, ele dificilmente será visto como algo do passado.