Sim, FlatOuters. Depois dos BMW de motor transversal e tração dianteira, do Mustang com suspensão multilink e dos carros ingleses sem problemas elétricos, mais uma tradição do mundo automotivo acaba de ser quebrada: a Porsche lançou um 911 com motor central-traseiro. E isso pode ser o prenúncio de uma nova era.
Você sabe: desde o lançamento do 911 em 1964 a Porsche manteve o flat-6 do modelo pendurado atrás do eixo traseiro, um layout derivado do 356 que, por sua vez, era derivado do Fusca — a mais célebre criação de Ferdinand Porsche. Nos primeiros 20 ou 30 anos a distribuição de peso desajeitada tornava o comportamento dinâmico dos 911 um tanto arisco, exigindo uma tocada própria para o carro, muito baseada em alicatadas fortes nas entradas de curvas para transferir o peso para a dianteira e ajudar o carro a apontar.
Ao longo dos anos, à medida em que a potência aumentava, a bitola traseira também crescia para equilibrar o carro, mantendo sua traseira mais firme. O “problema” começou a ser resolvido no final dos anos 1980, quando a geração 964 ganhou o primeiro sistema de tração integral. Depois, a Porsche continuou dobrando a física alongando o entre-eixos do 911, deslocando o motor um pouco para a dianteira e sempre aperfeiçoando seus recursos tecnológicos até chegar ao estágio atual, no qual o 911 é um carro perfeitamente equilibrado mesmo com o motor “no lugar errado”.
Para as ruas o sistema de esterçamento das rodas traseiras, os diferenciais eletrônicos com vetorização de torque e a adoção de ligas de aço de alta resistência foram suficientes. Nas pistas, contudo, o negócio é um pouco diferente.
Além da aderência mecânica, carros de corrida se apoiam também na aderência aerodinâmica, que depende de splitters, aletas, saias, difusores e asas que tornariam o carro impróprio para uso nas ruas e estradas. É exatamente neste departamento que mora o principal problema do 911 atualmente: se você reparar na traseira dos carros de turismo, eles têm difusores imensos, bem maiores que o de qualquer esportivo de rua. Isso porque eles precisam extrair o ar que entra embaixo do carro para criar uma zona de baixa pressão aerodinâmica, de forma que a pressão sobre a carroceria seja maior e empurre o carro contra o chão — daí o termo “aderência aerodinâmica”.
O problema é que o 911 tem um motor e seu sistema de escape no espaço onde normalmente os carros de corrida instalam seus difusores, e por isso o 911 precisa usar difusores menores. Com difusores menores, há uma limitação no fluxo de ar extraído da parte de baixo do carro, limitando a aderência aerodinâmica do modelo e até mesmo a velocidade do carro em retas, uma vez que, para compensar o efeito limitado, a Porsche precisava usar a asa traseira com um maior ângulo de ataque, o que gerava arrasto aerodinâmico.
Com a concorrência atacando de forma brutal — Ferrari 458/488, Corvette, e agora o Ford GT — a Porsche precisou encontrar uma solução para voltar assumir a dianteira. Esta solução está no novo 911 RSR apresentado nesta última quarta-feira (16): o motor trocou de lugar com o câmbio e agora fica instalado à frente do eixo traseiro.
A diferença entre os difusores do novo RSR e do modelo usado desde 2014
Ao abrir espaço para um difusor maior, a Porsche conseguirá não apenas obter mais downforce, mas também poderá usar ângulos de asa mais conservadores, permitindo velocidades maiores (e até menor consumo de combustível nas provas de endurance) em circuitos de alta e em longas retas como a Hunaudières (ou Mulsanne, se preferir) em Le Mans.
O motor também é novo: depois do GT3R e do GT3 Cup receberem a atual família de motores boxer, o 911 RSR também recebeu o 4.0 flat-6 aspirado com cerca de 510 cv (a potência varia de acordo com o restritor exigido pelo regulamento de cada categoria). O câmbio é o tradicional sequencial de seis marchas com carcaça de magnésio para manter o peso baixo, que envia a força do flat-6 para as rodas traseiras de 12 polegadas de largura.
Agora: se você está pensando que o novo RSR resultará em uma versão de homologação com motor central-traseiro, saiba que isso não vai acontecer. Durante o lançamento do RSR no Salão de Los Angeles, o chefe da Porsche Motorsport, o dr. Frank-Steffen Walliser, disse que “as regras da categoria GTE para 2017 permitem a otimização do posicionamento do motor” e que, por isso, “não há nenhuma versão de produção com esse layout nos planos da futuros da Porsche”.
Wiiiiidebody: para-lamas enormes para cobrir as rodas de 12 polegadas de largura e as bitolas mais largas
Bem, isso é o que veremos. Como dissemos mais acima, ao longo da história do 911 a Porsche dobrou a física para torná-lo mais preciso e melhorar sua dinâmica. Somente nesta geração a marca adotou o esterçamento das rodas traseiras para ajudá-lo nas curvas, assim como diferenciais eletrônicos com vetorização de torque. Por enquanto funciona, mas chegará um dia em que a Porsche precisará evoluir a dinâmica do carro. Talvez o RSR de motor central-traseiro seja o primeiro passo em uma nova direção, na qual o 911 terá motor central-traseiro (afinal, para que servem os bancos traseiros do 911 mesmo?) e sua última tradição será o flat-6.
PS: Não esquecemos do 911 GT1 Strassenversion, que se chamava 911 e tinha seu motor entre o cockpit e o eixo traseiro. Mas vamos combinar: ele não era um 911 de verdade, e sim um protótipo de corridas com os faróis e lanternas do 911 996.