Um dos poucos carros importados da década de 1990 que eu realmente teria coragem de colocar na garagem é o Chevrolet Calibra. Ele desembarcou em nossas terras em 1993, ao lado de seu irmão de plataforma com carroceria sedã, o Vectra GSi. E eu creio que não estou sozinho nesta resolução – o Calibra é um dos carros daquela época que dificilmente seriam recusados por qualquer entusiasta. Ele tem um carisma impressionante; desempenho adequado até mesmo para os padrões de hoje, quase três décadas depois; e um design que envelheceu absurdamente bem, apesar de não lembrar em nada os carros modernos.
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Considerando, aliás, que o Chevrolet Vectra GSi é praticamente o mesmo carro, porém com lugar para cinco pessoas (até mesmo o painel de instrumentos é o mesmíssimo), o maior argumento a favor do Calibra é mesmo seu design. E este é de autoria de um alemão chamado Erhard Schnell – um simpático senhor que, infelizmente, nos deixou nesta semana aos 93 anos de idade. E ao que parece, o Calibra era sua obra favorita.
Erhard Schnell nasceu em 1927 e interessou-se pelo design muito cedo. Em 1952, aos 25, graduou-se no Colégio de Design de Offenbach am Main e, quase imediatamente, conseguiu empregar-se na Opel. E foi na Opel que ele se aposentou, em 1991 – ou seja, foram 39 anos na mesma empresa. Uma fidelidade admirável. Na verdade, Schnell (que, curiosidade, significa “rápido” em alemão) foi um dos designers mais importantes da Opel, visto que além de desenhar carros, foi mentor e tutor de dezenas de projetistas mais jovens e inexperientes dentro da empresa.
Em 1961, depois de uma temporada em Detroit para aprimorar sua técnica no departamento de design da Chevrolet – onde possivelmente foi influenciado pelo Chevrolet Corvette Sting Ray, que estava em fase final de desenvolvimento –, Schnell retornou à Alemanha e começou a trabalhar em seu primeiro grande projeto: o Opel GT, esportivo feito sobre a plataforma do Kadett B.
O pequeno cupê, segundo o próprio Schnell, foi imaginado despretensiosamente, apenas como um exercício de design. Em um depoimento publicado pela própria Opel em 2018, Schnell contou que ele e seu supervisor estavam até com medo de mostrar o carro à cúpula da Opel, e que a recepção foi surpreendente: “ficamos aliviados quando a direção da empresa aplaudiu o carro espontâneamente. Eles estavam encantados!” e foi assim que o GT recebeu a aprovação da Opel para tornar-se um carro produzido em série.
O Opel GT só chegou ao mercado em 1968 (meses depois do Corvette C3, com o qual era ainda mais parecido, aliás), equipado com motores quatro-cilindros de um litro e 67 cv ou 1,9 litro e 102 cv. E em 1973, quando deixou de ser fabricado, ele já tinha vendido mais de de 100.000 unidades.
Com o sucesso do GT, Schnell logo recebeu outros projetos para tocar. Carros como o Opel Rekord C (sim, o carro que deu origem ao nosso Opala); o primeiro Opel Manta, que foi o substituto indireto do Opel GT; o Kadett D; e o primeiro Corsa – todos eles tiveram o envolvimento de Schnell na definição de suas formas.
Schnell também trabalhou em alguns conceitos, como o cupê Opel Diplomat, apresentado em 1969, e o Tech 1, de 1981. Este, aliás, tinha um perfil bastante futurista, mas o desenho da dianteira deixa evidente a origem da identidade visual do primeiro Omega.
Erhard Schnell acabaria ficando mais conhecido, contudo, pelo comando da equipe de design do Vectra – o que incluía o Calibra, naturalmente. Schnell se importava bastante com as proporções, que deveriam ser agradáveis e harmônicas, com todos os elementos do carro conversando bem entre si. Nada poderia ficar escondido ou destacado demais. O Vectra foi lançado em 1988 e o Calibra, dois anos depois.
No caso do Calibra, havia ainda a preocupação extra com a aerodinâmica – algo de que a dianteira baixa, o teto que formava um semicírculo quase perfeito e a traseira com spoiler integrado davam conta muito bem: na época o Calibra era o carro produzido em série com coeficiente de arrasto mais baixo do planeta: apenas 0,26.
Na Alemanha havia versões mais potentes do que a que tivemos aqui: se o C20XE, 2.0 16v naturalmente aspirado de 150 cv, já era bem interessante do nosso ponto de vista, os europeus podiam desfrutar de um V6 de 2,5 litros e 170 cv; ou mesmo de uma versão turbinada do C20XE, chamada C20LET, com 205 cv.
Vectra e Calibra acabaram sendo os últimos projetos de Schnell como funcionário da Opel – e, por isto mesmo, talvez eles sejam os mais lembrados. Mas o projetista permaneceu ligado à marca até o fim de seus dias, sempre posando para fotos com suas criações, autografando carros de fãs e marcando presença em eventos até quando conseguiu aguentar.
É até meio triste o fato de seu nome não ser tão lembrado quanto o de outros projetistas mais antigos. Esperamos que, com este post, tenhamos feito a nossa parte para que ele não seja esquecido.