FlatOut!
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Car Culture

Nós assistimos ao novo Top Gear e…

… foi estranho. Verdade. Começando pelo final, foi como assistir ao seu filme favorito com uma dublagem nova. Sabe aquele batalhão de apresentadores? Só três apareceram. Sabe aquela sequência interminável de tiradas e piadas? Talvez no próximo programa. Quem sabe.

(Atenção: o texto traz revelações sobre o programa. Se você não se importa com spoilers, siga em frente)

O novo Top Gear começa nem tão novo assim — afinal, eles precisam deixar claro que ainda é o mesmo programa e que só mudaram os apresentadores e que você pode assistir porque vai ser legal. A música é a mesma (aquela versão estilizada de “Jessica”, dos Allman Brothers), a vinheta de abertura tem o mesmo estilo, porém com clipes já gravados pela nova produção. Mas em vez da voz grave e característica de Clarkson dizendo “Tonight…”, temos a voz de Chris Evans dizendo “Tonight…”, repetindo a fórmula adotada por Clarkson há algumas temporadas.

O estúdio continua cheio de espectadores e carros. O cenário é o mesmo; até as poltronas de Bentley e a mesa V8. Mas só Chris Evans e Matt LeBlanc estão no estúdio — Matt é apresentado por Evans como “o primeiro não-britânico a apresentar Top Gear. Ele entra animado, porém tímido, como um moleque no primeiro dia de aula na nova escola.

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No primeiro quadro do programa, Chris apresenta o Dodge Viper ACR nos EUA. Ele manda bem ao volante, faz manobras como Hammond e Clarkson e, diferentemente dos boatos, ele consegue falar e pilotar ao mesmo tempo com desenvoltura. Senti falta das metáforas absurdas e comparações improváveis que sempre rechearam Top Gear, mas o quadro compensa essa ausência com um pouco de nonsense misturado com ação.

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Nessa sequência Sabine Schmitz finalmente entra em cena a bordo do Corvette Z06. Os Vette e o Viper são equipados com armas laser usada no treinamento dos pilotos de caça da marinha americana. O desafio? Não ser atingido pelo oponente. A receita não é nova — Clarkson já fez isso com um Lotus Elise e um helicóptero e o trio repetiu a receita em Willow Springs —, mas funciona bem e mostra que Sabine Schmitz pode ser uma das surpresas do novo programa.

Além de ser timidamente carismática, ela também é debochada, desbocada, embora desajeitada com o inglês (ela é alemã, caso você não saiba), e agressiva ao volante como raramente se vê na TV.  Na verdade Sabine pilota com mais agressividade que Clarkson, Hammond, May e Evans. Ela é tão agressiva que o piloto de caça que ela levava de carona para operar a arma, pediu para “dar um tempo” e desceu do Vette nauseado. Se ela participar de ao menos um quadro por programa, já valerá a pena assistir.

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“I feel the need… the need for speed!”

De volta ao estúdio, o que se segue não é a sessão de notícias, e sim uma road trip. Aproveitando a chegada de Matt LeBlanc ao Reino Unido, Evans quer apresentar o americano que vive em duas casas na Califórnia a um feriado britânico. E eles fazem isso viajando de Londres a Blackpool, uma cidade costeira no noroeste da Inglaterra, a bordo de dois Reliant Rialto caracterizados — um deles pintado com a Union Jack, outro com a Stars and Stripes.

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O que se segue é provavelmente o quadro mais deprimente, chato, entediante, monótono e maçante da história do Top Gear desde sua estreia em 1977. Não é exagero. Os Reliant Rialto não têm graça alguma, afinal Clarkson já esgotou a piada do capotamento há uns três ou quatro anos, e eles foram modificados simplesmente com a remoção do teto. Um dos Rialto já começa quebrado —  carro mal sai do pátio da BBC e começa a fumegar. O defeito parece fake, como se tivesse sido forjado pela produção para forçar uma quebra que deveria ser cômica.

Passam cinco minutos e nada acontece. As diversas paradas são sem graça, a quebra do carro não tem drama nem humor. São os cinco minutos mais demorados do meu domingo. O carro defeituoso acaba sendo transportado por um caminhão plataforma até os arredores de Blackpool e só então volta a ser dirigido. Nesse meio tempo chove, o apresentador fica visivelmente entediado (não é acting), dez minutos se passam e nada acontece. Então eles finalmente chegam em Blackpool e… corta pro estúdio! Sim, dez minutos sem ação cômica nem hooning e quando algo legal poderia acontecer, eles voltam para o estúdio.

Nessa hora você espera um famoso para dirigir o Astra na pista do aeródromo de Dunsfold, o “Star in a Reasonably Priced Car”. Não tenho certeza quanto a isso, mas pelo título irônico, creio que o quadro foi uma criação de Clarkson e do produtor Andy Wilman. Deve ter sido por isso que agora o quadro se chama “Star in a Rallycross Car”, mais precisamente um Mini Cooper S. Sendo um rallycross, a pista agora tem um trecho de terra/lama.

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Os dois primeiros convidados são Gordon Ramsay, que já foi ao programa duas vezes e conseguiu o recorde da pista além de ser um grande entusiasta, e Jesse Eisenberg, o carinha que fez Mark Zuckerberg no filme “A Rede Social”. Bla bla bla, volta comentada, suspense para o tempo e piadas sobre o desempenho é o que acontece. Nada de novo além do carro e da pista. Evans é um entrevistador experiente, então tudo ok aqui.

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Em seguida Matt LeBlanc leva o Ariel Nomad ao deserto e manda bem ao volante. Ele reproduz o humor de Joey Tribbianni. Funciona bem, se você não esperar o mesmo tipo de humor do trio Clarkson, Hammond e May. A cinematografia do quadro segue o padrão Top Gear: ângulos inusitados, saltos, efeitos de câmera, velocidade e empolgação dos apresentadores.

Depois eles voltam a Blackpool mas não pegam os Reliant (WTF?) e sim dois jipes, um Willys e um Land Rover Series 1 — sim: um americano e um inglês — os produtores não resistiram e caíram na tentação de fazer um desafio EUA vs. Reino Unido. Só depois de quase meia hora de programa finalmente surge o primeiro desafio da viagem: os jipes, que aparentemente cairam do céu junto com a chuva torrencial, devem fazer um teste de velocidade máxima. Velocidade máxima com jipes. Na chuva. Mais entediante impossível.

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O segundo desafio é cabo de guerra absurdamente sem graça, envolvendo times de rugby, de futebol americano e uma trapaça que você só veria em uma festa de aniversário de cinco anos. Depois os produtores repetem um clichê manjadíssimo: chamar de “drag race” uma corrida com drag queens. O quadro de intermináveis cinco minutos acaba com o desafio seguinte: mais uma corrida, desta vez ao topo de uma colina, usando uma trilha cheia de obstáculos e rebocando os Reliant.

O negócio melhora um pouco porque Matt vai por um caminho mais curto, mas cheio de obstáculos, auxiliado por um campeão de levantamento de peso, enquanto Evans vai pelo caminho mais longo e suave, auxiliado por um cara que lhe serve de navegador. Evans trapaceia, mas não é engraçado como as trapaças de Richard Hammond. A narrativa da aventura é muito mais resumida que nas aventuras do trio antigo, e temos somente alguns momentos de humor verdadeiro. No fim, essa “road trip” parecia uma versão editada para caber no YouTube/Facebook. Fraquinha, infelizmente.

Depois de assistir duas vezes o primeiro programa deste novo Top Gear, ficou claro que Chris Evans terá que se esforçar muito para conquistar a audiência — isso se conseguir. Sua persona não é das mais carismáticas e, ainda que seja um legítimo fã de carros e bom de braço, ele ainda parece um DJ adaptado na função de chefe-petrolhead.

Matt LeBlanc foi uma surpresa. Ele é o “cool guy”, como um Joey Tribianni mais esperto e inteligente. Suas tiradas sobre os carros são boas e, ainda que pareça intimidado, rouba a atenção por ser mais famoso mundialmente que Evans. Sabine, como já disse mais acima, tem um grande potencial. Ela é divertida, desajeitada e ingênua, mas certamente irá abusar de todos os carros em que colocar as mãos.

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Em termos gerais a BBC se esforçou para convencer que Top Gear continuará interessante e divertido como sempre, mas esse primeiro episódio não foi suficiente. Ainda falta ver Eddie Jordan, Chris Harris e Rory Reid — os dois últimos apresentaram o programa auxiliar, Extra Gear, e foram muito elogiados pelo público britânico. São divertidos, relaxados e têm intimidade com as câmeras. É bem provável que Sabine se dê muito bem com LeBlanc e Harris, e também tenho boas expectativas sobre Rory Reid, que é um cara descontraído, “criado” no YouTube, e Eddie Jordan, que deve fazer o papel de velhinho sábio e zoeiro.

Chris Evans é um cara legal em seu programa na BBC Radio 2 — eu costumava ouvi-lo de manhã em 2008/2009 para treinar meu inglês e descobrir novos artistas, uma vez que a MTV já estava infantilizada e debilóide na época. Fiquei surpreso em saber que ele era um gearhead de primeira nas vezes em que levou sua incrível coleção de Ferraris ao Top Gear, e por isso depositei alguma esperança de que ele pudesse se sair bem como apresentador do Top Gear. Mas depois deste episódio começo a achar que ele será o Jason Dawe deste novo Top Gear.

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Solução proposta pelos fãs do programa no Reddit

E sobre o programa, é óbvio que ele nunca mais será aquele Top Gear que aprendemos a gostar desde 2002, mas ele ainda será um dos melhores programas de carros do planeta. Isso é tão certo quanto um problema elétrico num Jaguar XJ 1976. E veja o lado bom: encontramos um substituto para Fifth Gear.