Mal chegamos ao décimo dia de 2025 e a Toyota já nos surpreendeu com algo completamente inesperado: um Yaris GR com motor central-traseiro. Um hot hatch com motor central-traseiro em pleno 2025, quem diria?
O modelo, batizado GR Yaris M, é um conceito preparado pela Toyota para o Salão de Tóquio, mas ele será desenvolvido e usado pela marca na temporada deste ano da Super Taikyu, uma categoria de endurance japonesa com diversas classes, disputada no formato de corridas de cinco horas ou rodadas duplas de três horas. Ao que tudo indica, a Toyota desenvolveu o GR Yaris M como parte do projeto de relançamento de um novo MR2 em um futuro próximo. É por isso que a Toyota foi além de apenas reposicionar o motor original do GR Yaris — o 1.6 turbo de três cilindros que conhecemos no Brasil no GR Corolla — e deu a ele um 2.0 turbo de quatro cilindros (G20E).
Infelizmente a Toyota não divulgou a potência do motor, nem se o carro terá tração integral ou traseira — embora uma das fotos pareça mostrar um diferencial dianteiro na parte inferior do cofre do motor, indicando que ele terá tração integral.
Esta não é a primeira vez que a Toyota apronta um hot hatch de motor central-traseiro: em 2008 ela fez um outro conceito, baseado no Aygo, com o sugestivo nome de Aygo Crazy — que pode significar tanto “Aygo Louco” quanto “Fico Louco” devido ao trocadilho em inglês “I go cazy”.
Ainda menor que o Yaris GR, o Aygo Crazy tinha um motor 1.8 turbo (1ZZ-FE) de 200 cv e 24,4 kgfm combinado a um câmbio manual de cinco marchas usado então pelo Toyota MR2. Com apenas 1.050 kg, o hatchback acelerava de zero a 100 km/h em 5,75 segundos e podia chegar aos 204 km/h. Ele não tinha nenhum tipo de assistência — nem mesmo na direção, tampouco ABS.
O carro tinha ainda 25 mm a mais na bitola traseira e rodas de 17 polegadas. O pacote ainda tinha amortecedores ajustáveis Tein e discos de freio Brembo de 328 mm na dianteira e 280 mm na traseira. Por dentro, o arranjo era similar ao do GR Yaris M: dois bancos concha e uma gaiola de proteção/reforço estrutural.
Também como GR Yaris M, o Aygo Crazy foi somente um conceito, apresentado no Salão de Londres daquele ano, mas nunca chegou nem mesmo a correr em alguma categoria por uma questão de custos — segundo a Toyota, o carro custava 100.000 libras para ser construído e, lembre-se, 2008 foi o ano em que a indústria automobilística sofreu seu maior baque desde a crise do petróleo nos anos 1970.
Na história também não faltaram hot hatches com motor central-traseiro, mas somente uma fabricante teve colhões — ou melhor dizendo: couilles — de colocá-los em produção para venda ao público, e essa fabricante foi a Renault. E não digo isso por causa do Renault 5 Turbo dos anos 1980 — afinal, o desenvolvimento e venda do carro teve mais a ver com a homologação para o WRC do que com a ousadia dos executivos. Digo isso por que a Renault foi a única fabricante que teve a ousadia de fazer um hatch de motor central-traseiro produzido em série sem motivo algum além de simplesmente oferecer um hot hatch com motor central-traseiro.
Você já sabe do que estou falando: o Clio V6, a materialização da loucura sobre quatro rodas.
O Clio V6
Apresentado em 1998, ele nasceu simplesmente de um impulso meio doentio e completamente sensacional. A receita era um repeteco do Renault 5 Turbo que correu no WRC — mas, enquanto o R5 Turbo foi produzido por que a Renault era obrigada a produzi-lo e vendê-lo se quisesse competir com ele, o Clio V6 existiu por mera ousadia da marca. O tipo de coisa que acabou há muito tempo na indústria, infelizmente.
O V6 em questão era o 3.0 24v utilizado no Renault Laguna. Originalmente capaz de entregar 207 cv, o motor foi preparado pela TWR para chegar aos 230 cv e colocado no lugar do banco traseiro — tornando este hot hatch um dos raros casos onde a praticidade é totalmente deixada de lado. A carroceria era quase 20 cm mais larga para acomodar o eixo traseiro mais largo e os pneus maiores (necessários para colocar toda esta potência no chão). Mas não era uma receita perfeita.
O problema do Clio V6 é que ele era um carro pesado: mesmo com 230 cv, seus 1.355 kg só permitiam que ele acelerasse até os 100 km/h em 6,2 segundos, embora a velocidade máxima fosse de 246 km/h — muita coisa. Além disso, seu comportamento dinâmico era extremamente arisco devido a suas proporções.
Mas a Renault sabia do potencial de seu pocket rocket e, para a reestilização feita no Clio ainda em 2001, promoveu no V6 algumas melhorias além do visual: com cabeçotes retrabalhados e um novo sistema de indução, o V6 3.o entregava agora 255 cv — o bastante para reduzir o 0-100 km/h para 5,9 segundos, mesmo pesando 60 kg a mais.
O motor ocupava todo o espaço na traseira que, em qualquer outro Clio normal, e o compartimento de carga acomodava, no máximo, os equipamentos obrigatórios e uma bolsa pequena. Debaixo do capô? Nem isso. Mas este carro não nasceu para ser racional, e sim para entrar para a história – nenhuma fabricante fez algo parecido depois do Clio V6.
O que houve antes foram os já mencionados especiais de homologação — carros que precisaram ser fabricados em uma série limitada e vendidos para que a FIA os homologasse para suas categorias. No caso dos hot hatches de motor central-traseiro, eram carros homologados para o Grupo B, para disputar o WRC.
Os mais famosos, certamente, são a dupla francesa formada pelo já citado Renault 5 Turbo e pelo Peugeot 205 T16.
O Renault 5 Turbo
O R5 Turbo ganhou as ruas em 1980 como uma versão de homologação para o WRC – primeiro no Grupo 4, e depois, com algumas modificações, para o Grupo B. Por fora, o Renault 5 Turbo partia da carroceria de um R5 normal, porém com para-lamas bem mais largos para acomodar a bitola traseira aumentada em 25 cm e as entradas de ar para o motor, que passou a ocupar o lugar do banco traseiro. As modificações foram desenhadas por Marcello Gandini, famoso por projetar o Lamborghini Countach – e tudo era executado em alumínio em uma tentativa de reduzir peso.
Inicialmente a Renault pensou em usar um motor V6 (o que deixa claro de onde veio a ideia para o Clio), mas acabou usando o bom e velho Cléon-Fonte de 1,4 litros — não muito diferente do motor que conhecemos no Brasil no Willys Gordini e no Ford Corcel I. O 1.4 era equipado com um turbocompressor Garrett T3 operando a 0,9 bar e um intercooler em um dos para-lamas traseiros, e entregava 160 cv a 6.000 rpm. No carro de rali, a potência ultrapassava os 300 cv.
Em 1982, depois de vender mais de 1.800 unidades do R5 Turbo, a Renault apresentou uma versão atualizada de seu hot hatch de motor central. O chamado Turbo 2 tinha o mesmo motor 1.4 turbo de 160 cv, mas a Renault quis torná-lo mais barato dispensando o uso de alumínio na carroceria. Ao longo de quatro anos, o Renault 5 Turbo 2 vendeu cerca de 3.100 unidades. Ele deixou de ser produzido em 1986, mesmo ano da extinção do Grupo B de rali.
O Peugeot 205 T6
Já o Peugeot 205 não era tecnicamente um hatchback — isso, porque sua traseira não era uma abertura “hatch”, mas sim uma concha que incluía o vigia traseiro e as janelas laterais. Esta tampa correspondia à metade da carroceria do carro e, quando aberta, dava acesso a todo o conjunto mecânico central-traseiro — um motor 1.8 16v turbo de 200 cv a 6.750 rpm e 27,2 mkgf de torque. Do carro original restava quase nada além dos elementos estéticos e do nome.
O desempenho era radicalmente superior ao do 205 GTI 1.9: enquanto o modelo convencional, de motor e tração dianteiro acelerava de zero a 100 km/h em 8,8 segundo e chegava aos 206 km/h, o T16 com seu motor turbo e tração integral precisava de 6,6 segundos, embora a velocidade máxima fosse praticamente a mesma do GTI, a 208 km/h.
A questão é que o 205 T16 servia apenas para que a Peugeot pudesse fazer um carro de rali com motor central-traseiro, não para lançar um modelo superior ao GTI, que era realmente o foco da fabricante quando se fala em esportivo de rua. Tanto é que a Peugeot só fez as 200 unidades exigidas pela FIA do 205 T16, enquanto o GTI foi produzido até a segunda metade dos anos 1990.
O esquecido MG Metro 6R4
O Grupo B ainda rendeu um outro super-hatch de motor central-traseiro: o MG Metro 6R4, que tinha um V6 turbo na traseira — que foi parar no cofre do Jaguar XJ220!
Seu motor V6 era derivado do Rover V8 (a Rover fazia parte da British Leyland, que também era dona da MG), porém com dois cilindros a menos. Com deslocamento de 2,5 litros e naturalmente aspirado (diferentemente dos outros carros do Grupo B, todos turbinados), ele dispunha de 410 cv na versão de competição (também menos que os rivais, que passavam dos 600 cv com calibragem mais agressiva) e 250 cv na versão de rua, que tinha o sobrenome “Clubman”.
O o motor foi desenvolvido com a ajuda de Patrick Head, da equipe Williams de Fórmula 1, que na época era patrocinada pela British Leyland. Uma curiosidade é que este foi o primeiro na história do WRC a ser desenvolvido especificamente para competir em ralis. Normalmente, os competidores usavam versões modificadas de motores que já existiam.
Com menos potência e sem turbo, o Metro 6R4 não teve uma carreira muito promissora no WRC, mas deu origem a um dos hatchbacks mais insanos de que se tem notícia. E o motor ainda encontrou sobrevida no Jaguar XJ220, que foi desenvolvido em parceria com a Tom Walkinshaw Racing, que no fim da década de 1980 comprou o projeto do motor do 6R4, aumentou o deslocamento para 3,5 litros e deu a ele dois turbos para chegar aos 550 cv.
O outsider: Festiva SHOgun
O Ford Festiva era o tipo de carro que um americano só compraria se ele estivesse em uma situação financeira muito delicada. Era o oposto de tudo o que o público local almejava em um carro: era pequeno demais, lento demais e nem era um Ford de verdade, e sim um Kia Pride. Para se ter uma ideia, ele era menor que o Ford Ka original, de 1996.
Mas, se há algo que os americanos sabem fazer é transformar perdedores em vencedores. E foi isso que um homem chamado Rick Titus fez no final dos anos 1980. Ele, que já havia sido editor da revista Motor Trend e piloto de corridas, teve uma ideia comum entre ratos de pista: pegar um carro rejeitado e transformá-lo em algo rápido e divertido. Foi assim que nasceu o Ford Festiva SHOgun.
A ideia era simples: arrancar os bancos traseiros do Festiva, abrir um buraco no assoalho e colocar o motor V6 de três litros e o câmbio manual de cinco marchas do Taurus SHO. Para isso, Titus recorreu a Chuck Beck, famoso por suas réplicas de Porsche 550 (e proprietário do exemplar amarelo que ilustra esta matéria), que fez um subchassi para o motor e para a nova suspensão traseira, com estrutura McPherson como na dianteira.
Os freios também vinham do Taurus — discos ventilados de 10 polegadas nos quatro cantos, envoltos por rodas de 15×8 polegadas na dianteira e 16×10 polegadas na traseira.
Como o motor era o SHO, desenvolvido pela Yamaha para a Ford, Titus decidiu batizar o carro de SHOgun — um trocadilho com o título dado aos generais do exército japonês entre os séculos XII e XIX.
Por dentro, o carro recebia novos instrumentos no painel, bancos Recaro e revestimento personalizado. Do lado de fora, Beck fez sua mágica e, com para-lamas alargados, capô com scoop funcional (o cofre do motor agora abriga um duto para entrada de ar) e um novo para-choque, o SHOgun realmente lembra um pequeno especial de homologação para o WRC.
Com o novo motor, o que antes era um pacato Festiva se tornou um monstrinho capaz de acelerar até os 100 km/h em 4,6 segundos e fazer o quarto-de-milha em 12,9 segundos a 160 km/h, segundo um teste da Motor Trend na época — e ele nem era tão leve, pesando 1.166 kg. A revista também elogiou a dinâmica do carrinho, que, apesar de suas proporções cúbicas, não era extremamente arisco de traseira — ele tinha, sim, certa tendência ao sobresterço (por causa do peso concentrado na traseira), mas era bom de chão e não era fácil fazê-lo desgarrar de seu trajeto.
Infelizmente, foram feitos apenas nove exemplares do SHOgun — um deles comprado por quase US$ 45.000 por Jay Leno no início dos anos 1990, ainda novo.
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