Como a silhueta do Porsche 911 ou a grade duplo-rim da BMW, a asa traseira dupla do Ford Escort RS Cosworth é um dos elementos de design mais icônicos em toda a história da indústria automobilística. É o tipo de coisa que todo entusiasta já viu, do tipo que permite distinguir os gearheads de pessoas normais.
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Sendo um cara culto, que lê o FlatOut, você certamente sabe que o Escort RS Cosworth não é exatamente um Escort, mas sim um Sierra RS Cosworth com carroceria de Escort. E que o Sierra foi o que inaugurou a asa traseira dupla ainda na década de 1980 em suas versões esportivas, enquanto o Escort Cossie, que foi lançado em 1992, a herdou. Mas o Escort RS Cosworth acabou ficando mais conhecido porque, além de ter melhores resultados no Campeonato Mundial de Rali, é um modelo mais conhecido pelo mundo que o Sierra, cuja fama está mais limitada ao Reino Unido.
Mas você sabia que a asa traseira dupla do Escort RS Cosworth quase foi uma asa traseira tripla? Sim, é verdade – e, de acordo com Frank Stephenson, seu projetista, ele teria ficado melhor com ela. Mas a cúpula da Ford o obrigou a abandonar a ideia por questões de custos – algo que, até hoje deixa Stephenson um tanto ressentido, como o próprio conta em seu canal no Youtube.
Frank Stephenson já foi considerado pela revista Motor Trend com um dos designers automotivos mais influentes de todos os tempos. Além da Ford, ele já passou pela BMW, onde projetou o Mini hatch lançado em 2000; pela Fiat, onde assinou projetos de várias marcas do grupo – como a Ferrari F430, o conceito Fiat Trepiùno, que deu origem ao atual 500, e o Masrati MC12; e pela McLaren, onde até 2017 foi chefe do departamento de design.
O Ford Escort RS Cosworth foi seu primeiro projeto para uma grande fabricante, e o espírito de designer jovem recém-formado foi o que, segundo Stephenson, fez do RS Cosworth um projeto tão ousado esteticamente. Inicialmente o carro teria apenas um spoiler na tampa traseira, mas Stephenson decidiu reaproveitar o conceito do Sierra – de forma ainda mais extrema, com uma grande asa superior formando uma continuação da linha do teto, um spoiler maior na tampa do porta-malas, e mais uma asa entre ambas.
Sua inspiração foi o avião de combate Fokker Dr.I, cujo nome deriva da palavra Dreidecker, que pode ser traduzida do alemão como “triplano”. O Fokker Dr.I foi muito bem sucedido na Primeira Guerra Mundial e ficou famoso por ser o avião de Manfred von Richthofen, o “Barão Vermelho”, que até hoje é considerado um dos maiores aviadores de todos os tempos.
Para Stephenson, a asa tripla era a mistura perfeita de funcionalidade e estética – ela garantia o máximo de downforce na região traseira do carro e causava um impacto visual sem precedentes naquele que seria o representante da Ford no Campeonato Mundial de Rali. Uma vez definido o design, o carro foi esculpido em argila e apresentado à cúpula da Ford, em uma reunião para tentar reduzir os custos de fabricação.
“Infelizmente, como a Ford sempre foi uma fabricante preocupada com gastos, os executivos chegaram à conclusão de que era possível economizar cerca de 5 marcos alemães (o equivalente a cerca de € 4 em 2020, ou por volta de R$ 24) por carro caso a asa do meio fosse eliminada”, diz Stephenson.
“Perdemos a asa do meio e economizamos um pouquinho. Mas também perdemos muito da personalidade do carro, e as pessoas na época não perceberam isto. Para mim, foi uma perda muito grande em termos de design. O Escort RS Cosworth foi um carro incrível, claro, mas poderia ter tido um impacto muito maior. Eu o vejo como um filho que nasceu com nove dedos em vez de dez.”
Ao menos ele pode ficar tranquilo sabendo que a asa traseira tripla era realmente eficaz. Em 2017, o programa Wheelers Dealers (“Joias sobre Rodas”) contou com a ajuda do próprio Stephenson para concretizar seu plano e colocar uma asa tripla no Escort RS Cosworth.
Em um dos episódios mais populares do programa, o Cosworth foi testado em um túnel de vento para a aferição dos ganhos de downforce – e, de fato, constatou-se um ganho de 11 kg a 160 km/h.
Enquanto faz um esboço rápido do Escort RS Cosworth com asa traseira tripla, Stephenson diz que o ocorrido lhe ensinou uma lição: quando você é um designer com ideias ousadas, é melhor mostrá-las logo no início do projeto e torcer para que elas sejam aceitas, e não tentar incorporá-las depois – é muito mais provável que um carro perca elementos ao longo do processo de design, e não o contrário.