FlatOut!
Image default
Car Culture

Nardi, o piloto de testes que virou marca de volante

Ferrari 250 GTO, Porsche 356, Mercedes-Benz 300SL Gullwing. O que estes três ícones da história do automóvel têm em comum, além do fato de serem contemporâneos? A resposta está, literalmente, na sua frente. Quer dizer, na frente de qualquer um que se sentar ao volante de um deles. Isto porque todos eles tinham volantes fabricados pela Nardi.

Os volantes da Nardi estão entre os mais famosos e cobiçados do planeta. Seu desenho atemporal e sua qualidade de construção impecável fazem com que eles caiam bem em praticamente qualquer carro, em qualquer projeto. O segredo é a simplicidade: geralmente os volantes Nardi têm três raios de alumínio com um corte longitudinal em cada um deles e revestimento de couro costurado ou madeira.

O que muda são os detalhes: a textura, a cor, as costuras, os rebites. São objetos de beleza ímpar e acabamento de primeira, que fazem parte daquele seleto grupo de acessórios que são praticamente unanimidade entre os entusiastas.

Mas… de onde veio a Nardi? Qual é sua história, e como a empresa se tornou uma das mais famosas e respeitadas em seu ramo?

Como de costume, a história da Nardi começa com uma pessoa. No caso, esta pessoa é Enrico Nardi, nascido em Bologna, na Itália, em 19 de janeiro de 1907.

A exemplo de outras lendas de carne e osso no universo automotivo, Enrico Nardi nasceu praticamente junto com o automóvel, e cresceu vendo uma das mais importantes invenções da espécie humana evoluir rapidamente. Em 1929, quando os carros já começavam a fazer parte da cultura coletiva, o jovem Enrico – então com 22 anos de idade – conheceu o homem que o ajudaria a entrar para a indústria, de onde jamais sairia: Vincenzo Lancia.

Enrico Nardi é o de camisa escura

Nardi havia acabado de se formar engenheiro mecânico e conseguiu um emprego na Lancia. A fábrica, fundada por Vincenzo em 1906, àquela altura já era uma fabricante relativamente bem estabelecida, e tinha em seu histórico alguns modelos diferentes – a maioria deles batizada com letras do alfabeto grego, como os carros de passeio Alfa, Beta e Gamma, além da picape Jota (pronuncia-se “iota”).

Inicialmente, Enrico Nardi foi contratado pela Lancia como engenheiro. Não levou muito tempo, porém, para que ele se mostrasse talentoso também ao volante – a ponto de deixar o cargo de engenheiro para assumir o posto de piloto de testes. Pouco tempo depois, em 1932, ele juntou-se ao também engenheiro Augusto Monaco (que nasceu na Argentina, mas naturalizou-se italiano) para construir seu primeiro carro de corrida em seu tempo livre.

O chamado Nardi-Monaco Chichibio era um pequeno monoposto movido por um motor monocilíndrico JAP de 998 cm³ que, curiosamente, movia as rodas dianteiras. Com ele, Monaco e Nardi venceram diversas competições de hillclimb no início dos anos 1930.

Enrico Nardi começou a tomar gosto pela arte de fabricar automóveis, mas continuou investindo na carreira de piloto. Ele competiu na Mille Miglia em 1935 e 1936 com um Fiat 508 Balilla e em 1937 com um Lancia Augusta.

Paralelamente, Nardi seguiu trabalhando para Vincenzo Lancia – depois de engenheiro e piloto de testes, foi conselheiro pessoal de seu chefe. Em 1937, porém, ele decidiu que era hora de “mudar de casa”: mudou-se para Modena e, com a cara e a coragem, bateu na porta de Enzo Ferrari para tentar conseguir um emprego. Deu certo: naquele tempo as notícias já se espalhavam rápido pelo meio automotivo. Enzo Ferrari conhecia a fama de Enrico Nardi e o contratou como piloto de testes.

Embora ainda tenha competido uma última vez com um Lancia – na Mille Miglia de 1938, conduzindo um Aprilia Speciale –, Nardi se deu bem na Ferrari, trabalhando para a Scuderia por nove anos. Em 1946, porém, ele conheceu Renato Danese, que também era engenheiro formado. Ambos tinham em comum a ambição de fabricar carros de competição e, em 1951, deram início à nova empreitada, fundando em Turim uma nova empresa chamada Nardi-Danese, ou simplesmente ND.

O primeiro projeto bem-sucedido da Nardi-Danese foi o chamado ND750, um curioso monoposto feito com base no Fiat 500 que tinha apenas um farol na dianteira e era movido por um motor flat-twin de 750 cm³ de origem BMW. Mesmo que tivesse apenas 50 cv, o carro era absurdamente leve – pesava menos de 500 kg – e tinha velocidade o bastante para vencer mais provas de hillclimb.

Com isso, a Nardi-Danese conseguiu a projeção de que precisava para conseguir contratos com a própria Ferrari, com a Lancia e com a Alfa Romeo na virada dos anos 1950. O Alfa Romeo 6C, lendário esportivo produzido em diferentes versões entre 1927 e 1954, teve exemplares construídos pela Nardi-Danese entre 1948 e 1949, por exemplo.

Outros projetos executados por Enrico Nardi e Renato Danese conseguiram certo destaque na época. Um deles era um protótipo de Fórmula 2 feito sob encomenda de Gianni Lancia, filho de Vincenzo Lancia, que assumiu o comando da empresa da família após a morte de seu pai. O carro tinha o motor V6 de um Lancia Aurelia alimentado por seis carburadores Dell’Orto, com cabeçotes projetados por Nardi.

Outro foi o Bisiluro 750ND, um monoposto assimétrico feito sob encomenda do piloto Mario Damonte para as 24 Horas de Le Mans de 1955. Equipado com um quatro-cilindros de 736 cm³ com comando duplo no cabeçote e dotado de uma curiosa carroceria dividida em duas, o carro foi um fracasso na corrida de longa duração francesa, saindo da pista e acertando um barranco logo nas primeiras voltas – o que é bastante triste, visto que ele era capaz de chegar aos 216 km/h na reta Hunaudières do circuito de La Sarthe.

Depois do vexame do Bisiluro, Nardi decidiu deixar a empresa e fundou a Officina Nardi. Deixando de lado a construção de carros inteiros, Enrico Nardi começou a focar-se na fabricação de componentes de preparação – cabeçotes, comandos de válvula, pistões e bielas. Contudo, seu produto mais bem sucedido foi – enfim – um volante.

O primeiro volante Nardi foi produzido em 1951, paralelamente aos esforços de Enrico Nardi na construção de automóveis. Os raios e a estrutura eram feitos de alumínio, enquanto o aro utilizava madeira de nogueira – que tinha um aspecto mais claro do que o mogno africano utilizado por outras fabricantes. O primeiro carro a utilizar um volante Nardi foi o Pegaso Z-102 (abaixo), esportivo fabricado na Espanha entre 1951 e 1958, movido por um V8 de 2,8 litros com comando duplo no cabeçote, quatro válvulas por cilindro e 170 cv.

Enrico Nardi percebeu rapidamente que seus volantes eram altamente requisitados por diversas fabricantes. Dançando conforme a música, Nardi enfim tomou a decisão de dedicar-se de forma quase exclusiva à fabricação de volantes. Graças à sua ampla rede de contatos, ele conseguiu firmar parcerias com a Mercedes-Benz, Porsche e Ferrari – esta última teve diversos modelos equipados com volantes Nardi entre 1959 e 1965.

A história da Nardi, contudo, mudou para sempre em 1966: aos 59 anos de idade, seu fundador Enrico Nardi morreu em decorrência de uma septicemia provocada pela inalação de gases de escape. Com a morte de Enrico, a Nardi foi comprada por uma empresa italiana chamada Personal, que deu continuidade à fabricação de volantes com a marca. O visual clássico de seus volantes permaneceu praticamente inalterado desde então – ainda que tenha sido atualizado com novas opções de materiais e acabamentos, como raios escurecidos e revestimento de camurça.