Um dos grandes baratos do Fusca, ao menos na minha singela opinião, é a possibilidade de fazer dele um project car de acordo com suas próprias regras. É claro que bom gosto e bom senso são coisas relativas, mas existem tantos Fuscas por aí, tantos componentes aftermarket e tantas receitas de preparação que o Besouro pode muito bem ser encarado mais como uma tela em branco do que como um carro. Até mesmo a simplicidade de sua concepção mecânica e do projeto em geral, com para-lamas destacados e componentes intercambiáveis entre várias fases do modelo, contribuem para a cultura de customização do Fusca.
Um belo exemplo disto é a mais recente criação da Memminger, customizadora alemã que transformou o Fusca em um roadster de dois lugares com diversos elementos de design moderno e um motor boxer arrefecido a ar de 2,7 litros e 210 cv. O motor é acoplado a uma caixa manual de cinco marchas que, claro, leva a força para as rodas de trás. O motor é feito com base no boxer dos VW 411/412 (os primeiros carros “de luxo” da Volks, sobre os quais falamos aqui) e tem 25,1 mkgf de torque.
A Memminger é especializada em restaurar e melhorar o Fusca: além de recuperar a carroceria e o interior, eles modificam detalhes de acabamento e instalam motores refeitos, com eletrônica moderna, injeção de combustível, componentes reforçados e, se desejado, deslocamento ampliado para até 2,7 litros. A suspensão é modernizada, o interior recebe (a critério do cliente) sistema de som moderno, ar-condicionado e acabamento diferenciado; rodas e pneus maiores são instalados; freios mais eficientes são colocados… a lista de modificações disponíveis é grande. E a Memminger vende carros prontos ou pode pegar o carro do cliente para um makeover completo.
O Memminger Roadster é o próximo passo: não se trata de um Fusca restaurado e modificado, e sim de um novo carro feito com base no chassi do Fusca e com todo o resto completamente subvertido. A única coisa que restou do Besouro foi o entre-eixos de 2,4 metros, acompanhado de detalhes como maçanetas e lanternas traseiras. O restante é único.
A ideia da Memminger era respeitar a identidade visual do Fusca, porém modernizar o projeto para obter a melhor dinâmica possível sem alterá-lo radicalmente. A solução foi colocar o motor boxer de 2,7 litros, feito sob medida, na posição central-traseira. Com isto distribui-se melhor o peso do carro entre os dois eixos, retirando um pouco da massa sobre o eixo traseiro.
O Memminger Roadster lembra um pouco a versão 1303 do Fusca, lançada em 1973 na Europa. Era um Fusca atualizado, com suspensão dianteira independente, braços arrastados na traseira, capô mais largo e para-brisa maior e envolvente, além de um painel de instrumentos “de verdade”, feito de plástico, e não apenas uma chapa de metal. É provável que um 1303 tenha sido usado como base – a Memminger não foi específica neste ponto, mas considerando o esquema de suspensão do Roadster, faz sentido.
Dito isto, a carroceria foi toda feita sob medida, com para-lamas mais largos na dianteira e na traseira, portas maiores e um para-brisa mais baixo. Os para-choques de metal foram mantidos, assim como as lanternas traseiras originais (o modelo que chamamos no Brasil de “Fafá” por sua semelhança anatômica com a cantora). Já na dianteira foram instalados faróis com lentes lisas e projetores. Só é uma pena que as setas sejam embutidas nos para-choques, e não posicionadas no topo dos para-lamas. Seria um toque clássico bacana.
Com o motor posicionado atrás dos bancos dianteiros, o Memminger Roadster só tem dois lugares. Para preencher o espaço vazio na região, a Memminger colocou dois santo-antônios aerodinâmicos no deck. Apesar de ter um desenho bem mais moderno que o restante do carro, até que as peças não destoam do conjunto.
A tampa traseira feita sob medida ganhou um spoiler do tipo duck tail embutido, com entradas de ar para o motor. Para mim, a traseira é a única parte do carro que poderia ter sido melhor executada visualmente – o aspecto “bulboso” dos para-lamas faz com que o para-choque pareça “enfiado” no lugar. Poderia ter ficado mais elegante.
O lado de dentro não teve espaço para muita invencionice. O painel ultrapassa a barreira do design limpo e minimalista e chega a ser simplório: não há saídas de ventilação e nem comandos aparentes, apenas um porta-luvas e cinco instrumentos — o que não é um problema, e sim uma referência racer-old-school. O volante é clássico, com três raios perfurados de metal; o console central se resume a um revestimento de carpete para o túnel central e os bancos são do tipo concha com o revestimento tartan típico dos GTI. Há uma gaiola de proteção parcial aparente perto das portas, que trazem forrações de fibra de carbono com visual bem simples.
Apesar de ser um visual limpo e agradável, talvez o lado de dentro do Memminger Roadster ficasse mais interessante se tivesse um visual um pouco mais rico em detalhes – um painel de desenho um pouco mais elaborado, com elementos que remetessem ao Fusca original ou aos VW dos anos 80, é minha sugestão.
Dito isto, a Memminger disse que pretende fabricar apenas 20 exemplares do Roadster. Eles não divulgaram o preço, mas certamente este se trata de um daqueles casos em que os compradores atiram primeiro para perguntar depois. São carros feitos de forma artesanal, e é certo que a Memminger vai oferecer diferentes opções de equipamentos e acabamento.
Se for encarado como o que é, de fato – não um Fusca, mas um esportivo feito com base no Fusca para quem curte o visual do clássico mas quer algo com proporções mais modernas e dirigibilidade atualizada – o Memminger Roadster é um carro totalmente justificado e certamente bem divertido de guiar, afinal estamos falando de 210 cv, tração traseira e câmbio manual. A céu aberto. Com o ronco de um boxer de 2,7 litros naturalmente aspirado a centímetros dos ouvidos. Eu acho que eu quero um.