Os últimos anos foram surpreendentemente repletos de bons filmes sobre automobilismo, e o mais recente deles, “Ford v. Ferrari”, não é exceção – ainda que, em nome do entretenimento, existam certos elementos de ficção. O que importa é ver uma rivalidade tão intensa e emocionante em uma das corridas mais emblemáticas do planeta – as 24 Horas de Le Mans de 1966 – na telona, com elenco e produção de primeira. E, por elenco, não estamos falando apenas de Christian Bale e Matt Damon como protagonistas, representando Ken Miles e Carroll Shelby, respectivamente. Também falamos dos carros. Mais especificamente, do Ford GT40, que conquistou sua primeira vitória em La Sarthe naquele ano.
Ainda não é assinante do FlatOut? Considere fazê-lo: além de nos ajudar a manter o site e o nosso canal funcionando, você terá acesso a uma série de matérias exclusivas para assinantes – como conteúdos técnicos, histórias de carros e pilotos, avaliações e muito mais!
Como contamos em nossa recente série especial sobre a trajetória do GT40 em Le Mans, a primeira vitória aconteceu em 1966, depois que Shelby se envolveu no programa e determinou que o motor small block fosse trocado por um big block, maior e mais potente – em vez do V8 289 (4,7 litros) emprestado do Mustang, o V8 427 (sete litros) do Ford Galaxie. E, claro, com as devidas modificações em estrutura e carroceria para acomodar a nova usina de força. Era o chamado GT40 MkII.
Os carros que de fato participaram da corrida têm valor praticamente incalculável (ao menos para pobres mortais, como nós). O GT40 que venceu a corrida nas mãos de Bruce McLaren e Chris Amon – o carro preto de chassi P/1046 – foi comprado por um certo Rob Kauffman em 2014, e passou por uma restauração de mais de 4.000 horas de trabalho. Já o segundo colocado, o GT40 P/1015, de Ken Miles e Denny Hulme, está no museu da Miller Motorsports em Utah, nos EUA. É o carro da foto abaixo, avaliado em mais de US$ 8 milhões.
Nenhum deles estava disponível para gravações, o que não nos surpreende nem um pouco, e por isso os produtores do filme tiveram de recorrer a réplicas. E eles conseguiram as melhores que puderam: dois GT40 Superformance. E agora um deles – o carro usado como hero car por Christian Bale – será leiloado pela Mecum Auctions.
Foi a própria Superformance quem procurou a produção de “Ford v. Ferrari” para lhes oferecer os carros. E não nos surpreende que eles tenham conseguido o job: chamar os carros que eles fazem de meras “réplicas” chega a ser injusto. Na prática, o que a Superformance faz é continuar a produção do GT40 original, usando os blueprints da época e respeitando todas as dimensões e características do projeto, porém com componentes modernos. E eles são os únicos que podem usar emblemas do GT40 e chamar os carros por este nome.
Geralmente quem compra um GT40 Superformance compra um chassi rolante, sem motor, e adquire o conjunto mecânico à parte — uma forma de driblar a legislação americana, que exige testes de segurança e equipamentos de série como airbags e controles de tração mesmo de fabricantes artesanais, algo que está mudando após o “low volume manufatucturers act”. Entre as opções estão crate engines modificados e motores OEM, como o Coyote 5.0 do Mustang. No caso do carro do filme, foi utilizado um V8 Roush 427IR, com deslocamento ampliado para 511 cm³ (8,3 litros!) com injeção K&N, escapamento bundle of snakes e capacidade para entregar 612 cv e 79 kgfm de torque, acoplado a um transeixo Quaife de cinco marchas.
O carro usa construção monocoque de aço eletro-galvanizado que, como já dissemos, é uma réplica perfeita da original. A suspensão dianteira traz braços triangulares sobrepostos assimétricos e a traseira, braços arrastados e braços longitudinais assimétricos, com molas H&R e amortecedores Bilstein nos quatro cantos. Os freios são da Wilwood, e as rodas são um jogo de Halibrand fabricadas pela própria Shelby e incluem até mesmo cubos rápidos à moda antiga, do tipo knock-off (do tipo que se prende e solta com uma martelo de borracha).
Por dentro, há bancos revestidos de couro preto (completos com as marcantes ilhoses de metal), volante Motolita e instrumentos Smiths, reproduzindo o interior dos GT40 da época à perfeição. Não por acaso, o carro foi aprovado e autografado por Charlie Agapiou, o mecânico-chefe de Ken Miles nas 24 Horas de Le Mans de 1966, e pelo filho do piloto, Peter Miles.
O GT40 Superformance será uma das atrações do leilão anual da Mecum em Kissimmee, nos EUA, em janeiro de 2020. O valor estimado de arremate não foi divulgado – e, quando isto acontece, é porque não faria diferença para a maioria das pessoas. Sorte de quem tem bala na agulha para colocar um carro de cinema tão significante na garagem.