Em seus últimos anos de vida, Clodovil Hernandes ficou conhecido como deputado federal, eleito em 2006 com o terceiro maior número de votos no Brasil. Ele também apresentou diversos programas de TV entre os anos 1980 e os anos 2000. Clodovil era famoso por sua língua afiada, com declarações polêmicas que já lhe causaram demissões de emissoras e processos por parte de outros políticos. Mas sua ocupação principal, que lhe deu fama e fortuna, era a de estilista e figurinista – ele desenhava roupas para celebridades dentro e fora dos palcos e estúdios de gravação. E foi nos anos 80, auge de sua carreira na moda, que Clodovil se tornou também parte da cultura automotiva brasileira.
Como ficou claro, estamos falando dele: o Chevrolet Monza Clodovil – uma série especial lançada em 1982 e assinada pelo estilista, que acabou se tornando uma das versões mais raras do carro que, pouco tempo depois, se sagraria o mais vendido do Brasil. Mas… como a Chevrolet decidiu criar um Monza com esta temática?
A questão é que não foi exatamente a Chevrolet, e sim uma de suas concessionárias – a Chevrolet Itororó, em São Paulo/SP. Acredita-se que a inspiração tenham sido modelos com esta mesma pegada lançados nos anos anteriores por fabricantes norte-americanas – em especial o Lincoln Continental, que nos modelos Mark IV e Mark V teve edições limitadas das grifes Cartier, Givenchy, Bill Blass e Emilio Pucci.
Lincoln Continental Cartier
Segundo consta, a intenção era atrair à concessionária o público feminino, seguindo a lógica de que as mulheres gostariam de dirigir um carro que deixasse claro seu bom gosto para a moda. E, de fato, na década de 1980 Clodovil já era considerado um dos maiores estilistas do Brasil e apresentava um quadro de moda no programa “TV Mulher”, da Rede Globo, ao lado de Marília Gabriela. Dizem que os dois não se davam muito bem.
Clodovil em 1981
Como era frequente naquela época, a concessionária pediu autorização para a fabricante para comprar alguns exemplares e realizar neles modificações antes de vender – ou seja, embora não tenha sido criado pela GM do Brasil, o Monza Clodovil tinha seu aval.
A Chevrolet havia acabado de lançar o Monza no mercado brasileiro e, com ou sem Clodovil, ele era um belo carro. Ainda que tivesse, em um primeiro momento, apenas a carroceria de hatchback de duas portas, o carro agradava por seu projeto moderno, com suspensão traseira por eixo de torção, freios com discos ventilados nas rodas dianteiras, grande área envidraçada e banco traseiro bipartido. A versão SL/E, de topo, contava com frisos laterais com detalhes cromados, rodas de alumínio opcionais (quando ausentes, havia calotas de desenho exclusivo) e revestimentos internos de cores variadas.
O motor, por sua vez, era sempre o “Família II”, na configuração de 1,6 litro com carburador de corpo simples, 73 cv a 5.600 rpm e 12,3 mkgf de torque 3.000 rpm; acoplado a uma caixa manual de quatro marchas. O conjunto era alvo da maior parte das críticas ao Monza, cujo desempenho era percebido como inferior ao restante do carro: zero a 100 km/h em 15 segundos e velocidade máxima de 150 km/h eram, de fato, decepcionantes em um carro tão bom noutros aspectos. De todo modo a questão foi resolvida em 1984, com a adoção do motor 1.8 de 96 cv com câmbio de cinco marchas – acompanhado da esperada versão sedã de duas e quatro portas.
No caso do Monza Clodovil a base era sempre a versão SL/E, que recebia na concessionária diversos toques especiais. As cores disponíveis eram Ouro, Marrom Café, Azul Noturno, Vermelho Sangue, Azul Esverdeado e Branco, todas metálicas ou perolizadas.
Havia um aplique especial na face traseira, com uma moldura preta para a placa e extensões de acrílico vermelho translúcido para as lanternas (não eram funcionais, apenas refletores) – uma solução estética interessante que acabou adotada em 1988 pela própria Chevrolet no Monza Classic.
O Monza Clodovil também tinha a assinatura do estilista impressa na parte interna no vigia traseiro, bancos de couro preto com as iniciais “CH” gravadas nos encostos e um chaveiro ouro 24 quilates que acompanhava o carro.
Opcional era um jogo de malas de couro marrom feitas sob medida para o porta-malas do Monza hatch, também desenhado pelo estilista. Equipamentos que eram opcionais no Monza SL/E, como vidros e travas elétricos, toca-fitas Bosch e painel com conta-giros, eram de série no Monza Clodovil.
Se no papel a ideia parecia boa, na prática a série especial foi um completo fracasso. De acordo com estimativas não-oficiais, no máximo 12 exemplares foram vendidos, o que de certa forma torna o Monza Clodovil um dos modelos mais raros da Chevrolet não apenas no Brasil, mas no mundo – ainda que, repetindo, tecnicamente ele não seja uma versão oficial.
Fotos: Registros Automotivos do Cotidiano
É difícil determinar a causa exata para a baixa aceitação, e também fácil culpar somente o preconceito sobre homossexuais que havia nos anos 1980. Mas além disso, temos algumas outras hipóteses. Para começar, o Monza Clodovil era uma série especial feita sobre o a versão mais cara do Monza e, consequentemente, custava ainda mais dinheiro na época – e o poder aquisitivo do brasileiro médio na época era menor, de fato. Outra questão era o apelo ao público feminino em um tempo no qual as mulheres ainda não haviam conquistado a independência financeira que têm hoje. E, claro, há o fato de ser uma personalização muito específica, independentemente da sexualidade de Clodovil, que não era uma personalidade de apelo universal. E, por conta do já citado preconceito, é bem possível que alguns dos Monza Clodovil tenham sido descaracterizados por seus donos ao longo dos anos.
Nas décadas seguintes, porém, outras fabricantes de automóveis investiram em versões fashion de seus carros e tiveram relativo sucesso (que vamos abordar em um próximo post). Talvez o Monza Clodovil só estivesse a frente de seu tempo.