Ele tinha motor central-traseiro e perfil em forma de cunha — a receita de um supercarro — mas seu V6 de 233 cv não o fazia muito especial. Isso, contudo, não impediu o Mitsuoka Orochi de ficar famoso como “o supercarro mais feio do mundo”. Agora, para o bem da beleza no mundo automotivo, a Mitsuoka acaba de apresentar a última leva de seu modelo mais famoso. Para alguns, isto é motivo de comemoração, mas nós estamos até meio tristes e — vamos explicar o porquê.
A Mitsuoka não acha o Orochi feio — na verdade, para a marca, ele é um “supercarro fashion” feito para “dirigir e atrair a atenção de todos”. Como se fosse possível não atrair a atenção de todos ao rodar por aí ao volante de uma máquina cheia de vincos, entradas de ar, curvas abruptas e a dianteira que lembra um peixe sorridente de quatro olhos.
Vai dizer que não?
O Orochi foi apresentado como conceito no Salão de Tóquio de 2001 e, provavelmente, ninguém acreditou que ele, um dia, se tornaria um carro de produção. Naquela época,a Mitsuoka disse o seguinte sobre a ideia por trás do carro.
O Orochi tem desenho reptiliano. Como seu nome indica, os faróis e lanternas traseiras têm o formato de olhos penetrantes que atravessam a presa. A entrada de ar sugere de forma assustadora as mandíbulas de uma píton, pronta para atacar com suas presas afiadas”.
Bom, nós ainda achamos que ele se parece com um peixe mais do que com uma cobra. O nome do carro é inspirado na criatura fantástica Yamata no Orochi, um dragão de oito cabeças e oito caudas — lembrando que os dragões são bem diferentes dos dragões medievais que estamos acostumados a ver na ficção, e se parecem muito mais com serpentes — pense no Shen Long, de Dragon Ball Z (mesmo que o Shen Long seja inspirado nos dragões chineses, mas você entendeu).
Enfim, divagamos. Mecanicamente, o primeiro conceito do Orochi era baseado na plataforma do icônico Honda NSX, o que significa que ele provavelmente tinha um motor V6 de três litros e 280 cv com comando duplo variável, além de empregar suspensão com braços sobrepostos do tipo “duplo-A” nos quatro cantos. Depois de apresentar uma versão conversível, chamada Orochi Nude Top, em 2005, a Mitsuoka anunciou a versão de produção no ano seguinte — como todo bom carro exclusivo, em série limitada a 100 unidades por ano até 2010.
O visual definitivo do Orochi praticamente não mudou, mas a plataforma foi desenvolvida pela própria Mitsuoka. A suspensão igual à do NSX foi mantida (há quem diga que os componentes são intercambiáveis entre os dois carros), mas o V6 Honda deu lugar a um motor Toyota, de 3,3 litros, 233 cv e 33,4 mkgf de torque — o mesmo empregado no Camry. Não é nenhuma usina de força, mas é confiável e de funcionamento suave. A transmissão é automática de cinco marchas, também da Toyota.
O conjunto mecânico foi escolhido a dedo — não precisava ser potente demais, pois o Orochi sempre foi, acredite, um supercarro que se vendia pela imagem, mas também não precisava ser fraco demais. Os 233 cv são suficientes para levar os 1.580 kg Orochi aos 100 km/h em sete segundos, o que não é exatamente alucinante para um supercarro.
De qualquer forma, como já dissemos, desempenho não era o principal objetivo do Orochi — em vez disso, a Mitsuoka preferiu dar atenção ao visual e ao conforto no interior, que tem um desenho bem mais convencional, é todo revestido em couro e é surpreendentemente espaçoso e equipado com os itens de conforto e conveniência que se espera de um carro fabricado neste século — correto, porém nada especial.
Por outro lado, as publicações que o testaram na época elogiaram bastante seu comportamento dinâmico, dizendo que o sistema de suspensão faz com que o carro seja muito estável em, ainda que lhe falte um pouco mais de agressividade na hora de atacar as curvas. Além disso, a qualidade de construção e a rigidez da carroceria também foram pontos positivos — e estamos falando de publicações de renome, como as revistas britânicas AutoExpress e Autocar.
Ou seja: embora seja feio — ou melhor, excêntrico —, o Orochi é um bom carro, e sempre faz sucesso quando circula pelas ruas do Japão. E, cá para nós, a Mitsuoka não conseguiria recursos para fazer um carro feio, porém competente, se não vendesse outros carros. E eles vendem.
A maioria deles é de carros de visual retrô feitos sobre modelos mais modernos e acessíveis — alguns deles bem comuns no Brasil, inclusive. Quer ver só?
Este é o Mitsuoka Galue 204, que tem o visual retrô que lembra um Rolls-Royce das antigas, mas na verdade é um Toyota Corolla da geração passada com novas dianteira e traseira — e ele é só um dos carros retrô que a Mitsuoka produz.
E que tal este mini Jaguar Mk2? Nada mais é do que um Nissan March modificado chamado Mitsuoka Viewt — a linha de cintura e as proporções gerais convencem como um Jag Mk2 em escala reduzida, não acha?
James May dando um passeio no Orochi e no Galue
A Mitsuoka também fornece parte dos famosos táxis londrinos desde 1997, quando ao London Taxis International encomendou um substituto para o Austin FX4, o famoso Black Cab. Baseado no Nissan Cube, o Mitsuoka Yuga tem um motor a diesel de 2,7 litros (economia para rodar o dia todo pela capital inglesa) e tem visual inspirado nos icônicos táxis ingleses.
Contudo, se você tem perfil mais entusista, a Mitsuoka também oferece o Himiko, um clone do Jaguar XK120 baseado no Mazda MX-5 Miata de terceira geração. A Mitsuoka o compara a “um navio cruzando majestosamente o alto mar, misturando-se às ondas”. Nós não compramos muito este papo, mas adoraríamos pilotar um testes como um Miata deve ser pilotado.
Mas vamos voltar ao Orochi. Provavelmente foi o relativo sucesso de seus carros retrô (eles não são exatamente raros nas ruas do Japão) e dos táxis londrinos que deu à Mitsuoka recursos para levar adiante o projeto do Mitsuoka e seguir com ele por tanto tempo — até abril deste ano, quando o Final Orochi foi apresentado.
Edição limitada a cinco unidades, o Final Orochi seria o canto do cisne (ou seria o grasnar do patinho feio?) do “supercarro fashion” se não fosse pelo carro da foto acima — o Mitsuoka Orochi Evangelion Edition, inspirado na série de anime e mangá Neon Genesis Evangelion. Limitado e vendido exclusivamente pela rede de lojas de conveniência 7-Eleven, o Orochi Evangelion Edition traz uma pintura colorida especial inspirada na arte da série japonesa — ao menos é o que eles dizem.
Se fosse qualquer outro carro talvez ficasse ridículo mas, por alguma razão, o tratamento especial combinou com as linhas ousadas (para dizer o mínimo), do Orochi.
Como dá para ver, a Mitsuoka está longe de ser uma one-hit wonder — termo usado para fala daqueles artistas ou bandas que só conseguem emplacar uma música. Acontece que todo mundo só lembra do Orochi, o que é compreensível. Mas nós preferimos dizer que ele não será lembrado por ser feio, e sim por ser uma ode à ousadia na indústria automotiva, que está cada vez mais rara. Vamos sentir falta dele.