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Car Culture

O 911 GT1 ainda é o Porsche mais absurdo já feito – mas não tanto quanto você imagina

O fascínio que os especiais de homologação exerce sobre os entusiastas é universal. Quem, com a cabeça no lugar, é capaz de ignorar a ideia de um carro de corrida emplacado e liberado para rodar nas ruas? Claro, nem todos os especiais de homologação têm essa pegada. Mas, no caso dos protótipos da categoria GT1, que competiram na segunda metade dos anos 90, era basicamente assim que as coisas funcionavam.

Para disputar a categoria mais alta das provas de longa duração naquela época, os carros de competição precisavam dar origem a pelo menos 25 exemplares de uma versão “de rua”. Por “de rua”, entenda-se “com placas e todos os equipamentos de segurança necessários para rodar em vias públicas” – na prática, dificilmente tais veículos poderiam ser utilizados normalmente, no dia-a-dia (embora existam alguns entusiastas, verdadeiros heróis, que o fazem).

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Alguns são mais raros – o Toyota GT-One, por exemplo, justifica seu nome ao ter apenas um exemplar de rua produzido. O Mercedes-Benz CLK GT-R, por sua vez, teve cerca de 20 cupês produzidos, e mais seis roadsters – que, naturalmente, são os mais valiosos, ainda que os cupês sejam mais fiéis ao carro de competição. O McLaren F1, de forma pouco usual, nasceu primeiro como carro de rua e só depois virou carro de competição. E, claro, houve o Porsche 911 GT1. Que, antes de qualquer coisa, não deixava de ser um 911.

Foram feitos, inicialmente, cerca de 20 exemplares do GT1 em 1997 – o número mínimo para homologação era de 25 unidades, mas a FIA não foi exatamente rigorosa na hora de verificar quantos foram produzidas porque, no fim das contas, o mais importante era garantir que a competição aconteceria.

Aqueles carros eram diferentes do primeiro 911 GT1 que competiu, em 1996, principalmente por adotarem a dianteira do Porsche 996 – e não do 993, como no carro de competição. A mudança meio que ajudou o público a “digerir” a dianteira do primeiro 911 com motor arrefecido a água, que causou certo rebuliço por não ter os faróis redondos que eram tradição no 911. Mas, sinceramente, o formato dos faróis era só um detalhe, porque o 911 GT1 era uma máquina à parte de tudo que a Porsche tinha feito até o momento – e possivelmente até de tudo que a Porsche fez depois. Jamais outro protótipo de corridas foi transformado em Porsche de rua. O mais perto disso, e ainda a milhas de distância, foi o Carrera GT e seu motor V10 derivado do projeto abortado da Porsche para a Fórmula 1.

Então, quando um carro como esse aparece e revela todos os seus detalhes, praticamente temos a obrigação de ver tudo e saborear cada detalhe.

Foi o que aconteceu recentemente. A DK Engineering, empresa que atua como oficina especializada em supercarros raros, e também como revenda, decidiu filmar o Porsche 911 GT1 Straßenversion que foi vendido recentemente. O veículo ainda está anunciado no site da loja e o preço não foi divulgado, mas os especialistas residentes da DK Engineering fizeram uma revisão completa e garantiram que tudo estivesse nos conformes para a entrega. Antes disso, porém, eles aproveitaram para mostrar algumas coisas que normalmente não se vê nesse tipo de carro. A não ser que você tenha o seu.

Uma coisa interessante: apesar de toda a aura “sagrada” que envolve o 911 GT1 (assim como outros especiais de homologação da época), a verdade é que ele carregava muito do Porsche 911 – tanto do 993 quanto do 996, já que ele foi criado durante a transição entre ambas as gerações. A ideia era oferecer, de fato, uma experiência minimamente confortável e tranquila no dia-a-dia. E isto incluiu o interior completo do Porsche 911 993, incluindo ar-condicionado e outras amenidades, além de componentes externos do 996.

O Porsche 911 GT1 era um carro híbrido. Mas em um sentido bem mais interessante que aquele a que nos habituamos: ele era um híbrido do 993, de quem herdava a porção central da estrutura, partes do front clip e o já citado interior; e de nada menos que o Porsche 962 – aquele que, apesar de ficar na sombra do 917 quando se fala em automobilismo, teve uma vida muito mais longa e frutífera em Le Mans: enquanto o 917 venceu em 1970 e 1971, o 962 (e seu antecessor direto, o muito semelhante Porsche 956) colecionaram seis triunfos consecutivos em La Sarthe entre 1982 e 1987. Sem falar na vitória do Dauer 962, o esforço de fábrica extra-oficial de 1994. Era natural, então, que a Porsche aproveitasse a receita já testada e aprovada.

Do Porsche 962, o 911 GT1 herdou toda a porção traseira, incluindo estrutura, suspensão e, claro, o posicionamento central-traseiro do motor. Então, por mais que se chame 911 e, para todos os efeitos, faça parte da família, ele tem muito mais de protótipo do que seu nome sugere. O que, claro, não é surpresa: para vencer nas 24 Horas de Le Mans de 1998, ele precisava estar à altura de caras como o Nissan R390 GT1, Panoz GTR1, Ferrari 333 SP e os já citados Mercedes-Benz CLK GTR (chamado CLK-LM em 1998) e Toyota GT-One, todos projetados do zero. Um simples 911 modificado não seria o bastante.

O motor do Porsche 911 GT1 era, claro, um flat-six – uma unidade de 3,2 litros (3.164 cm³) com arrefecimento líquido (algo que ainda era considerado sacrilégio por um séquito mais conservador de fãs da Porsche), dois turbos, intercooler e quatro válvulas por cilindro (na época, o 911 GT2 da geração 993 ainda usava arrefecimento a ar e duas válvulas por cilindro. A alimentação ficava por conta de um sistema de injeção Bosch Motronic 5.2, que também era o mais avançado da época. Era o suficiente para cerca de 600 cv na versão de competição – mais que isso, e a FIA teria de impedi-lo de participar das 24 Horas de Le Mans.

A versão de rua não estava sujeita às restrições do regulamento, mas teve de ser ligeiramente estrangulada para adequar-se às normas para emissões na Europa. Por isso, entregava 544 cv a 7.200 rpm, acompanhados de 61,2 kgfdm de torque a 4.250 rpm. O carro trocava a caixa sequencial do carro de corrida por uma transmissão manual de seis marchas em H. E, mesmo com interior completo, ainda pesava só 1.150 kg.

O 911 GT1 era capaz de ir de zero a 100 km/h em 3,9 segundos, de zero a 200 km/h em 10,5 segundos e de zero a 250 km/h em 17,4 segundos – números aferidos pela publicação alemã Auto Motor und Sport em um teste que deve ter sido um verdadeiro deleite para todos os envolvidos. Eles também mediram a velocidade máxima: 308 km/h.

Mas isso é o que todo mundo consegue aprender com um pouco de pesquisa. Bacana mesmo é descobrir coisas que só quem convive com o carro poderia perceber.

A proximidade com o 911 é, sem dúvida, o mais curioso. Para abrir o compartimento frontal, por exemplo (o “capô que não é capô”): exatamente como em qualquer 964 ou 993 – que dividem muitos acabamentos entre si – basta abrir a porta do motorista e procurar a alavanca próxima às saídas de ar.

Ela é bem firme e precisa de bastante força para soltar as duas travas, que são bem firmes. O que é curioso, porque a tampa em si, feita de fibra de carbono, é extremamente leve. E a tampa não tem um braço de apoio – as dobradiças são hidráulicas e possuem travas para manter o capô aberto automaticamente.

A estrutura frontal do 911 GT1 é a de um carro de competição, e a área onde normalmente ficaria o frunk (de front trunk, ou “porta-malas dianteiro) é dominada pelos dutos do sistema de arrefecimento, pelo tanque de combustível (que é o mesmo do 964, e não do 993) e pelos componentes da suspensão pushrod.

A bateria fica no meio, e o carro da DK Engineering recebeu um carregador automático. Geralmente usada em carros que passam muito tempo parados, e recarrega a bateria na mesma proporção em que ela se descarrega naturalmente. O carregador fica guardado no porta-malas, mas há um monitor com três LEDs que indicam a necessidade de carga, o carregamento em curso, e a bateria totalmente recarregada.

Logo atrás ficam o tanque de combustível e seu bocal, os pushrods e os recipientes dos fluidos: do lado do carona, o fluido do limpador de para-brisa; do lado do motorista, o fluido de arrefecimento.

Então, você não vai conseguir guardar nada ali. Mas há outro “porta-malas” – um volume que precisava ser colocado ali de todo jeito. Não só para facilitar um pouco a vida de quem comprasse uma das unidades de homologação, mas também porque o regulamento exigia que o próprio carro de corrida tivesse um compartimento de bagagem. A Toyota foi malandra e disse que o tanque de combustível do GT-One podia ser usado como compartimento de carga quando vazio – e, incrivelmente, a história colou.

Para evitar interpretações como essa e represálias, a Porsche deu ao 911 GT1 um porta-malas de verdade, atrás do motor – solução já empregada em outros supercarros de motor central-traseiro, como o Honda NSX.

Surpreendentemente espaçoso (ao menos o bastante para uma mala de bom tamanho), o porta-malas do 911 GT1 vinha com alguns itens interessantes.

Para abrir, pressiona-se um botão abaixo do painel. Ele é elétrico, e tem um motor razoavelmente barulhento.

Está vendo estas almofadas? Elas são removíveis, e podem ser colocadas nos bancos para garantir um pouco mais de conforto.

Há também o triângulo, o carregador da bateria (que se conecta no pequeno cabo que vimos há pouco), e a ferramenta usada para abrir a tampa do motor – sem ela, nada feito.

Um detalhe curiosíssimo: ao abrir a tampa do motor, o porta-malas vai junto – ele é literalmente uma caixa de fibra de carbono instalada na peça. Melhor não colocar nada frágil ali.

O processo de abrir a tampa do motor é relativamente complexo. A ferramenta parece uma chave de corda, e é encaixada em dois orifícios na parte interna das portas. De cada lado, há uma trava hexagonal que se abre depois de aproximadamente 13 voltas e meia – ouve-se um clique bem alto quando o ferrolho se solta, e o porta-malas só abre depois que as duas travas foram liberadas.

A tampa, apesar de ser feita de fibra de carbono, é relativamente pesada. Para abri-la, é importante ter apoio em um dos braços e forçar com o outro – por sorte, as dobradiças também possuem travas automáticas.

Atrás, a presença dominante na parte superior é o plenum do coletor de admissão, que recebe ar pelo scoop no teto. Do seu lado esquerdo (o lado do motorista) ficam a bomba da direção hidráulica e o reservatório de óleo – Mobil1 5W40 –, acompanhado do medidor. Para aferir o óleo é preciso esperar que ele atinja uma temperatura “acima do terceiro risquinho” no mostrador, deixar o motor rodando em marcha lenta por 30 segundos para que ele circule por todo o sistema, e só então conferir.

Com a tampa do motor aberta, é possível admirar “o outro lado” do 911 GT1 – a metade racecar, com o boxer de 3,2 litros, a suspensão pushrod e o câmbio ligado às rodas traseiras.

Para fechar, é preciso fazer a operação em reverso – primeiro, soltar a trava usando o pé, mantê-la no lugar e ir descendo a cobertura até o ponto em que é preciso tirar a perna para continuar fechando. Uma vez encaixada a tampa, empurra-se a mesma de volta à posição original. E não esqueça de usar a ferramenta para trancá-la – mais 13 voltas e meia, agora no sentido contrário.

Você não vai conseguir realizar nenhuma manutenção nesse motor sem equipamento especializado – a razão pela qual a DK Engineering recebeu da própria Porsche o chamado PIWIS Tester III, sistema de diagnóstico proprietário da fabricante que usa o leitor OBD do 911 GT1. A porta fica no console central, ligada a um laptop Panasonic que acompanha o kit. O laptop possui um programa da própria Porsche, capaz de ler dados de diagnóstico de praticamente todos os seus modelos e indicar o procedimento necessário. E ele só roda com a ignição ligada e o imobilizador desativado.

A chave de ignição, naturalmente colocada do lado esquerdo, é exatamente igual à do 993, assim como todo o painel de instrumentos. O que muda no habitáculo é o console central, exclusivo do 991 GT1, e o revestimento do teto, que possui reentrâncias para acomodar as cabeças dos ocupantes e, no meio, tem um enorme ressalto onde fica o duto do coletor de admissão.

O interior é claustrofóbico, sim, mas tem todo o requinte noventista que se espera, incluindo acabamento caprichado em couro. E, novamente: esse carro pode ser um ícone de homologação, mas tem tudo o que qualquer outro 911 da época teria – botão para o pisca-alerta, os controles dos vidros no console central (que são motivo de crítica em um carro popular, mas no 911 GT1 são mais um bônus do que qualquer outra coisa), o comando dos retrovisores elétricos e o botão para tivar o alarme. No painel ainda há os comandos do desembaçador, das luzes de neblina e, veja só, até um acendedor de cigarros.

Um detalhe é o formato do console que abriga a alavanca de câmbio, bem mais alto do que em um 911 normal – e, como a cabine é mais estreita, a alavanca do freio de estacionamento foi deslocada para o lado esquerdo do motorista, que precisa enfiar a mão entre o banco e a gaiola de proteção.

Este exemplar também ganhou uma câmera de ré. A tela foi instalada pela própria DK Engineering e integrada ao painel de forma levemente desajeitada, mas é absolutamente essencial em manobras de estacionamento quando não se vê nada pelo vidro de trás e se está em um cupê de corrida com 4,89 metros de comprimento…

Você não ia querer acertar um poste ou coluna no estacionamento do prédio, iria?

 

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